segunda-feira, 5 de agosto de 2013

CONSUMISMO COMO FUGA SIMBÓLICA DO REAL

 Renato Nunes Bittencourt

Doutor em Filosofia pelo PPGF-UFRJ

Professor do Curso de Comunicação Social da Faculdade CCAA

Membro do Grupo de Pesquisa Spinoza & Nietzsche





Introdução

Ao realizarmos um estudo sobre a questão da disposição humana para o

consumo, é imprescindível que se faça primeiramente alguns esclarecimentos básicos de

forma a se evitar eventuais confusões conceituais e preconceitos semânticos e

valorativos. Nessas condições, cabe destacar que o ato de consumo propriamente dito é

inerente ao existir humano e se caracteriza em especial pela busca de recursos materiais

ou simbólicos que favoreçam a manutenção saudável do organismo e da própria

existência como um todo.

Por sua vez, o ímpeto consumista subverte essa necessidade natural, tornando-se

uma experiência de satisfação incontrolável de desejos estimulados pelo próprio sistema

social do regime mercadológico estabelecido, que depende inapelavelmente das

inclinações consumistas dos indivíduos para que possa então prosperar

economicamente. Conforme os esclarecimentos de Bauman: "De maneira distinta do

consumo, que é basicamente característica e uma ocupação de seres humanos como

indivíduos, o consumismo é um atributo da sociedade" (BAUMAN, Vida para

Consumo, p. 41). Por conseguinte, o fenômeno do consumismo pode ser compreendido

como a atividade de se adquirir bens materiais indiscriminadamente, seguindo-se em

geral influências externas que conduzem de forma compulsiva o direcionamento de

gosto do indivíduo, padronizado de acordo com parâmetros sociais extrínsecos, em

especial o apelo da publicidade midiática e da moda. De acordo com Richard Sennett,

O consumidor busca o estímulo da diferença em produtos cada vez mais

homogeneizados. Ele se parece com um turista que viaja de uma cidade

clonada para outra visitando as mesmas lojas, comprando em cada um delas o

mesmo produto (SENNETT, A cultura do novo capitalismo, p. 137).

A associação entre o sistema mercadológico mega-industrial e o consumismo

requer, naturalmente, a supressão da individualidade do sujeito consumidor, pois se

torna tecnicamente impossível se criar gêneros adequados para a singularidade

particular de cada pessoa; a empresa que porventura se arriscar a tal empreendimento

corre o risco de falir. Observando essa configuração da sociedade altamente

industrializada, Philippe Breton e Serge Proulx destacam: "A produção em massa de

uma mercadoria homogênea conduz a um consumo em massa despersonalizado e

padronizado" (BRETON & PROULX, Sociologia da Comunicação, p. 111)

Comparando-se as perspectivas valorativas que regem o ideário existencial da

sociedade de consumo, torna-se possível constatar sua ruptura com o discurso ético

antigo: a tradição filosófica em sua matriz grega considerava que a aquisição da

felicidade se encontrava imediatamente associada ao exercício da virtude, postulando

que os bens exteriores são incapazes de fornecer esse estado de beatitude

(ARISTÓTELES, Ética a Nicômacos, I, 1095 a5). Lipovetsky manifesta convergências

com a ética eudaimonica aristotélica ao afirmar que inexiste, a nível efetivo, a relação

entre consumo e felicidade, argumentando que

Consumimos sempre mais, mas nem por isso somos mais felizes. O mundo

tecnicista proporciona a todos uma vida mais longa e, em termos materiais,

mais cercada de confortos. É algo que devemos considerar. Porém, isso não

equivale à felicidade em si, que tenazmente escapa do poder de apreensão

humana (LIPOVETSKY, A sociedade da decepção, p. 51).

O indivíduo da civilização tecnicista, caracterizado como consumidor

compulsivo, encontra-se axiologicamente distante desse principio ético fundamental,

destacando-se principalmente pela dependência crescente da obtenção de momentos de

fuga existencial em relação aos seus próprios problemas particulares e mesmo de si

mesmo, gerando assim esse escoamento psicológico para a sua inaptidão em obter a

auto-realização pessoal. Conforme o parecer de Jurandir Freire Costa, na conjuntura do

consumo a capacidade humana de

Estar feliz não se resume mais a se sentir sentimentalmente repleto. Agora, é

preciso também se sentir corporalmente semelhante aos "vencedores", aos

"visíveis", aos astros e estrelas midiáticas (FREIRE COSTA, O Vestígio e a

Aura, p. 166)

A felicidade interior evadiu-se na sociedade de consumo, poucos são capazes de

vivenciá-la plenamente na existência cotidiana; tanto pior, muitos consideram que o

bem-estar efêmero decorrente da fruição dos bens de consumo é a autêntica felicidade,

de modo que criam assim uma confusão etiológica entre as duas experiências.

Conforme a perspicaz afirmação de Erich Fromm, "a felicidade do homem moderno

consiste na emoção de olhar vitrines e comprar tudo o que lhe é possível, a vista ou a

prazo" (FROMM, A arte de amar, p. 3); complementando essa ideia, Bauman afirma:

"Como poucas drogas, viver a crédito cria dependência talvez mais ainda que qualquer

outra droga e sem dúvida mais que os tranqüilizantes à venda" (BAUMAN, Vida a

crédito, p.34). Na sociedade consumista, busca-se preencher a totalidade da vida

humana, isto é, tanto em sua acepção concreta e social como em sua perspectiva interior

com a promessa sempre renovada de obtenção de gozo existencial através da compra

dos gêneros despejados cotidianamente no mercado e magnetizados pela chancela

publicitária que "diviniza" tais bens materiais. Abraham Moles, apresentando as

características psicológicas do ato consumista, argumenta que

O indivíduo quer adquirir, isto é, introduzir em sua esfera pessoal objetos ou

atos que pertencem à esfera do outro, ou dos outros, da natureza ou da

sociedade. Quer dilatar essa esfera pessoal, que ele denomina de "espaço

vital", incorporando-lhe o maior número possível de elementos exteriores a

ele (MOLES, O Cartaz, p. 11).

O mecanismo consumista se encontra associado ao processo econômico de

contínua oferta, reposição e descarte de produtos, e são as sociedades capitalistas que

apresentam de modo mais acabado um grande índice de disposições consumistas entre

os seus cidadãos. Conforme exposto por Don Slater,

Para dizer o óbvio, cultura do consumo é cultura capitalista. Historicamente,

desenvolve-se como parte desse sistema. Estruturalmente, a cultura do

consumo é incompatível com a regulação política do consumo, seja por meio

da supressão do mercado, seja por meio de códigos e leis suntuárias

tradicionalistas (SLATER, Cultura do consumo e modernidade, p.33-34).

Cabe ainda ressaltar que não se pretende fazer de modo algum uma crítica de

bases moralistas aos dispositivos narcotizantes e alienantes do consumismo,

dispositivos estes muito bem operados pela publicidade midiática, mas sim apresentar

de que maneira ocorre o incentivo artificial ao consumismo desenfreado pelo sistema

publicitário e seus tentáculos sociais. Tal como perspicazmente destacado por Adriana

Santos,

Cada vez mais, os meios de comunicação, não apenas sinônimos de troca de

informação como também de publicidade e propaganda – acenam com

maiores quantidades de objetos de desejo para os consumidores, fazendo com

que, um dia, o paraíso e o bem-estar prometido por tais produtos possam ser

finalmente encontrados (SANTOS, Os meios de comunicação como

extensões do mal-estar, p 67).

Portanto, o procedimento crítico a ser adotado neste escrito de modo algum se

caracteriza por uma valoração moralizante da conduta humana diante de busca

incessante pelo consumo; pelo contrário, trata-se de uma espécie de denúncia consciente

dos prejuízos existenciais do consumismo para a vida humana e de que maneira essa

disposição nasce de uma carência existencial e é potencializada pelo apelo publicitário.

Nessas condições, concordamos com os apontamentos de Lipovetsky:

Ninguém duvida que, em muitos casos, a febre de compras seja uma

compensação, uma maneira de consolar-se das desventuras da existência, de

preencher a vacuidade do presente e do futuro (LIPOVETSKY, "Tempo

contra tempo, ou a sociedade hipermoderna", In: Os tempos

hipermodernos, p. 79).

Para enriquecimento teórico deste problema crucial da experiência social própria

das civilizações tecnocráticas utilizaremos os referenciais intelectuais dos mais diversos

pensadores que porventura tenham se apropriado da questão do consumismo em suas

obras.

Consumismo e alienação existencial

Parafraseando um perspicaz comentário de Zygmunt Bauman, podemos dizer

que, se outrora o questionamento acerca das condições da existência do ser humano

consistia em saber se ele trabalhava para viver ou se vivia para trabalhar, nos tempos

atuais podemos cogitar se o homem consome para viver ou se vive para consumir

(BAUMAN, Globalização, p. 88-89). A disposição consumista própria da sociedade de

opulência, que encontra sua legitimação valorativa na publicidade capitalista, favorece

uma nova interpretação sobre o primado existencial do ser humano: ao invés do Cogito

cartesiano que marca o advento do pensamento filosófico moderno, temos na era

contemporânea a sentença "Consumo, logo existo". Conforme salienta Lars Svendsen,

Nossas vidas cotidianas tornaram-se cada vez mais comercializadas, há um

número crescente de mercadorias em circulação e cada vez mais tentamos

satisfazer nossas necessidades e desejos naturais através do consumo de

mercadorias e serviços (SVENDSEN, Moda: uma filosofia, p. 127).

A vida na sociedade regida pela efervescência irrefreável das novidades exige de

cada indivíduo uma capacidade mais potente de assimilação de informações

publicitárias. Bauman afirma que "o tédio, a ausência ou mesmo interrupção temporária

do fluxo perpétuo de novidades excitantes, que atraem a atenção, transforma-se num

espetáculo odiado e temido pela sociedade de consumo" (BAUMAN, Vida para

consumo, p. 165). Nessas condições, é preciso frustrar continuamente as pessoas para

que se possa fazer ressurgir constantemente novos desejos de compras, mantendo-se

assim o círculo vicioso que une anarquia interior, ansiedade, frustração psicológica e

estímulo para o consumo. Konrad Lorenz salienta que

A neofilia é um fenômeno bem-vindo aos grandes produtos que, graças a um

doutrinamento das massas, exploram a fundo essa tendência que lhes traz

grandes lucros (LORENZ, Os oito pecados mortais do homem civilizado,

p. 50).

A busca pelas novidades do consumo apresenta dois problemas cruciais para a

situação psicológica do "homem líquido": 1) cria a excitabilidade ansiosa pela aparição

daquilo que é "novo" no regime do consumo; 2) estabelece a falsa relação de

causalidade entre "novo" e "bom". Ora, aquilo que é novo não é necessariamente

dotado de qualidade. Essa distância entre as duas esferas pode gerar decepções de

diversos níveis no consumidor, seja a sensação de malogro por constatar que o objeto

"novo" não apresenta a eficácia técnica esperada, seja o mal-estar psicológico

decorrente da necessidade de se investir em uma miríade de aquisições como forma de

se manter a consciência devidamente direcionada para o ato de consumo. Para Gilles

Lipovetsky, "a sociedade de consumo criou em grande escala a vontade crônica dos

bens mercantis, o vírus da compra, a paixão pelo novo, um modo de vida centrado nos

valores materialistas" (LIPOVETSKY, A felicidade paradoxal, p. 36). Ao apresentar a

configuração da assimilação mercadológica daquilo que é "novo", Diana Lima afirma

que

Produzido e ofertado em ritmo acelerado e incessante, ao invés de resistência,

na era moderna, o novo não amedronta. Ao contrário, a novidade provoca

mais e mais desejo no consumidor, de modo que ele guarda ou se desfaz

daquilo que até então o agradava para se lançar em novas aquisições, sem

jamais estar satisfeito (LIMA, Consumo – uma perspectiva antropológica,

p. 34).

Essas experiências negativas de insatisfação existencial tendem a criar uma

personalidade dependente da elevação constante do índice de consumo para que se

venha assim a obter estados fugazes de prazer. Erich Fromm destaca que "a atitude

inerente ao consumismo é a de engolir o mundo todo. O consumidor é a eterna criança

de peito berrando pela mamadeira." (FROMM, Ter ou Ser?, p. 45). O ato de comprar

compulsivamente seria uma espécie de novo ópio do povo; tal processo se revela um

método prático de se compensar a extenuação de um nível de trabalho fragmentado e

incapaz de fornecer o esperado sentimento de realização pessoal, atrelado ao despertar

das inúmeras ansiedades decorrentes da mobilidade social, da infelicidade da solidão

mesmo na vivência coletiva dos grandes centros urbanos e o tédio de uma vida

desprovida de sentido criativo.

Para Baudrillard, "o consumo, pelo fato de possuir um sentido, é uma atividade

de manipulação sistemática de signos" (BAUDRILLARD, O sistema dos objetos, p.

206). Cabe destacar que são nas constituições existenciais mais fragilizadas e

decadentes do ponto de vista vital, problemas estes ocasionados pela ausência de

aspirações superiores na existência e pela crônica insatisfação pessoal acerca do mundo

circundantes, que ocorrem as maiores erupções afetivas que instigam a fruição

desenfreada dos gêneros de consumo. Lipovetsky afirma que

Com sua profusão luxuriante de produtos, imagens e serviços, com o

hedonismo ao qual induz, com seu ambiente eufórico de tentação e

proximidade, a sociedade de consumo revela claramente a amplidão da

estratégia da sedução (LIPOVETSKY, A Era do Vazio, p. 2)

O próprio luxo, considerado sinônimo de sofisticação pela sociedade abastada,

que legitima ideologicamente aquilo que é de bom gosto ou kitsch, nada mais seria que

sintoma de decadência psicofisiológica, segundo a perspicaz colocação de Nietzsche:

A Igreja e a moral dizem: "o vício e o luxo levam uma estirpe ou um povo à

ruína". Minha razão restaurada diz: se um povo se arruína, degenera

fisiologicamente, seguem-se daí o vício e o luxo (ou seja, a necessidade de

estímulos cada vez mais fortes e mais freqüentes, como sabe toda natureza

esgotada) (NIETZSCHE, Crepúsculo dos Ídolos, "Os quatro grandes

erros", § 2)

Aproveitando a precedente citação nietzschiana, poderíamos reformular essa

questão da seguinte maneira: "a perspectiva moralista afirma que o consumismo

degrada existencialmente o ser humano; a perspectiva crítica afirma que o indivíduo em

estado de declínio existencial se torna consumista como forma de promover o seu

preenchimento psicológico a partir da aquisição de bens materiais". Don Slater destaca

que

O consumismo explora simultaneamente a crise de identidade em massa ao

declarar que seus bens são soluções para os problemas de identidade e, nesse

processo, intensifica a crise, oferecendo valores e forma de ser cada vez mais

plurais. A cultura do consumo vive e alimenta-se das deficiências culturais da

modernidade (SLATER, Cultura do consumo e modernidade p. 88).

O processo de degenerescência existencial de um indivíduo e de uma sociedade,

motivadas na civilização tecnicista pela dificuldade humana em se adaptar a uma nova

ordem de mundo por ele mesmo criada em seu ímpeto de dominação total da natureza,

está vinculado ao grande fluxo contínuo de criação das novas tendências da moda; tais

dispositivos nada mais são do que mecanismos especuladores da paixão humana pela

pretensa possibilidade de obtenção de distinção social, que em verdade escamoteia a

homogeneidade coletiva. Georg Simmel salienta que

A mudança da moda mostra a medida do embotamento da sensibilidade;

quanto mais nervosa for uma época, tanto mais depressa se alteram as suas

modas, porque a necessidade de estímulos diferenciadores, um dos

sustentáculos essenciais de toda a moda, caminha de braço dado com o

esgotamento das energias nervosas (SIMMEL, Filosofia da Moda, p. 30)

No presente ponto de nossa argumentação cabe que façamos algumas

considerações metafóricas próprias do discurso antropológico: na sociedade industrial, o

Homo Sapiens cede lugar ao seu sucessor na escala "evolutiva" da nossa espécie, o

Homo Consumens, caracterizado principalmente pela tendência de visar consumir

avidamente os bens materiais disponíveis no sistema mercadológico vigente, seguindo

de forma irrefletida aos apelos publicitários das marcas. Bauman afirma que "é a

rotatividade, e não o volume de compras, que mede o sucesso na vida do Homo

Consumens" (BAUMAN, Amor Líquido, p. 67-68). É prejudicial para a economia

especuladora da disposição consumista que os bens adquiridos apresentem durabilidade;

mais ainda, é inadequado para o sistema de consumo que o indivíduo se apegue aos

objetos. Abordando essa questão, Deleuze argumenta que

A alta rotatividade constitui necessariamente um mercado do esperado:

mesmo o "audacioso", o "escandaloso", o estranho, etc,, são moldados

segundo as formas previstas do mercado (DELEUZE, Conversações, p. 160)

No âmbito de nossa civilização contemporânea regida por incertezas quanto ao

futuro de nossa própria condição existencial, a grande palavra de ordem é: "Somente

quem consome é feliz"; percebemos que se trata de um discurso regido pela doutrinação

materialista própria da propaganda legitimadora do espírito mercadológico que perpassa

todas as relações sociais do indivíduo. Desse modo, torna-se aviltante para a "moral do

consumo" que o ser humano dotado de poder aquisitivo não conquiste a tão sonhada

felicidade através da aquisição de bens materiais (descartáveis ou não), pois o ato de

compra, expressão maior do gozo na sociedade capitalista, representa o passaporte para

a experimentação do júbilo na vida prática. Analisando essa situação hedonista, Charles

Melman considera que

Estamos lidando com uma mutação que nos faz passar de uma economia

organizada pelo recalque a uma economia organizada pela exibição do gozo

(MELMAN, O homem sem gravidade: gozar a qualquer preço, p. 16)

Contudo, esse postulado estado de felicidade proporcionado pelo consumismo é

uma quimera promovida pela publicidade, e seu efeito na vida humana consiste a apenas

em atuar como um entorpecente psicológico, que exige continuamente a aquisição de

bens materiais para que se conquiste um momentâneo estado de alívio existencial diante

da sôfrega necessidade de se consumir sempre para se fugir das tonitruantes "dores do

mundo". O mecanismo publicitário, ao revestir com qualidades inexistentes os produtos

ofertados, faz o consumidor acreditar que ele pode ser alguém melhor adquirindo coisas,

sejam elas supérfluas ou não. John Berger, dissecando esse problema, salienta que

A lacuna entre o que a publicidade realmente oferece e o futuro que promete

corresponde à lacuna entre o que o espectador-comprador sente que é e o que

ele gostaria de ser. As duas lacunas se resumem a uma, que, em vez de ser

preenchida pela ação ou pela experiência vivida, é preenchida por devaneios

fascinantes (BERGER, Ways of Seeing, p 148)

A artimanha publicitária promete ao consumidor a capacidade de gozar

existencialmente através da obtenção dos bens materiais vendidos pelo sistema

mercadológico, fazendo com que este indivíduo malogrado se sinta especial perante os

demais. A experiência consumista se torna um jogo social e psicológico onde se

mesclam desejo de posse, a sensação de poder e a necessidade de gozar. Bauman decifra

com precisão esse problema ao destacar que

Qualquer um pode ter o prazer quando quiser, mas acelerar sua chegada não

torna o gozo desse prazer mais acessível economicamente. Ao fim e ao cabo,

a única coisa que podemos adiar é o momento em que nos daremos conta

dessa triste verdade (BAUMAN, Capitalismo parasitário, p.13)

O prazer sensório proporcionado pelo consumo se esvai rapidamente, pois o seu

eixo diretor não se encontra em uma raiz intrínseca da vida humana caracterizada pela

capacidade de se fruir o bem-estar pessoal de maneira endógena, isto é, sem a

necessidade de estímulos externos, tal como operado pelo sistema consumista. Jurandir

Freire Costa, denunciando as ilusões existenciais estabelecidas mercadologicamente

pela associação entre prazer existencial e consumo, destaca que "uma felicidade que se

consome no instante em que se realiza é uma felicidade pela metade, um aperitivo que

desperta a fome sem poder saciá-la" (FREIRE COSTA, O Vestígio e a Aura, p. 94).

Para potencializar o apelo publicitário da divulgação das pretensas propriedades

tonificantes dos objetos de consumo, não raro encontramos a vinculação das qualidades

intrínsecas das mercadorias ao poder sexual, recurso que favorece a sedução dos

indivíduos. Maria Rita Kehl descreve claramente esse processo de engodo promovido

pela propaganda, destacando que

A aliança entre a expansão do capital e a liberação sexual fez do interesse das

massas consumidoras pelo sexo um ingrediente eficiente de publicidade.

Tudo o que se vende tem apelo sexual: um carro, um liquidificador, um

comprimido contra dor de cabeça, um provedor de internet, um tempero

industrializado. A imagem publicitária evoca o gozo que se consuma na

própria imagem, ao mesmo tempo que promete fazer do consumidor um ser

pleno e realizado. Tudo evoca o sexo ao mesmo tempo que afasta o sexual,

na medida em que a mercadoria se oferece como presença segura, positivada

no real, do objeto de desejo (KEHL, Sobre Ética e Psicanálise, p. 189).

O consumo compulsivo compensa a ansiedade psicológica do indivíduo

existencialmente impotente, incapaz de encontrar um nível de felicidade duradoura na

sua vida prática, seja no âmbito do trabalho ou nas suas experiências afetivas. A

necessidade deste tipo de consumo origina-se na "sensação de vazio interior, desespero,

confusão e temor" (FROMM, A Revolução da Esperança, p. 141). Pelo conceito de

"vazio existencial" podemos compreender a sensação simbólica de abandono

experimentada pelo indivíduo contemporâneo que vive em uma realidade social cada

vez mais marcada pela incerteza em relação aos seus projetos para o futuro, assim como

pela insegurança pessoal diante de uma realidade concretamente marcada tanto pela

hostilidade em relação àquilo que se apresente como existencialmente diferente, como

pela incapacidade humana de se valorizar autenticamente a esfera pública.

O sentimento de medo, despertando instabilidade psicológica no indivíduo

existencialmente incapaz de interferir na transformação do meio circundante, exige-lhe

uma fuga compensatória para a sua impotência pessoal, e o consumo ostensivo alivia

essas frustrações, adquirindo qualidades terapêuticas para tais indivíduos, na condição

de que se tornem dependentes desse processo de aquisição contínua de objetos. De

acordo com Lipovetsky, "a exploração das depressões e das ansiedades, os sintomas de

degradação da auto-estima assinalam a nova vulnerabilidade do indivíduo, inseparável

da civilização da felicidade" (LIPOVETSKY, A felicidade paradoxal, p. 170-171).

Nessas circunstâncias, sem a existência do medo não há elevação dos índices de

consumo, não apenas dos gêneros próprios para a manutenção da segurança privada dos

indivíduos, mas também daqueles que aparentemente não apresentam qualquer relação

imediata com a situação de instabilidade social na qual este indivíduo se encontra

imerso.

A experiência do vazio existencial impede justamente que o indivíduo se sinta

preenchido psicologicamente, plenamente criativo e capaz de transformar as suas

condições vitalmente decadentes. Conforme destaca Lipovetsky, "O consumo no

sistema de mercado seria um pouco como o Tonel das Danaides, que orquestra com

sucesso o descontentamento e a frustração de todos" (LIPOVETSKY, A sociedade da

decepção, p. 23). Ora, consumir é sempre uma atividade supressora do estresse; logo,

por qual motivo não se aproveitar da sensação geral de instabilidade psíquica reinante

nos agitados centros urbanos para se promover a comercialização dos diversos tipos de

objetos disponíveis, revestindo-os com os efeitos espetaculares da propaganda?

Podemos inclusive perceber nesse dispositivo econômico especulador dos afetos

humanos uma associação com os mecanismos disciplinares da sociedade tecnocrática,

pois consumir é a melhor maneira de se manter a ordem estabelecida, tanto pela

sustentação financeira dos tentáculos comerciais da organização social como pela

eliminação momentânea das frustrações existenciais dos indivíduos, frustrações essas

que são sempre terrivelmente perigosas para a conservação da paz pública. Bauman

afirma que

Tanto os políticos quanto os mercados consumidores estão ansiosos para

capitalizar os medos difusos e nebulosos que saturam a sociedade. Os

vendedores de bens de consumo e serviços anunciam seus produtos como

remédios infalíveis contra o abominável sentimento de incerteza e de ameaça

não claramente definida (BAUMAN, Vida a crédito, p.89)

Atuando como um narcótico propriamente dito, a "droga do consumismo"

exerce no indivíduo apenas um rápido efeito supressor da sua sensação negativa de

vazio existencial; após realizar o seu efeito soporífero, o ímpeto consumista faz com que

o indivíduo necessite de novas experiências sensórias, novos exercícios de dispêndios

de tempo e de dinheiro para consumir novos objetos, para que possa assim prolongar o

efeito desse entorpecimento existencial, até o momento em que dependerá novamente

da obtenção de novos estímulos aprazíveis, cada vez mais intensos como forma de se

superar os índices de euforia obtidos nas experimentações pregressas. Lipovetsky

apresenta uma colocação perscrutadora da relação simbiótica entre consumismo e

excitação psíquica: "Doravante, o consumo funciona como doping ou como estímulo

para a existência, às vezes como paliativo, despiste como relação a tudo que não vai

bem em nossa vida" (LIPOVETSKY, Metamorfoses da cultura liberal, p. 21-22). A

atividade consumista é uma espécie de desvio momentâneo de olhar em relação aos

problemas existenciais aparentemente irresolúveis pelo indivíduo alienado de sua

própria capacidade criativa e habilidade pessoal em transformar para melhor as suas

condições de vida, no âmbito profissional, nas interações sociais, na convivência

pública e no cotidiano familiar. Segundo Maria Rita Kehl,

(...) os prazeres e os bens podem funcionar na sociedade de consumo como

peças da muralha na qual o sujeito vai instalando as convicções necessárias à

sua alienação (KEHL, Sobre ética e psicanálise, p. 102).

O consumo consciente representa a capacidade de escolha do indivíduo perante

as suas necessidades autênticas, sejam orgânicas, materiais ou mesmo culturais, mas a

inoculação da disposição compulsiva no ato de consumo acaba por corromper essa

experiência simbólica, motivando assim a submissão individual aos parâmetros

mercadológicos, circunstância que se caracteriza como alienação social, existencial e

política. Tal como pondera Valquíria Padilha, "o consumismo acaba por ter o mesmo

efeito que um remédio anestésico cujo alívio para a dor é por tempo limitado, além de

não atacar a causa do problema diretamente" (PADILHA, Shopping Center – A

catedral das mercadorías, p. 109).

Em toda crise econômica ocorre inevitavelmente uma ameaça de diminuição do

índice de consumo da sociedade, refração natural, pois os momentos de instabilidade

requerem contensão de despesas; entretanto, percebemos que os economistas atrelados

ao sistema mercadológico do consumismo apregoam justamente o contrário, isto é, que

os cidadãos continuem adquirindo bens de consumo, como forma de se promover a

circulação de capital na sociedade. O subterfúgio ideológico desse discurso

economicista se revela imediatamente sob um olhar crítico, pois a ampliação do

processo de compra de bens de consumo não demonstra necessariamente ser um sinal

de saúde econômica da sociedade, em especial se tais gêneros não representarem a

satisfação das necessidades básicas dos cidadãos. As crises econômicas são geradas pela

especulação do capital realizada pelos macro-investidores, protegidos em seus negócios

escusos pelo patronato do Estado neoliberal, que concede subsídios constantes para

esses empresários; por conseguinte, não é a circulação de capital através do consumo

social que promove a estabilidade econômica da sociedade, mas a diminuição de

práticas monetárias que não geram efetivamente mais empregos e satisfação das

necessidades básicas para a promoção da vida cidadã dos indivíduos.

Curiosamente, constatamos que, mesmo quando os ideólogos da economia

neoliberal apelam para a falsa causalidade que postula o ato de consumo em massa

como condição para o progresso financeiro da sociedade, evidencia-se o uso do medo

como instrumento de manipulação da opinião publica: "sem consumo não há

estabilidade econômica", esta poderia ser a palavra de ordem da doutrina especuladora

do consumo regido pela égide do sistema empresarial. No entanto, as bases autênticas

que se encontram associadas ao processo de perpetuação do consumismo social se

encontram nas disposições existenciais dos indivíduos; afinal, quanto maior a

insatisfação psicológica em relação ao âmbito real circundante, maior será o sentimento

de vazio interior e, por conseguinte, mais intensa a necessidade de preenchimento

simbólico do "eu" com recursos que supostamente garantam o estabelecimento do gozo

existencial para o consumidor. Erich Fromm destaca que

Se o consumo fosse reduzido, uma grande dose de ansiedade se manifestaria.

A resistência ao possível estímulo da ansiedade resultaria em má vontade

para reduzir o consumo (FROMM, A revolução da Esperança, p. 141)

Quanto mais desgastante do ponto de vista psicossomático é a vida cotidiana do

cidadão, mais ela se encontra suscetível ao florescimento dos ímpetos desiderativos dos

indivíduos, motivando-lhes o consumo incessante como meio de obtenção da saciedade

e da tranquilidade pessoal, ainda que efêmeros. Convergindo com essa problematização,

Erich Fromm destaca que

Consumir é uma forma de ter, e talvez a mais importante da atual sociedade

abastada industrial. Consumir apresenta qualidades ambíguas: alivia

ansiedade, porque o que se tem não pode ser tirado; mas exige que se

consuma cada vez mais, porque o consumo anterior logo perde a sua

característica de satisfazer. Os consumidores modernos podem identificar-se

pela fórmula: eu sou = o que tenho e o que consumo (FROMM, Ter ou Ser?,

p.45).

Para Erich Fromm, duas disposições existenciais fundamentais norteiam a

conduta humana em sua vida, influenciando seu comportamento, suas interações sociais

e suas valorações: o modo "Ser", que representa a compreensão qualitativa e intensiva

da vida humana, e o modo "Ter", que representa a compreensão quantitativa e extensiva

da mesma, sendo tal disposição própria da sociedade tecnicista, comercialista e

consumista na qual estamos inseridos, pois todas as nossas relações com o mundo

circundante se estabelecem pela ânsia de posse e controle total daquilo que nos é

exterior. O modo "Ter" expressa o empobrecimento da existência humana em seus

caracteres psicológicos, sociais, simbólicos e culturais. Segundo Erich Fromm,

Quando o Ter tem, principalmente, a força de satisfazer a necessidade de

aumentar sempre o consumo, deixa de ser condição de mais Ser, mas não é

basicamente diferente da "posse-conservada" (FROMM, Do Ter ao Ser, p.

149)

Aliás, cabe ressaltar que o ato de se consumir concretamente produtos materiais

ou consumir simbolicamente as pessoas com as quais nos relacionamos se torna uma

linha contínua, pois em ambos os casos se vislumbra uma forma "eficaz" de

preenchimento do vazio existencial através de dispositivos simbolicamente

entorpecentes. De um lado o "consumo líquido", de outro o "amor líquido" e sua

contínua fragmentação da experiência de alteridade interpessoal. De acordo com

Bauman,

Num mundo construído só de normas codificáveis, o Outro assomava do lado

de fora do eu como presença mistificante, mas sobretudo como ambivalência

desconcertante: como potencial ancoragem do eu, mas ao mesmo tempo

como obstáculo e resistência à auto-afirmação do ego. Na ética moderna, o

Outro era a contradição encarnada e a mais terrível das pedras de escândalo

na marcha do eu para sua realização (BAUMAN, Ética pós-moderna, p. 99)

A busca por experiências "amorosas" fugazes não representa sinal de vitalidade

sexual do indivíduo, mas um empobrecimento da sua capacidade de se relacionar

profundamente com a esfera do Outro, interagindo existencialmente de maneira

bilateral. Nessas condições, os "consumidores de afetos" buscam em seus atos

desenfreados obterem no átimo de prazer conquistado nas relações sexuais uma espécie

de alienação existencial das suas próprias carências psicológicas, descartando em

seguida o objeto de prazer, pois este não pode mais fornecer a satisfação esperada. A

mídia publicitária bajula seus consumidores, oferecendo-lhe imagens daquilo que ele

gostaria de ter e de ser, poupando-o da difícil experiência da alteridade. Lars Svendsen

afirma que para neutralizar essa falta de durabilidade estamos em constante busca de

algo novo. Tornamo-nos grandes consumidores de coisas novas, lugares novos e

pessoas novas (SVENDSEN, Moda: uma filosofia, p.150). O amor pelo novo, no

contexto alienante da sociedade de consumo, longe de representar uma abertura

existencial para a contínua capacidade de transformação das condições corriqueiras de

vida para uma experiência pessoal mais criativa, significa a incapacidade humana de

preservar a sua serenidade psíquica. Lipovetsky afirma que

Enquanto o princípio-moda "tudo o que é novo apraz" se impõe como rei, a

neofilia se afirma como paixão cotidiana e geral. Instalaram-se sociedades

reestruturadas pela lógica e pela próprio temporalidade da moda; em outras

palavras, um presente que substitui a ação coletiva pelas felicidades privadas,

a tradição pelo movimento, as esperanças do futuro pelo êxtase do presente

sempre novo (LIPOVETSKY, "Tempo contra tempo, ou a sociedade

hipermoderna, In: Os tempos hipermodernos, p. 60-61).

Baudrillard, estabelecendo sua contundente posição crítica em relação ao

sistema consumista, apresenta ironicamente o caráter desmedido e acéfalo dessa

disposição mercadológica: "Vocês querem que se consuma – pois bem, consumamos

sempre mais, e não importa o quê, para todos os fins inúteis e absurdos"

(BAUDRILLARD, À sombra das maiorias silenciosas, p. 40). Conforme o ideário

mercantilista estabelecido na sociedade capitalista, ausência de consumo significa

alguma "deficiência" no sistema sensorial do ser humano, incapaz de receber estímulos

externos que apelam para a aquisição de coisas, circunstância que motiva o tédio pelo

marasmo psicológico de nada mais se buscar para obter, fato prejudicial para a ordem

econômica, que demanda necessidades desiderativas aos "cidadãos do mundo

consumista". Hannah Arendt salienta que

Em nossa necessidade de substituir cada vez mais depressa as coisas

mundanas que nos rodeiam, já não podemos nos dar ao luxo de usá-las, de

respeitar e preservar sua inerente durabilidade; temos que consumir, devorar,

por assim dizer, nossas casas, nossos móveis, nossos carros, como se estas

fossem as "boas coisas" da natureza que se deteriorariam se não fossem logo

trazidas para o ciclo infindável do mutabilismo do homem com a natureza

(ARENDT, A Condição Humana, p. 138).

Com efeito, torna-se inviável para a manutenção normativa do sistema

econômico regido pela produtividade desenfreada de bens de consumo supérfluos que

estes apresentem durabilidade; mais ainda, tampouco o indivíduo submetido aos

ditames mercadológicos pode manifestar qualquer tipo de disposição em conservar por

longa faixa de tempo os produtos adquiridos: é imprescindível que os bens materiais

apresentem grande rotatividade e facilidade de substituição por novas peças; da mesma

maneira, o sentimento projetado em relação aos objetos adquiridos deve ser flexível e

desprovido de maiores apegos, de modo que se possa assim perpetuar o direcionamento

contínuo para a aquisição de novas coisas. Bauman afirma: "O consumismo de hoje não

consiste em acumular objetos, mas em seu gozo descartável" (BAUMAN, Capitalismo

parasitário, p.42). A partir dessa colocação, podemos inferir o seguinte problema: se a

fruição pelo consumo dos objetos deve ser continuamente renovada, quem não é capaz

de dinamizar a capacidade de descarte de bens materiais, torna-se, de acordo com os

parâmetros econômicos capitalistas, um consumidor ruim. Maria Rita Kehl destaca de

forma esclarecedora que a "sociedade do consumo" não se caracteriza pelo fato de todos

terem acesso aos bens em oferta, mas pela crença unânime de que tanto o valor da vida

quanto o das pessoas se mede pela capacidade de consumir (KEHL, O Tempo e o cão,

p. 293, n.19). Trata-se da transformação simbólica do ser humano em mercadoria

comercializável, processo sobre o qual economia industrial exerce a sua especulação

publicitária da propaganda para conquistar o poder consumidor das massas. Conforme

comentam Adorno e Horkheimer, "o consumidor torna-se a ideologia da indústria de

diversão, de cujas instituições não consegue escapar" (ADORNO & HORKHEIMER,

Dialética do Esclarecimento, p. 148).

O discurso da publicidade consumista se utiliza da insatisfação existencial do

indivíduo para melhor dominá-lo economicamente, insuflando-lhe tendências

heterônomas em relação ao seu apreço pelos bens materiais. Conforme destacam

Philippe Breton e Serge Proulx, "a publicidade, se inserindo na problemática de

marketing das empresas, tornou-se um mecanismo essencial para a organização da

produção da demanda e das necessidades a preencher pelo consumo" (BRETON &

PROULX, Sociologia da Comunicação, p. 111). Cabe ainda destacar que o crescente

desenvolvimento das técnicas do "neuroconsumo", dispositivo de marketing

caracterizado pelo uso de mecanismos subliminares na divulgação da propaganda, é um

dos fatores que geram a criação artificial de demandas consumistas nos indivíduos

seduzidos pelas imagens prometedoras do gozo existencial mediante o usufruto do

produto divulgado, circunstância que revela o efeito deletério dos agentes publicitários

sobre as disposições volitivas e desiderativos dos indivíduos. Martin Lindstrom defende

a ideia de que

Em breve, um número cada vez maior de empresas vai se esforçar para

manipular medos e inseguranças a respeito de nós mesmos para nos fazer

pensar que não somos suficientemente bons, que se não comprarmos um

determinado produto, estaremos de alguma forma perdendo algo

(LINDSTROM, A lógica do consumo, p. 172).

As grandes marcas, em nome do lucro incondicional, estão dispostas a realizar

qualquer atitude ignominiosa, inocular na massa consumidora qualquer tipo de

sentimento, para que obtenham suas esperadas vantagens econômicas mediante a

especulação sobre os afetos dos compradores. Conforme o parecer crítico de Schröder e

Vestergaard,

Mostrando gente incrivelmente feliz e fascinante, cujo êxito em termos de

carreira ou de sexo – ou ambos – é óbvio, a propaganda constrói um universo

imaginário em que o leitor consegue materializar os desejos insatisfeitos da

sua vida diária (SCHRÖDER & VESTERGAARD, A linguagem da

propaganda, p. 179)

A sociedade de consumo faz com que os indivíduos, psicologicamente

massificados pela ideologia mercantilista apregoada pela publicidade comercial, atuem

de forma mecanizada no tocante ao ato de aquisição dos gêneros ofertados, o que resulta

no curioso caso de que muitas vezes os indivíduos adquirem os produtos

disponibilizados pelo mercado consumidor em decorrência direta dos estímulos

externos transmitidos pelos mecanismos midiáticos. Bauman argumenta com muita

precisão que

A liberdade do consumidor significa uma orientação da vida para as

mercadorias aprovadas pelo mercado, assim impedindo uma liberdade

crucial: a de se libertar do mercado, liberdade que significa tudo menos a

escolha entre produtos comerciais padronizados (BAUMAN, Modernidade e

Ambivalência, p. 277).

Uma vez que a lógica social da "Modernidade Líquida" é movida por critérios

quantitativos, a busca pela reflexão pessoal acerca do sentido da vida e o esforço em se

singularizar perante as diversas dimensões existenciais da realidade através de uma

compreensão holística se tornam disposições imputadas como "desprezíveis". Edgar

Morin afirma que

O homem consumidor não é apenas o homem que consome cada vez mais. É

o homem que se desinteressa do investimento... A cultura de massas nos

introduz a uma relação desenraizada, móvel, errante com relação ao tempo e

ao espaço... (MORIN, Cultura de massas no séc. XX, volume 2 – Necrose

p. 127).

Por conseguinte, no auge da "era da liquidez", o ser humano se despersonaliza

psicologicamente, adquirindo o estatuto de coisa a ser consumida, para em seguida vir a

ser descartada por outrem, quando esta figura existencialmente vazia se exaure do uso

continuado do objeto "homem", facilmente reposto por modelos similares disponíveis

no esfuziante "mercado da vida líquida". Para Bauman,

Os "problemas do refugo (humano) e da remoção do lixo (humano)" pesam

ainda mais fortemente sobre a moderna e consumista cultura da

individualização. Eles saturam todos os setores mais importantes da vida

social, tendem a dominar estratégias de vida e a reverter as atividades mais

importantes da existência, estimulando-as a gerar seu próprio refugo sui

generis: relacionamentos humanos natimortos, inadequados, inválidos ou

inviáveis, nascidos com a marca do descarte iminente (BAUMAN, Vidas

Desperdiçadas, p. 14-15).

Na conjuntura "líquida" das relações interpessoais, tal como denunciada por

Bauman, ninguém é considerado insubstituível e todos são potencialmente descartáveis

em todos os âmbitos da vida social, pois tudo aquilo que foge do âmbito limitado do

principio de identidade é estigmatizado como "estranho":

No espaço social cognitivamente mapeado, o estranho é alguém de quem se

sabe pouco e se deseja saber ainda menos. No espaço moral, o estranho é

alguém de quem se cuida pouco e se está disposto a cuidar menos. Os dois

conjuntos de estranhos podem, ou não podem, se superporem (BAUMAN,

Ética pós-moderna, p. 192)

Podemos dizer que essa disposição valorativa é uma espécie de violência

simbólica contra a dignidade da condição humana, caracterizada pela existência, para

cada pessoa, de uma singularidade própria, axiologicamente intransferível,

independentemente de critérios morais de conduta. Essa alienação da singularidade nada

mais é que a supressão do projeto iluminista vislumbrado por Kant no seu célebre texto:

Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem de sua menoridade, da qual

ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu

entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio

culpado dessa menoridade se a causa dele não se encontra na falta de

entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo

sem a direção de outrem. Sapere Aude! Tem coragem de fazer uso de teu

próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento [Aufklärung] (KANT,

"Resposta à pergunta: que é Esclarecimento"?, p. 63-64).

A Modernidade pressupunha sujeitos autônomos, pensantes, livres de quaisquer

determinações externas; todavia, a submissão coletiva ao sistema de padronização do

gosto pela moralidade consumista e pelos ditames comportamentais da moda nos faz

viver na experiência da "Modernidade Líquida", caracterizada como uma era de

declínio cultural que pode ser denominada como "anti-iluminista". Minando a

capacidade de regulação individual do consumidor, o sistema mercadológico estabelece

as pré-condições para a condução da vida pessoal de cada ser humano imerso no regime

consumista. Sobre essa questão, Umberto Eco argumenta que

A indústria da cultura, que se dirige a uma massa de consumidores genérica,

em grande parte estranha à complexidade da vida cultural especializada, é

levada a vender efeitos já confeccionados, a prescrever com o produto

condições de uso, com a mensagem de reação que deve provocar (ECO,

Apocalípticos e integrados, p 76).

Esse poder prescritivo presente no sistema propagador de objetos de consumo se

encontra intrinsecamente atrelado ao ideário coercitivo existente na moda. Nessas

condições, a normatividade social da moda exerce grande efeito sobre a singularidade

individual, conforme apresentado criticamente por Kracauer:

Na medida em que não somos determinados pelo interior, a moda pode impor

seu próprio domínio em quase todas as esferas do ser, dirigir várias

atividades e expressões de acordo com seus próprios desejos. Além disso,

tornamo-nos nervosos, amamos a mudança e talvez por isso mesmo queira

fugir do esvaziamento da alma; estas características e tendências favorecem o

surgimento da moda, do nosso desejo por tudo o que é novo (KRACAUER.

O ornamento da massa, p. 267)

Se outrora a noção filosófica de liberdade consistia na capacidade do sujeito agir

de maneira indeterminada por qualquer tipo de causa externa, na conjuntura do sistema

capitalista a moral consumista propaga o ideário social de que ser "livre" é seguir os

parâmetros mercadológicos e institucionais estabelecidos pela moda e pela sociedade de

consumo. Konrad Lorenz denuncia que

O método mais irresistível para manipular grandes massas humanas pela

sincronização de suas aspirações é fornecido pela moda. Certamente, na

origem, ela deriva simplesmente da aspiração humana generalizada de tornar

visível externamente a própria dependência de um grupo cultural ou étnico

(LORENZ, Os oito pecados mortais do homem civilizado, p. 99)

Nesses termos, podemos afirmar indubitavelmente que o sistema da moda e a

singularidade humana são instâncias intrinsecamente divergentes, ainda que se transmita

através da ideologia publicitária a mentirosa tese de que a moda favorece a ampliação

da liberdade de escolha humana e a formação do seu senso de unicidade existencial.

Analisando as configurações fragmentárias de nossa era social regida contínua

decadência existencial, Christopher Lasch afirma que "a liberdade passa ser a liberdade

de escolher entre a marca "x" e a marca "y", entre amantes intercambiáveis, entre

trabalhos intercambiáveis, entre vizinhos intercambiáveis" (LASCH, O Mínimo Eu, p.

29). Torna-se tecnicamente impossível pensarmos em "liberdade de escolha" ou

"liberdade individual" quando existe um mecanismo social, a publicidade, que cria, em

nome de conveniências econômicas, demandas desiderativas que exigem da parte do

indivíduo consumidor a sua satisfação imediata, para que a paz psíquica reine na

consciência desse tipo humano. Abraham Moles afirma que

O papel da agência de publicidade é, de um lado, manter as necessidades, e

de outro, transformar os "desejos" em "necessidades", na medida em que o

indivíduo tenha uma margem de escolha imposta (MOLES, O Cartaz, p.

121).

Na "Modernidade Líquida", o ato de pensar por conta própria é considerado pela

ideologia legitimadora do vazio intelectual uma atividade perigosa, pois coloca o

indivíduo completamente só diante de seus critérios valorativos, e somente ele é

responsabilizado existencialmente caso não obtenha sucesso nos seus objetivos.

Conforme comenta Bauman, "a liberdade de escolha é acompanhada de imensos e

incontáveis riscos de fracasso. Muitas pessoas podem considerá-las incontornáveis,

descobrindo ou suspeitando que eles possam exceder suas capacidades pessoais de

enfrentá-los"(BAUMAN, Vidas Desperdiçadas, p. 71).

Problematizando o declínio da singularidade criativa do homem submetido aos

parâmetros massificadores da cultura submetida ao ideário mercadológico, Horkheimer

diz: "Desde o dia do seu nascimento, o indivíduo é levado a sentir que só existe um

meio de progredir nesse mundo: desistir de sua esperança de auto-realização suprema.

Isso ele só pode atingir pela imitação" (HORKHEIMER, Eclipse da Razão, p. 152). O

aspecto normativo da moda realiza plenamente essa função agregadora das aspirações

coletivas do indivíduo em se considerar pertencendo a um grupo regido pelos

parâmetros da identidade, pois assim supostamente nada se torna capaz de ameaçar a

sua vida regida pela repetição cotidiana de um padrão de conduta. Tal como argumenta

Kracauer, "uma vez que uma moda se impõe, logo é imitada por todos e o mundo

inteiro tenta apoderar-se dela" (KRACAUER, O ornamento da massa, p. 267). Para

Baudrillard, "o narcisismo do indivíduo na sociedade de consumo não é fruição da

singularidade, é refração de traços coletivos" (BAUDRILLARD, A Sociedade de

Consumo, p. 96). Tal colocação desmistifica o discurso ideológico da publicidade que

apregoa a capacidade mágica de singularização do ser humano através da aquisição dos

produtos revestidos de uma aura soteriológica, capaz de libertar o consumidor de sua

mediocridade existencial. Ainda de acordo com Baudrillard, "o consumo surge como

conduta ativa e coletiva, como coação e moral, como instituição" (BAUDRILLARD, A

Sociedade de Consumo, p. 81).

Na disposição consumista, o ser humano se caracteriza acima de tudo por ansiar

adquirir as coisas desejadas através de uma proporção geométrica; todavia, a sua

capacidade de saciar tais desejos é aritmética, circunstância que lhe causa os mais

turbulentos desgostos existenciais decorrentes da frustração em não poder satisfazer

adequadamente os seus incontáveis projetos hedonistas. Conforme aponta Lipovetsky,

O hiperconsumismo desenvolve-se como um substituto da vida que

almejamos, funciona como um paliativo para os desejos não realizados de

cada pessoa. Quanto mais se avolumam os dissabores e as frustrações da vida

privada, mas a febre consumista irrompe a título de lenitivo, de satisfação

compensatória, como um expediente para "reerguer o moral"

(LIPOVETSKY, A sociedade da decepção, p. 30)

Os critérios "morais" da sociedade consumista, herdeira do tecnicismo

industrial, consistem na obrigação incondicional do indivíduo se apresentar

publicamente como alguém plenamente capacitado a consumir, mesmo que tal ato não

resulte na satisfação de uma necessidade básica, imprescindível para o estabelecimento

do bem-estar e saúde individual; com efeito, a lógica consumista faz da disposição de

adquirir coisas uma necessidade vital, e o sistema espetacular da propaganda contribui

de forma colossal para tal relação fetichista. Segundo Lucia Santaella,

Fascinado diante da miríade de estímulos, diante do espetáculo volátil das

luzes, das imagens, dos cenários e das coisas, nas grandes cidades, o olhar

moderno aprendeu a desejar o corpo enfeitiçado das mercadorias que,

sacralizadas pela publicidade, ficam expostas à cobiça por trás dos vidros

reluzentes das vitrines (SANTAELLA, Corpo e Comunicação – sintomas

da cultura, p. 116).

Mediante essas colocações, podemos demonstrar que é inegável a inexistência

de qualquer responsabilidade social dos agentes publicitários, especuladores dos desejos

coletivos, em forjar novas demandas consumistas, como forma de pretensamente

outorgar aos consumidores tanto uma sensação de pertencimento social quanto de status

quo. Para Don Slater,

As pessoas compram a versão mais cara de um produto não porque tem mais

valor de uso do que a versão mais barata (embora possam usar esse

racionalização), mas porque significa status e exclusividade; e, claro está,

esse status provavelmente será indicado pela etiqueta de um designer ou de

uma loja de departamentos (SLATER, Cultura do consumo e

modernidade, p. 156).

O consumo dos produtos das grandes marcas do mercado capitalista-fetichista

apresenta uma aura simbólica de distinção social para o indivíduo, decorrendo daí a

curiosa relação estabelecida entre a aquisição do item "magnetizado" pela promessa do

sucesso pessoal e a farta expansão desse mesmo item na lista dos produtos mais

vendidos. Todavia, esses produtos espetaculares não se evidenciam sozinhos, tal como a

propaganda apregoa, mas são divinizados justamente pela ação inescrupulosa dos

agentes publicitários, que se aproveitam dos seus conhecimentos técnicos acerca das

disposições psicológicas vazias dos membros da sociedade de consumo, desejosos de

obterem a felicidade (momentânea) através da aquisição dos bens comerciais. Marilena

Chauí destrincha esse paradoxo ideológico da moral publicitária, argumentando que

A propaganda tenta garantir ao consumidor que ele será, ao mesmo tempo,

igual a todo mundo e não um deslocado (pois consumirá o que os outros

consomem) e será diferente de todo mundo (pois o produto lhe dará uma

individualidade especial) (CHAUÍ, Simulacro e Poder: uma análise da

mídia, p. 38)

A falácia publicitária transmite o discurso ideológico de que a qualidade de

qualquer produto é auto-evidente, o que é um grande absurdo, pois o apelo sedutor

associado ao gênero de consumo é criado pela inteligência deletéria dos "mercadores de

imagens". A partir desta problematização, Bauman questiona:

Os novos produtos despertam o entusiasmo dos consumidores porque

promete fornecer aquilo de que eles precisam – mas como é que os

consumidores saberiam de que precisam e onde obtê-lo se não fossem

adequadamente informados? (BAUMAN, Europa, p. 115).

A relação sedutora produzida pelo sistema das mercadorias apresentadas

ostensivamente na experiência cotidiana, operada pelo ardil publicitário, pretende

justamente exigir de cada indivíduo o consumo dos produtos maravilhosamente

expostos nos grandes altares comerciais, as prateleiras, vitrines, mostruários, fazendo

que o consumidor se relacione com tais produtos a partir de uma experiência devocional

secularizada. Como adverte ironicamente Bauman, "a sociedade de consumidores não

tem lugar para os consumidores falhos, incompletos, imperfeitos" (BAUMAN, Vidas

desperdiçadas, p. 22). Certamente esse é um dos aspectos mais cruéis e tirânicos da

sociedade de consumo, pois a propagação da publicidade dos bens materiais não faz

distinção entre os indivíduos, insuflando toda a esfera pública com os seus mecanismos

mercadológicos de propaganda das propriedades mágicas das coisas. Por conseguinte,

embora poucos possuam recursos para consumir os bens em oferta, as imagens que

ocupam a esfera pública são acessíveis a todos (KEHL, O Tempo e o Cão, p. 100, n.

148).

Os cidadãos da era espetacular do "mundo líquido" dependem da contínua

fabricação de "ídolos" que lhes dêem um senso de segurança, permanência e

estabilidade em um mundo cada vez mais inseguro, dinâmico e mutável; os "ídolos"

representam assim a imagem divina do sucesso, possível de ser alcançado por todo

aquele que se esforçar corajosamente em dar o melhor de si na sua experiência

cotidiana, ou seja, consumindo os produtos relacionados ao caráter mágico das

celebridades. Chris Rojek afirma que

A lógica da acumulação do sistema capitalista requer consumidores para

intercambiarem constantemente as suas necessidades. A inquietação e o atrito

na cultura industrial em parte derivam da exigência capitalista de sempre

lançar novas mercadorias e marcas. Nessas circunstâncias o desejo é

alienável, transferível, visto que as necessidades devem ser perpetuamente

trocadas em resposta à evolução do mercado. O mercado inevitavelmente

transformou o rosto público num bem de consumo. Não vamos compreender

a peculiar atração que as celebridades exercem sobre nós hoje, se não

reconhecermos que a cultura da celebridade está irrevogavelmente associada

à cultura da mercadoria (ROJEK, Celebridade, p.16-17)

Se outrora as massas cultuavam os santos como forma de obterem conforto

existencial diante de um padrão de vida marcado pela incerteza em relação ao porvir,

depositando nessas figuras extraordinárias os mais devotos sentimentos, no

estabelecimento da sociedade de consumo essa relação sagrada se deteriora, surgindo

assim o culto aos ídolos midiáticos; curiosamente, as bases axiológicas são as mesmas,

ou seja, a carência existencial do ser humano e a sua necessidade de projetar suas

fraquezas na imagem de seres vitoriosos, protetores, justos e bons. Assim como

podemos comprar diversos objetos referentes aos santos eclesiásticos, movendo assim a

indústria de consumo que gira em torno da especulação da fé popular, assim também

podemos adquirir os produtos dos santos capitalistas. Edgar Morin destaca que

A estrela é uma mercadoria total: não há um centímetro de seu corpo, uma

fibra de sua alma ou uma recordação de sua vida que não possa ser lançada

no mercado. Esta mercadoria total tem outras qualidades: é a mercadoria-

símbolo do grande capitalismo. Os enormes investimentos, as técnicas

industriais de racionalização e uniformização do sistema transformam

efetivamente a estrela numa mercadoria destinada ao consumo das massas

(MORIN, As Estrelas – mito e sedução no cinema, p. 76).

Da mesma forma que o sistema mercadológico espetacular estabelece o culto

secular das celebridades como maneira de fornecer para as massas um objeto sagrado de

idolatria, relação reforçada pela aquisição dos produtos mágicos que contém a marca

dessas "personalidades especiais", assim também os especuladores publicitários criam

mecanismos infalíveis para arrebanhar os indivíduos e assim catequizá-los sob a égide

do consumo, pois somente este recurso pode fornecer a felicidade almejada a cada dia.

Lipovetsky aponta que

A sedução tomou o lugar do dever, o bem-estar tornou-se Deus, e a

publicidade é seu profeta. O reino do consumo e da publicidade exprime

muito bem o sentido coeso da cultura pós-moralista. Assim, as relações entre

os homens ficam sendo sistematicamente menos simbolizadas e apreciadas

que as relações entre os homens e as coisas (LIPOVETSKY, A sociedade

pós-moralista, p. 31-32).

A massificação da cultura visa acima de tudo eliminar as supostas características

discrepantes entre os indivíduos, de modo que todos devem ser "iguais", isto é, seguir

os mesmos padrões de comportamento, consumir as mesmas coisas e se guiar fielmente

aos ditames da moda em voga. Baudrillard destaca que

A moda – e mais amplamente o consumo, que é inseparável da moda –

mascara uma inércia social profunda. Ela própria é fator de falência social, na

medida em que, por meio das mudanças à vista, e muitas vezes cíclicas, de

objetos, de vestuários e de ideias, nela se ilude e desilude a exigência de

mobilidade social real (BAUDRILLARD, Para uma crítica da economia

política do signo, p. 35).

Analisando as infra-estruturas das grandes metrópoles, podemos constatar o

desenvolvimento de uma tenebrosa arquitetura do medo, que modificou radicalmente as

disposições estéticas dos centros urbanos, tornando assim necessário a construção de

prédios e shoppings centers hiper-seguros como defesa contra as ameaças dos "outros",

que, nesse contexto, são as pessoas que não são consideradas economicamente viáveis,

assim como a grande horda de marginais sociais. Para Valquíria Padilha, "o Shopping

Center pode ser entendido como um "não-lugar" onde é muito difícil as pessoas

travarem relações sociais entre si que não sejam coisificadas ou permeadas por objetos

de consumo" (PADILHA, Shopping Center – A catedral das mercadorías, p. 180).

Nessas condições, a estrutura física e simbólica do Shopping Center se configura como

uma autêntica catedral secularizada caracterizada pela glorificação dos produtos

despejados pelo sistema mercadológico e pelo culto ao consumismo. De acordo com

David Harvey,

O populismo do livre mercado, por exemplo, encerra as classes médias nos

espaços fechados e protegidos dos shoppings e átrios, mas nada faz pelos

pobres, exceto ejetá-los para uma nova e bem tenebrosa paisagem pós-

moderna de falta de habitação (HARVEY, A Condição Pós-Moderna, p. 79)

Althusser, nos Aparelhos Ideológicos do Estado, defende a tese de que a Escola,

a Igreja e a Família seriam mecanismos pelos quais o Estado inocularia na sociedade a

sua própria ideologia; poderíamos, com certa liberdade conceitual, afirmar que na

estrutura social da "modernidade líquida", o sistema condominial e o Shopping Center

também são manifestações dos aparelhos ideológicos de Estado, associados aos seus

inerentes elementos repressivos, pois tais espaços se tornam territórios em que a lógica

da identidade impera, exercendo o poder de atração dos "aceitos e integrados" e a

expulsão dos "diferentes". Vivencia-se continuamente uma experiência de indiferença

do senso de coletividade, em que qualquer circunstância que diga respeito ao modo de

vida alheio pouco importa para o indivíduo enclausurado nos seus próprios limites

existenciais. Conforme argumenta Amartya Sen ao se referir ao nível de bem-estar

caracterizado como "autocentrado" pela tipologia ególatra do indivíduo contemporâneo:

"o bem-estar de uma pessoa depende apenas de seu próprio consumo (e em especial não

encerra nenhuma simpatia ou antipatia por outras pessoas" (SEN, Sobre Ética e

Economia, p. 96). Trata-se do declínio da esfera pública, que perde a sua importância e

legitimidade mediante as contínuas ameaças advindas das ações "imorais" e desmedidas

de terceiros, isto é, aqueles que são incapazes de consumir e assim favorecer o

progresso econômico da sociedade mercadológica. Cabe ressaltar que não se pretende

de modo algum negar o valor de se fruir do conforto material decorrente de um dia

dedicado ao consumo ou mesmo a realização de um passeio descompromissado ao

longo de um Shopping Center, mas acima de tudo em criticar o sistema normativo

existente no mesmo, que reproduz uma autêntica estrutura panoptica, na qual a

vigilância interna está sempre alerta em relação aos "indesejáveis" do espaço sagrado de

consumo. Ao tratar do caráter isolacionista do modelo asséptico do Shopping Center,

Dilma Mesquita destaca que

A partir de um controle quase imperceptível, cada indivíduo tem a nítida

sensação de estar protegido do "estado de peste" (a peste chamada violência)

que reina lá fora (MESQUITA, Shopping Center: a cultura sob controle,

p.27).

Para o consumidor alienado, não deixa de ser uma fuga simbólica (e concreta) da

realidade a freqüentação de um Shopping Center, pois em tal espaço especial ele

acredita encontrar a segurança, a estabilidade e o sossego que não encontra na esfera

pública tradicional. Ao sair do perímetro do Shopping Center, os velhos problemas de

segurança retornam. Na dita sociedade democrática, o Shopping Center é local onde

menos se faz valer os valores autênticos da democracia, pois não há possibilidade de

interação genuína entre os mais diversos setores da sociedade regida pelos ditames

capitalistas. Nessas condições, se dilui a relação concreta do indivíduo em relação ao

mundo circundante, tornando-o completamente fragmentado existencialmente.

Considerações Finais

No decorrer deste artigo vimos diversos aspectos que regem o desenfreado

processo consumista típico da estrutura social da civilização tecnicista,

indubitavelmente avançada em relação ao progresso material, indubitavelmente

degradada em relação ao desenvolvimento da qualidade de vida em suas múltiplas

expressões; afinal, as interações interpessoais estão cada vez mais diluídas pelo declínio

da esfera pública, seja pelo ritmo vertiginoso que conduz a vida cotidiana, seja pela

ameaça da violência que espreita continuamente a coletividade social. O consumismo,

processo decorrente de um mecanismo psicológico de compensação existencial pela

falta de sentido da vida e pela alienação interior do ser humano na caótica ordem

civilizatória na qual estamos inseridos, encontra grande sustentáculo ideológico pela

ação publicitária de promoção do consumo constante dos bens materiais

disponibilizados pelo mercado como modo de se proporcionar ao indivíduo o bem-estar

que não se encontra no mundo do trabalho, no âmbito familiar, nas relações amorosas e,

acima de tudo, na dinâmica confusa da vida em sociedade. Entretanto, a disposição

consumista torna obtuso o senso crítico do indivíduo imerso nesse modelo de conduta,

tornando-o incapaz de perceber que somente os produtores de bens materiais e os

publicitários, especuladores do vazio existencial coletivo, lucram com essa situação de

declínio interior do habitante do mundo líquido e, tanto pior, não poupam esforços para

manter ad infinitum grande parte da sociedade capitalista prisioneira desse sistema

econômico desumanizador. Afinal, se porventura os problemas existenciais do ser

humano fossem satisfatoriamente suprimidos um dia, a sociedade de consumo perderia

sua força econômica e os agentes publicitários se encontrariam na necessidade de

desenvolver outra atividade profissional, certamente mais nobre e favorável para o

autêntico progresso social.

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