sexta-feira, 16 de agosto de 2013

SÍMBOLOS E VOZ DA PSIQUE (JUNG)


Carl G. Jung (org.)
O Homem e os seus Símbolos
Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1987

Excertos adaptados

Ensaio sobre o inconsciente I

A função dos símbolos
Quando um psicanalista se interessa por símbolos, ocupa-se, em primeiro lugar, dos símbolos naturais, distintos dos símbolos culturais. Os primeiros são derivados dos conteúdos inconscientes da psique e, portanto, representam um número imenso de variações das imagens arquetípicas essenciais. Em alguns casos, pode-se chegar às suas origens mais arcaicas – isto é, a ideias e imagens que vamos encontrar nos registos mais antigos e nas sociedades mais primitivas. Os símbolos culturais, por outro lado, são aqueles que foram empregados para expressar "verdades eternas" e que ainda são utilizados em muitas religiões. Passaram por inúmeras transformações e mesmo por um longo processo de elaboração mais ou menos consciente, tornando-se assim imagens colectivas aceites pelas sociedades civilizadas.

O homem moderno não entende o quanto o seu racionalismo (que lhe destruiu a capacidade para reagir a ideias e símbolos numinosos) o deixou à mercê do submundo psíquico. Libertou-se das superstições (ou pelo menos pensa tê-lo feito), mas, neste processo, perdeu os seus valores espirituais numa escala positivamente alarmante. As suas tradições morais e espirituais desintegraram-se e, por este motivo, paga agora um preço elevado em termos de desorientação e dissociação universais.

Os antropólogos descreveram, muitas vezes, o que acontece a uma sociedade primitiva quando os seus valores espirituais sofrem o impacto da civilização moderna. A sua gente perde o sentido da vida, a sua organização social desintegra-se, os próprios indivíduos entram em decadência moral. Encontramo-nos agora em idênticas condições. Mas, na verdade, nunca chegamos a compreender a natureza do que perdemos, pois os nossos líderes espirituais, infelizmente, preocuparam-se mais em proteger as suas instituições do que em entender o mistério que os símbolos representam.

Na minha opinião, a fé não exclui a reflexão (a arma mais forte do homem); mas, desafortunadamente, numerosas pessoas religiosas parecem ter tamanho medo da ciência (e, incidentalmente, da psicologia) que se conservam cegas a estas forças psíquicas numinosas que regem, desde sempre, os destinos do homem. Despojamos todas as coisas do seu mistério e da sua numinosidade; e nada mais é sagrado.

Em épocas recuadas, enquanto os conceitos instintivos ainda se avolumavam no espírito do homem, a sua consciência podia, certamente, integrá-los numa disposição psíquica coerente. Mas o homem dito civilizado já não consegue fazê-lo. A sua consciência "avançada" privou-o dos meios de assimilar os contributos complementares dos instintos e do inconsciente. Estes meios de assimilação e de integração eram, exactamente, os símbolos numinosos tidos como sagrados por um consenso geral.

Hoje, por exemplo, fala-se da "matéria". Descrevemos as suas propriedades físicas. Procedemos a experiências de laboratório para demonstrar alguns dos seus aspectos. Mas a palavra "matéria" permanece um conceito seco, inumano e puramente intelectual, e que para nós não tem qualquer significação psíquica. Como era diferente a imagem primitiva da matéria – a Grande Mãe – que podia conter e expressar todo o profundo sentido emocional da Mãe Terra! Do mesmo modo, o que era espírito identifica-se, actualmente, com intelecto e, assim, deixa de ser o Pai de Todos; degenerou até chegar aos limitados conhecimentos egocêntricos do homem. A imensa energia emocional expressa na imagem do "Pai Nosso" desvanece-se na areia de um verdadeiro deserto intelectual.

À medida que aumenta o conhecimento científico, diminui o grau de humanização do nosso mundo. O homem sente-se isolado no cosmos porque, já não estando envolvido com a natureza, perdeu a sua "identificação emocional inconsciente" com os fenómenos naturais. E os fenómenos naturais, por sua vez, perderam aos poucos as suas implicações simbólicas. Esta enorme perda é compensada pelos símbolos dos nossos sonhos. Eles revelam-nos a nossa natureza original, com os seus instintos e a sua forma peculiar de raciocínio. Lamentavelmente, no entanto, expressam os seus conteúdos na própria linguagem da natureza que, para nós, é estranha e incompreensível.

As palavras tornam-se fúteis quando não se sabe o que representam. Isto aplica-se especialmente à psicologia, onde se fala tanto de arquétipos como a anima e o animus, o homem sábio, a Grande Mãe, etc. Pode-se saber tudo a respeito dos santos, dos sábios, dos profetas, de todos os homens-deuses e de todas as mães-deusas adoradas pelo mundo fora. Mas se são meras imagens, cujo poder numinoso nunca experimentámos, será o mesmo que falar de um sonho, pois não se sabe do que se fala. As próprias palavras que usamos serão vazias e destituídas de valor. Elas só ganham sentido e vida quando se tenta levar em conta a sua numinosidade – isto é, a sua relação com o indivíduo vivo. Apenas então se começa a compreender que todos aqueles nomes significam muito pouco – o que importa é a maneira como estão relacionados connosco.

Reminiscências de memórias de infância e reproduções de comportamentos psíquicos, expressos por meio de arquétipos, podem alargar os nossos horizontes e aumentar o campo da nossa consciência – sob a condição de que os conteúdos readquiridos sejam assimilados e integrados na mente consciente. Como não são elementos neutros, a sua assimilação vai modificar a personalidade do indivíduo, já que também eles vão sofrer algumas alterações. Neste estado a que chamamos o processo de individuação, a interpretação dos símbolos exerce um papel prático de muito relevo, pois os símbolos representam tentativas naturais de reconciliação e união dos elementos antagónicos da psique

http://sonharsimbolos.wordpress.com/2007/10/06/a-funcao-dos-simbolos/


A psique fala-nos?
Carl G. Jung (org.)
O Homem e os seus Símbolos
Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1987

Excertos adaptados

Ensaio sobre o inconsciente I

A psique fala-nos?

O nosso intelecto criou um mundo novo que domina a natureza, e ainda a povoou de máquinas monstruosas. O homem não resiste às solicitações aventureiras da sua mente científica e inventiva, nem cessa de congratular-se consigo mesmo pelas suas esplêndidas conquistas. Ao mesmo tempo, a sua genialidade revela uma misteriosa tendência para inventar coisas cada vez mais perigosas, que se tornam instrumentos cada vez mais eficazes de suicídio colectivo.

Em vista da crescente e súbita avalanche de nascimentos, o homem já começou a buscar meios de suster a explosão demográfica. Mas a natureza pode vir a antecipar esta tarefa, voltando contra ele as suas próprias criações. A bomba de hidrogénio, por exemplo, seria um freio seguro para este aumento de população. A despeito da nossa orgulhosa pretensão de dominarmos a natureza, ainda somos suas vítimas, na medida em que nem sequer aprendemos a dominar-nos a nós mesmos. De maneira lenta, mas que nos parece fatal, atraímos o desastre.

Já não existem deuses cuja ajuda possamos invocar. As grandes religiões padecem de uma crescente anemia, porque as divindades prestimosas já fugiram dos bosques, dos rios, das montanhas e os animais e os homens-deuses desapareceram no mais profundo do nosso inconsciente. Iludimo-nos, julgando que, lá no inconsciente, têm uma vida humilhante entre as relíquias do nosso passado. As nossas vidas são agora dominadas por uma deusa, a Razão, que é a nossa ilusão maior e mais trágica. É com a sua ajuda que acreditamos ter conquistado a natureza.

Continuamos a achar natural que homens briguem e lutem com o objectivo de afirmar cada um a sua superioridade sobre o outro. Como pensar, então, em conquista da natureza?

Como toda a mudança deve, forçosamente, começar em alguma parte, será o indivíduo isoladamente que terá de tentar levá-la avante. Esta mudança só pode principiar, realmente, num só indivíduo; poderá ser qualquer um de nós. Ninguém tem o direito de ficar a olhar à sua volta, à espera de que alguma outra pessoa faça aquilo que ele mesmo não está disposto a fazer. Mas como ninguém parece saber o que fazer, talvez valha a pena que cada um de nós se pergunte se, por acaso, o seu inconsciente conhecerá alguma coisa que possa ser útil a todos. A mente consciente, decididamente, parece incapaz de nos ajudar. Hoje, o homem dá-se dolorosamente conta de que nem as suas grandes religiões nem as suas várias filosofias parecem capazes de lhe fornecer aquelas ideias enérgicas e dinâmicas que lhe dariam a segurança necessária para enfrentar as actuais condições do mundo.

Os cristãos muitas vezes perguntam por que motivo Deus não se lhes dirige, como se acredita que fazia em tempos passados. Quando ouço este tipo de perguntas, lembro-me sempre do rabi a quem perguntaram por que razão ninguém mais, hoje em dia, via Deus, quando, no passado, Ele aparecia às pessoas com tanta frequência. Resposta do rabi: "É que hoje em dia já não existe gente capaz de se curvar." Resposta absolutamente certa. Estamos tão fascinados e envolvidos pela nossa consciência subjectiva que nos esquecemos do facto milenar de que Deus nos fala sobretudo através dos sonhos e visões.

Passei mais de meio século a investigar os símbolos naturais e cheguei à conclusão de que tanto os sonhos como os seus símbolos não são fenómenos inconsequentes ou desprovidos de sentido. Pelo contrário, os sonhos fornecem as mais interessantes revelações a quem quiser dar- se ao trabalho de entender a sua simbologia. O resultado, é bem verdade, pouco tem a ver com problemas quotidianos como vender ou comprar. Mas o sentido da vida não se explica totalmente pela nossa actividade económica, nem os anseios mais íntimos do coração humano são realizados por uma conta bancária.

Neste período da história humana em que toda a energia disponível é dedicada ao estudo e investigação da natureza, dedica-se pouquíssima atenção à essência do homem, à sua psique.

O mais importante instrumento do homem, a sua psique, recebe pouca atenção, e é muitas vezes tratado com desconfiança e desprezo. "É apenas psicológico" é uma expressão que significa, habitualmente: "Não é nada." De onde virá exactamente este imenso preconceito?

O estudo do simbolismo individual e colectivo é tarefa gigantesca que ainda não foi vencida. Mas, pelo menos, já existe um trabalho inicial. Os primeiros resultados são encorajadores e parecem oferecer resposta às muitas perguntas – até aqui sem nenhuma réplica – que se colocam à humanidade de hoje.

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