sexta-feira, 20 de setembro de 2013

OBRA ABERTA

 
Obra aberta é um livro escrito por Umberto Eco, que reúne uma coletânea de ensaios a respeito das formas de indeterminação das poéticas contemporâneas, tanto em literatura, como em artes plásticas e música. Sua primeira edição data de 1962, momento em que a arte europeia assistia à proliferação de obras de arte indeterminadas com relação à forma, convidando o intérprete a participar ativamente na construção final do objeto artístico. São exemplos desse tipo de obra as séries permutáveis de partitura do músico Henri Pousseur e os móbiles de Alexander Calder. O livro contou com várias outras edições, acrescentadas de novos ensaios por parte do seu autor. Além disso, a obra foi traduzida para inúmeras línguas em todo o mundo, sendo que a versão brasileira foi lançada pela Editora Perspectiva, com tradução de Giovanni Cutolo.
Em "A poética da obra aberta", a intencionalidade é considerada um pressuposto da obra aberta. Além de toda obra possibilitar várias interpretações, a obra aberta apresenta-se de várias formas e cada uma delas se submete ao julgamento do público. À medida que o autor cria várias obras, deixando ao executante escolher uma das seqüências possíveis e definir, por exemplo, a duração dos sons, a própria execução da obra torna-se um ato de criação. Nesse sentido, autoria e co-autoria acabam se confundindo de tal maneira que já não se pode falar de uma obra de arte, mas de várias "obras". Cumpre lembrar que, apesar de seu caráter indeterminado, que pode culminar num sem-número de configurações formais, ainda assim, segundo a visão de Eco, se pode falar de "obra", única e individual, na medida em que as várias possibilidades combinatórias estão de antemão previstas pela estrutura mesma da obra que se propõe aberta. Em todo caso, a antinomia é bastante clara, servindo de ponto de discórdia entre os leitores e comentadores do livro.
Na avaliação de Umberto Eco, as motivações para a poética da obra aberta podem ser encontradas nas teorias da relatividade, na física quântica, na fenomenologia, no desconstrucionismo, entre outras. De acordo com o semioticista italiano, essas teorias científicas e essas correntes filosóficas modernas promovem uma espécie de "descentralização", de ampliação dos horizontes imagináveis para a concepção da realidade. Nesse sentido, diante do reconhecimento de que as poéticas clássicas (identificadas, aqui, com as poéticas anteriores à poética da abertura) não são mais capazes de lidar com a pluralidade de sentidos do mundo, nem tampouco com o seu caráter multifacetado, os artistas da obra aberta se lançam na busca de uma linguagem artística capaz de promover no intérprete justamente esse sentimento de descentralização e pluralidade.
Além desse primeiro sentido do conceito de obra aberta, há, porém, segundo Eco, uma segunda categoria de obras que podem ser denominadas "abertas": aquelas que são determinadas quanto à forma, mas indeterminadas quanto ao conteúdo. Nesse caso, poder-se-ia dizer que a abertura é efeito da combinatória de signos que formam a estrutura da obra, que, evocando os mais diversos sentidos, permitem ao intérprete fazer, durante a fruição, as mais diversas conjecturas interpretativas. Dito de outro modo, a forma, acabada em si, é dotada de uma estrutura que desafia constantemente o intérprete a construir sentido, mediante inferências a respeito de como a obra foi criada e como ela pode ser interpretada dentro de um determinado contexto. De certo modo, portanto, a reflexão da relação entre a indeterminação de sentidos e a participação ativa na construção dos mesmos por parte do intérprete, ponto crucial da teoria semiótica de Eco nas suas obras sobre os limites da interpretação, estão, de alguma forma, presentes em Obra aberta.
Cumpre lembrar que, de algum modo, toda e qualquer obra de arte tem em si a abertura como característica fundamental. Isso se deve ao fato de que Eco reconhece na linguagem da arte a pluralidade de sentidos como traço definidor, em contraposição à linguagem cotidiana. Sendo assim, devemos distinguir, portanto, duas categorias de abertura: 1) a abertura como definição da arte; e 2) a abertura como intenção da obra (decorrente da intenção do autor, mas não necessariamente dependente dela), que caracteriza o surplus de abertura que define o conceito de obra aberta.
A Estrutura
Umberto Eco descreve o procedimento de abertura da obra aberta a partir de dois horizontes teóricos distintos: a teoria da informação e a semiótica. Com relação à teoria da informação, Eco sustenta que a obra aberta é aquela que aumenta a entropia da mensagem, fazendo com que o receptor da mensagem disponha de inúmeras possibilidades inferenciais a partir de um universo de escolhas. Com efeito, de acordo com a teoria da informação, uma mensagem é mais redundante quanto menores forem os percursos possíveis que levam desde a infinita possibilidade de escolha para formar uma mensagem na fonte até a redução considerável dessas possibilidades inferenciais quando da composição da mensagem. Em contraposição, portanto, a obra aberta conserva, na sua forma final enquanto mensagem, uma entropia básica que indetermina os caminhos possíveis.
No que tange à semiótica, Eco observa a criação da abertura na escolha deliberada do autor por aquilo que ele denomina mensagens estéticas (em oposição às mensagens referenciais): partindo de um horizonte de expectativas mais ou menos claro, em que se domina não só os aspectos semânticos de um signo, mas também a sua inserção dentro dos contextos possíveis (o que se poderia entender por uma pragmática codificada), a autor busca romper com os paradigmas, criando e combinando mensagens que contradizem o hábito dos usuários de um código. Isso cria, no entender de Eco, um efeito de constrangimento por parte do intérprete, que se vê obrigado a decodificar a mensagem segundo princípios semióticos inéditos. Nesse sentido, a obra aberta se configura, do ponto de vista da semiótica, como aquela mensagem que contraria os hábitos interpretativos dos usuários de um código, fazendo com que eles se lancem, para fruir a obra, numa descoberta ativa de significados possíveis, respeitando sempre uma dialética constante entre o código compartilhado, a estrutura da obra e a intenção do intérprete...
Repercussões
Naturalmente, Obra aberta gerou inúmeras interpretações e apreciações equivocadas ou levianas: alguns viram nesse livro uma defesa do pragmatismo e do relativismo absolutos, na medida em que, erroneamente, segundo Eco, identificaram no texto uma postura de acordo com a qual não há limites para a interpretação de um texto ou obra, ou que uma obra pode, em princípio, levar a quaisquer interpretações. Mais tarde, Eco tratou de corrigir o equívoco, dedicando-se ao tema da cooperação interpretativa e os limites da interpretação, durante as décadas de 1980 e 1990. Outros, ainda, destacaram o conceito de obra aberta de seu pano de fundo filosófico-estético e o aplicaram a outras disciplinas alheias à reflexão de Eco. De qualquer forma, o livro teve (e tem) uma grande aceitação no universo acadêmico mundial e serviu a artistas de todo o mundo como uma espécie de "manifesto teórico" de um tipo de arte que primava pelo experimentalismo como valor. É o caso do Grupo 63, um grupo de artistas formado na Itália na década de 1960, e dos poetas, ensaístas e críticos brasileiros ligados ao Concretismo, a saber, Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Ferreira Gullar (que mais tarde abandonou o grupo), de cujo interesse decorreu vários livros e ensaios, entre os quais A Arte no horizonte do provável, de Haroldo de Campos, e Informação, linguagem, comunicação, de Décio Pignatari.
(...)
 
 
No âmbito das pesquisas levadas a efeito pelo Movimento Modernista de São Paulo, e a fim de definir a problemática fundamental de um trabalho poético em curso ,Haroldo de Campos publicava em 1955 o artigo intitulado ‘’A OBRA DE ARTE ABERTA’’: Neste texto, o poeta paulista procura delinear ‘’o campo vetorial da arte de nosso tempo’’, com base na conjunção de obras como ‘’um Coup de Dés de Mallarmé, o Finnegans Wake de Joyce, os Cantos de Enzra Pound, os poemas espaciais de e.e. cummings, a m´usica de Webern entre outras...
(...)
 
Trata-se portanto da tentativa de estatuir uma nova ordem de valores que extraia seus próprios elementos de juízo e os seus próprios parâmetros da análise do contexto no qual a obra de arte se coloca, movendo-se em suas indagações para antes e depois dela, a fim de individuar aquilo que na verdade interessa:não a obra-definição, mas o mundo de relações de essa se origina; não a obra-resultado, mas o processo que preside a sua formação; não a obra-evento, mas as características do campo de probabilidades que a compreende. Este, segundo ECO, é um dos aspectos fundamentais do DISCURSO ABERTO,que é típico da arte, e da ARTE DE VANGUARDA em particular.
(...)
 
2. A DICOTOMIA ENTRE OBRA ABERTA E OBRA FECHADA
A dicotomia entre obra aberta e obra fechada fundam
enta-se em princípios
semióticos definidos nas obras de teoria semiótica
de Eco (1968b, 1971 e 1975). De
acordo com Eco, existem dois tipos de mensagens: de
um lado, mensagens com alto
grau de redundância, que buscam nos códigos semânti
co e pragmático os meios mais
adequados de garantir, se não uma única possibilida
de interpretativa (raramente
atingível, dado o caráter eminentemente ambíguo e a
rbitrário do signo), ao menos uma
gama limitadíssima de possibilidades; a mensagens d
esse tipo, Eco nomeou
mensagens
referenciais.
De outro lado encontram-se aquelas mensagens que, v
alendo-se dos
códigos semântico e pragmático justamente com o int
uito de subvertê-los, procuram
produzir no intérprete um alto grau de ambigüidade,
fazendo com que caiba ao
intérprete decidir quais são as respostas interpret
ativas mais convenientes; essas
mensagens ambíguas ganham o nome de
mensagens estéticas.
Eco nota que as
mensagens do primeiro tipo são mais comuns à lingua
gem cotidiana, ao passo que as
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segundas são mais próprias da comunicação estética/
artística. Em função disso, Eco
assevera que a característica fundamental da arte –
seu pressuposto básico, portanto –
seria a
abertura
: dado que as obras de arte se valem de mensagens e
stéticas, e dado que
essas mensagens veiculam uma quantidade indefinida
de possibilidades interpretativas,
a arte, de um modo geral, em confronto com o uso co
tidiano da linguagem, manifesta-se
aberta
ao jogo semiótico de descoberta ativa de significa
dos. Temos aí, portanto, uma
primeira definição de
obra aberta
que não pode nos escapar, e que pode ser formulada
pela seguinte proposição: "obra aberta é toda a obr
a de arte".
2
Contudo, o conceito de obra aberta não diz respeito
exclusivamente a uma
definição geral de arte, mas sim a uma poética dete
rminada. Do ponto de vista das
realizações artísticas, há obras que, ainda que abe
rtas, são, todavia, facilmente fruídas
pelo intérprete, resultando, daí, numa espécie de r
ebaixamento de sua ambigüidade
primordial. Em função disso, essas obras, por serem
compostas de mensagens que não
procuram subverter os códigos sobre os quais se apó
iam, ao se confrontarem com o
público, tendem a ser facilmente assimiladas – e, c
om efeito, de acordo com Eco (1964
e 1978), há obras que são evidentemente pré-concebi
das com esse intuito (veremos isso
adiante). Opondo-se a esse tipo de obra embotada, e
xiste um grupo de obras que
procura levar ao intérprete um alto grau de ambigüi
dade, de polissemia, ampliando
consideravelmente o horizonte de expectativas que a
arte, por sua natureza aberta, já
transmite. Essas obras, no entender de Eco (1962),
são as
obras abertas
:
A poética da obra "aberta" tende [...] a promover n
o intérprete "atos de liberdade consciente",
pô-lo como centro ativo de uma rede de relações ine
sgotáveis, entre as quais ele instaura sua
própria forma, sem ser determinado por uma
necessidade
que lhe prescreva os modos definitivos
de organização da obra fruída; mas [...] poder-se-i
a objetar que qualquer obra de arte, embora
não se entregue materialmente inacabada, exige uma
resposta livre e inventiva, mesmo porque
não poderá ser realmente compreendida se o intérpre
te não a reinventar num ato de
congenialidade com o autor. Acontece, porém, que es
sa observação constitui um reconhecimento
a que a estética contemporânea só chegou depois de
ter alcançado madura consciência crítica do
que seja a relação interpretativa, e o artista dos
séculos passados decerto estava bem longe de ser
criticamente consciente dessa realidade; hoje tal c
onsciência existe, principalmente no artista
2
É necessário um esclarecimento: evidentemente, não
se pode definir o que é ou o que não é uma obra
de arte somente com este vago conceito de
abertura
. Fenomenologicamente, qualquer indivíduo está apto
a
considerar abertas as mensagens mais díspares, de m
odo que, eventualmente, alguém poderia considerar o
bra
de arte uma mensagem altamente redundante (ou o con
trário, isto é, rejeitar como artísticas obras que
ele não
percebe, a despeito de outrem, como aberta). Isso n
os levaria a um silêncio a respeito do conceito de
arte que,
segundo Eco (1968a), não é benéfico para a pesquisa
em estética. Assim, como alternativa a esse modelo
puramente baseado na arbitrariedade do intérprete,
Eco lida com um
estruturalismo metodológico
(Eco
1968b) que coloca os julgamentos relativos à abertu
ra de uma mensagem no plano do código compartilhado
(e, portanto,
intersubjetivo
). Segundo Eco (1971 e 1975), pode-se pensar o códi
go como uma estrutura n-
dimensional formada por unidades culturais (sememas
) ligadas umas às outras por liames; essa estrutura
é
maleável e se reorganiza conforme os usuários do có
digo estabelecem relações inusitadas entre os eleme
ntos
dessa cadeia, mas é relativamente estável no moment
o em que o intérprete se confronta com a obra fruíd
a.
Assim, os julgamentos acerca da abertura de determi
nada mensagem passa necessariamente por um universo
do "já-dito", devidamente estabelecido pelo uso con
stante do código, que constrange ou possibilita as
interpretações. A bem da verdade, de acordo com Eco
, mesmo as mensagens estéticas são abertas a uma ga
ma
de possibilidades interpretativas que, no fundo, de
pendem dessa organização primária do código; mesmo
quando subvertem o código, é sempre através dos cam
inhos possibilitados pela sua estrutura (que é male
ável
em alguns pontos, mas não em outros) que é possível
produzir mensagens propositalmente ambíguas.
90
que, em lugar de sujeitar-se à "abertura" como fato
r inevitável, erige-a em programa produtivo e
até propõe a obra de modo a promover a maior abertu
ra possível. [Eco 1962, pp. 41-42.]
Temos, portanto, o seguinte raciocínio: para ser ar
tística, uma obra deve se compor
de mensagens estéticas, e, por conta disso, apresen
ta naturalmente a abertura como
característica básica; entretanto, mesmo entre as o
bras de arte existem graus de abertura
que elevam ou rebaixam as possibilidades interpreta
tivas: às primeiras, corresponde o
termo
obra aberta
, ao passo que às segundas, por oposição lógica,
obras fechadas
. Eis,
portanto, a primeira das dicotomias trabalhadas por
Eco
Sínteses – Revista dos Cursos de Pós-Graduação Vol.
12 p.87-96 2007
O CONCEITO DE VANGUARDA A PARTIR DA REFLEXÃO SOBRE
A OBRA
ABERTA, DE UMBERTO ECO
1
Antonio Barros de BRITO JUNIOR
(...)
 

4 comentários:

  1. SOBRE O PORTAL PINEAL

    Os textos desta obra se proliferam sem princípio nem fim como uma praga, se reproduzem e alargam em sentidos imprevisíveis, são o produto de uma hibridação de muitos diversos registros que não têm nada haver com uma evolução literária tradicional, seus diferentes elementos ignoram a progressão da narração e aparecem á deriva desestruturando os discursos convencionais e jogos-script de seus marcos temporais, de sua coexistência espacial, do seu significado e previsibilidade pasteurizados, possibilitando sempre que seja o leitor quem acabe por estruturar o grande hiper-texto subjacente segundo sua propria vontade.

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  2. Em "A poética da obra aberta", a intencionalidade é considerada um pressuposto da obra aberta. Além de toda obra possibilitar várias interpretações, a obra aberta apresenta-se de várias formas e cada uma delas se submete ao julgamento do público. À medida que o autor cria várias obras, deixando ao executante escolher uma das seqüências possíveis e definir, por exemplo, a duração dos sons, a própria execução da obra torna-se um ato de criação. Nesse sentido, autoria e co-autoria acabam se confundindo de tal maneira que já não se pode falar de uma obra de arte, mas de várias "obras". Cumpre lembrar que, apesar de seu caráter indeterminado, que pode culminar num sem-número de configurações formais, ainda assim, segundo a visão de Eco, se pode falar de "obra", única e individual, na medida em que as várias possibilidades combinatórias estão de antemão previstas pela estrutura mesma da obra que se propõe aberta.

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  3. Contudo, o conceito de obra aberta não diz respeito
    exclusivamente a uma
    definição geral de arte, mas sim a uma poética dete
    rminada. Do ponto de vista das
    realizações artísticas, há obras que, ainda que abe
    rtas, são, todavia, facilmente fruídas
    pelo intérprete, resultando, daí, numa espécie de r
    ebaixamento de sua ambigüidade
    primordial. Em função disso, essas obras, por serem
    compostas de mensagens que não
    procuram subverter os códigos sobre os quais se apó
    iam, ao se confrontarem com o
    público, tendem a ser facilmente assimiladas – e, c
    om efeito, de acordo com Eco (1964
    e 1978), há obras que são evidentemente pré-concebi
    das com esse intuito (veremos isso
    adiante). Opondo-se a esse tipo de obra embotada, e
    xiste um grupo de obras que
    procura levar ao intérprete um alto grau de ambigüi
    dade, de polissemia, ampliando
    consideravelmente o horizonte de expectativas que a
    arte, por sua natureza aberta, já
    transmite. Essas obras, no entender de Eco (1962),
    são as
    obras abertas
    :
    A poética da obra “aberta” tende [...] a promover n
    o intérprete “atos de liberdade consciente”,
    pô-lo como centro ativo de uma rede de relações ine
    sgotáveis, entre as quais ele instaura sua
    própria forma, sem ser determinado por uma
    necessidade

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  4. Essa busca em que a tensão entre razão e transcendencia religiosa se traduz em um modo não muito tranquilizador de proceder com a linguagem e o pensamento, se apresenta como deliberada em nossa obra.
    Métodos de intensificação por desmantelamento: Burroughs leu Joyce com olhos de quem nunca interrompe a busca por outra maneira de pensar e extraía assim geometrias intertextuais que estavam muito além da expressão verbal literária ou de qualquer interesse restrito á esse âmbito. Se o método surrealista buscava criar um vínculo novo para as associações com a escrita automática ou mediúnica, os métodos de Burroughs quebram todo vínculo, toda associação, toda linha de associação pré-estabelecida para resgatar intacta a IMAGINAÇÃO PRIMORDIAL soterrada sob múltiplas camadas geológicas de falsas cadeias de associações, academica e socialmente impostas.
    A isto se junta ainda outro método que o cabalista Abraham Abulafia denominava ''dillug'' ou 'kéfitsá'', e que podemos traduzir como o salto + de um conceito a outro. Trata-se de servir-se de associações e passar de uma á outra segundo certas regras estabelecidas intra-psiquicamente através da auto-hipnose ou linguagem ritmada (ullimna mantiqat-tayri (no Islã) - linguagem dos pássaros): cada salto abre uma nova esfera, no interior da qual o espírito pode estabelecer novos e insuspeitados mundos de associações. Nas palavras de Abulafia, este salto+ nos libera da prisão da esfera da
    NATUREZA e nos eleva aos limites da esfera CELESTIAL
    (produz em bloco ou uma onda ininterrupta daquilo Marcel Proust chamava de um ''minuto liberado do tempo'' ou hendidura, fenda, punto de velamen, poros de origem, por assim dizer, órfica
    nas paredes da realidade convencionada)
    Além de intercambiar experiências e especulações é preciso operar com a própria decodificação e este deve estar por cima do tropológico, seja, deve ser quase totalmente hieroglífico e tão barrocamente contorsionado que produza ou devele ''rachaduras'', indicações, sinais, cifras etc... e, ao mesmo tempo, esgotando todas as anfractuosidades da hieroglífica se logre um EFEITO ANAGÓGICO com nosso estilo que, dito de outra maneira, deve ser PRÉ-ALFABÉTICO e PÓS-ALFABÉTICO (o alfabeto deve ser retorcido, fustigado, encurralado, anonadado para que nos devolva intacta a SIMBOLOGIA, a IDEOGRAMÁTICA arcaica),
    senão, que exatamente estamos fazendo aqui?
    O controle dos meios de comunicação depende do circuito das linhas de associação pré-estabelecidas.
    Se o controle está esparramado por todo o campo social é necessário quebrar sua sintaxe e criar interferências em suas estruturas de linguagem. Quando as linhas são cortadas as conexões engessadas se rompem, pois as linhas de associação do pensamento-escritura são também mecanismos de controle. Um vírus criado para evitar a expansão da consciência.
    Posto que o controle é um biopoder de todo o campo, os métodos de escritura devem ser fluidos e luminosos mecanismos de desmantelamento multidimensionais: Burroughs acreditava que ao mesclar a ordem das gravações e a ordem das imagens era possível gerar uma fissura na maquinaria de controle parai introduzir por aí uma pauta de ordem alterada ou estado alterado de consciência para explorar o signo e o símbolo fora do contexto em que o aprisiona e impede a ruptura de nível.
    Para articular tanta informação erudita, a máquina do Parampara ou princípio multiplicador de sabedoria move-se por seus dados não de uma forma racional, mas como Salvador Dali teria formulado de maneira precisa : por um método crítico-paranóico, juntando dados aparentemente isolados, impensados, numa livre associação que ele chamará de palimpsesto, junção de camadas interrelacionadas.
    Ao ler uma obra de ALQUIMIA LITERÁRIA, não só lemos ela com o dicionário do lado e com uma rede estruturalista de outros textos referenciais, lemos desde o entendimento do Espírito, desde a memória da Imaginação.......................................................................................................................

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