sábado, 3 de agosto de 2013

KAFKA E A MENTIRA COMO ORDEM DO MUNDO

 
Uma leitura metafísica da obra de Franz Kafka,saída da pena de Roberto Calasso, permite trazer paralelos entre as modernas concepções da realidade como uma ilusão e com o antigo gnostiscismo que sugere que por trás dessa ilusão jazz o Paraíso.
 
Antes que The Matrix ou que os mundos simulacros de Phillip K. Dick, Franz Kafka já havia um inexpugnável sistema metafórico para representar a ilusão da realidade - o sistema que controla essa ilusão. Ele chamou de O CASTELO e O TRIBUNAL,com algumas diferenças, mas basicamente significando um edifício metafísico de um impenetrável algoritmo no qual se computam-registram todas as nossas ações (as atas do karma) e que se derrama sobre a realidade original até subtituí-la (''o tribunal invisível se extende sobre todas ascoisas'', escreve Roberto Calasso sobre Kafka). Este edifício é a forma que toma o vazio, que é potência infinita, diante da mente: se revela como uma construção, com uma série de leis e representantes particulares, e ao mesmo tempo permanece sempre misterioso e impessoal. Em O PROCESSO e em O CASTELO, tudo faz alusão, mas nada expressa diretamente,como seKafka estivesse possuído por algo que ele mesmo desconhece. K, o agrimensor, se vê impelido por uma força misteriosa ao penetrar os segredos do Castelo, masquando estes lhe vão ser revelados cai também vítima de um sonho lânguido - o CAstelo se auto-regula desta forma, justamente não pode permitir revelar que seu poder é um sonho - ''um sonho muito ramificado que contém ao mesmo tempo mil correlações que se tornam claras de umgolpe'' - Este momento de claridade, de transparência diamantina, é aquele que escapa, invadido pelo mesmo sonho.
''O Castelo se deixa tocar, mas só por quem está profundamente imerso no sonho provocado pela obsessiva busca deum contato com o Castelo'', escreve Calasso sobre o episódio em que K. logra imiscuir-se na habitação deum dos funcionários do Castelo, de noite. Quando o secretário Burgel está por revelar-lhe pormenores do mistério cósmico do funcionamento do Castelo, K. cai presa de uma lombeira que impede seguir a conversação. ''Assim corrige o mundo seu próprio curso e conserva o equilibrio'', diz como em coro Burgel. Assim se mantém á salvo a realidade que jazz atrás dos murosdo Castelo, com o sonho dos homens, e por isso o MÁXIMO SÍMBOLO da VONTADE ESPIRITUAL é o DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA. Um único que homem que alcança DESPERTAR, Cristo, Buda, Neo, K., ameaça desmoronar todaa estrutura do Castelo de um só golpe.
Ao ler aobrade Kafka suspeita-se que a estranha natureza das coisas e dos personagens que aí desfilam, não é apenas uma antecipação absurda do surrealismo. Tudo parece nos colocar ante uma íntima atração desconhecida - eincognoscível. V´rios autores já ofereceram uma leitura metafísica da obra de Kafka, mas a sutil exegese de Calasso, em seu livro K., sempre aberta a novos senderos de interpretação, éum lento sequestro na direção do arcano: esta suspeita que uma vez que assoma na alma humana se torna inextinguível, de que nosso mundo e nossa realidade está sendo controlada por entidades superiores e apabullantes que se regem conforme uma lei que nos é inascessível. O mesmo Kafka escreveu sobre o Castelo 'é opressivo como tudo que é espiritualmente superior''.
Entrar em contato com os arcontes, com os Senhores do Castel,com os agentes da MATRIX, éum processo tortuoso, masnecessário para se conhecer diretamente o DIVINO, aquilo que jazz por trás do véu epifânico, aquilo que estremece a existência como uma chama trêmula. Kafka ''não pedia outra coisa senão colocar-se nas mãos do Tribunal e do Castelo, inclusive sabendo o que o esperava. Mas suspeitava que apenas mediante aqueles tormentos alcançaria a vida secreta que lhe seria negada de outro modo''. A diferença de um peronagem como Neo, que queria escapar da Matrix, Kafka queria entrar nela, vislumbrar seus código (atas) e ser julgado, buscando aquilo que só sucede nas lendas: a absolvição autêntica, que produz o aniquilamento do expediente, o fim do Karma e da roda dos nascimentos intermináveis.
Os Senhores do Castelo são como as deidades, ou como os demiurgos que se convertem no mundo que habitamos. "Klamm é uma emanação'', diz Calasso. ''Tu vês a Kalmm em todas as partes'', diz K. á Frida. Também o agente Smith em Matrix se multiplica e aprece ubicuamente (em vários lugares). Em The Three Stigmata of Palmer Eldritch, de Phillip K. Dick, o Arconte, Plamer Eldritch viaja desde os planetas exteriores para mimetizar todo o espaço, para construir um labirinto de sua um encantamento que seduz em seu fulgor holográfico para capturar, o stereoma dos gnósticos, umaespécie de fronteira virtualentre o mundo divino e o mundo terrestre.
''O Castelo está impregnado de toda vida psíquica precedente'', dizCalasso, como se este fosse o espelhismo que surge da repetição da memória, do feitiço do passado. Isto recorda a Prisão de Ferro Negro, a formacomo Phillip K. Dick chamou esta realidade ilusória, que segundo ele era um simulacro: o tempo se havia detido na época dos romanos - ilusoriamente percebemos uma época moderna sob o jugo das ''forças demiurgicas do mundo da tirania política e do controle social opressivo''. O mundo autênico jaz velado, detrásdessa ''Prisão de Ferro Negro'', atrás do Castelo ou dentro da Lei que se oferece como uma parábola tantálica a Josef K.
Segundo disse o pintor Titorelli aJosef K. , existem três tiposde absolvições num processo jurídico : ''a absolvição autêntica, a absolvição aparente e a postergação indefinida''. Titorelli diza Josef K. que não conhece nenhum caso de ''absolvição autêntica'' ainda que deva ter existido alguma - isto no plano da lenda, do mito,dos deuses. Diz Calasso sobre as lendas ''poderiam tbm ser o único vestígio supervivente das sentenças finais do tribunal. O único vestígio de algo ''autêntico'' em um mundo que está exilado do autêntico,da realidade, tal como K. o está do ar''. É curioso que o mitológico seja autêntico,como se se tratasse de um substrato do qual nossa realidade é somente uma projeção ou uma cópia que vai se desgastando, até o ponto em que, como o mesmo Josef K. diz ''a mentira se converte na ordem do mundo''. Apenas neste plano legendário é possível a absolvição autêntica, e esta absolvição autêntica significaaimediata extinção da ''ata'' (do Karma), é por isso que não se conhecem casos públicos nos quais haja sucedido. Algo que me recordo o que disse Gurdjieff, que apenas o indívíduo, e não a humanidade, pode evoluir e deixar de ser ''alimento da Lua''

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