Em
"Oito e Meio", filme que completa agora 50 anos, o cineasta Federico Fellini traz o mundo onírico
que anotava em seus álbuns ao primeiro plano, ao tentar explicar as motivações
do protagonista, o cineasta Guido, naquilo, em suma, que o crítico italiano
Ennio Bispuri qualificou, no livro "Interpretare Fellini", como "o sonho de
onipotência de um fracassado.
Não
se sabe ao certo se os registros imagéticos do "Livro dos Sonhos" -obra ainda a
ser devidamente estudada- têm relação direta com a criação de "Oito e Meio".
Vale observar, no entanto, que há uma camada onírica essencial no enredo do
filme....
O cineasta italiano nos traz o mundo onírico que anotava em seus álbuns ao primeiro plano, ao
tentar explicar as motivações do protagonista, o cineasta Guido, naquilo, em
suma, que o crítico italiano Ennio Bispuri qualificou, no livro "Interpretare
Fellini", como "o sonho de onipotência de um fracassado.
Guido
Guido
Anselmi (interpretado por Marcello Mastroianni, ator-fetiche de Fellini) é um
cineasta que, prestes a começar seu próximo trabalho, não tem ideia de que filme
fazer.
A
crise criativa mergulha o personagem em sonhos assombrados pela família,
recordações da infância e mulheres que marcaram sua vida.
A
arquitetura visual arrebatadora circula pelo inconsciente de Guido, mas também
avança pela memória decodificada do personagem e pelo tempo presente.
Em
"8 1/2 de Fellini - O Menino Perdido e a Indústria", publicado no livro "A
Sereia e o Desconfiado - Ensaios Críticos", o crítico Roberto Schwarz vê na
estrutura atemporal do filme o sinal e, por conseguinte, o caminho para o
mergulho simbólico na "alma" do protagonista.
O
crítico adverte, todavia, ser um artifício enganoso o espelhamento que
costumeiramente se faz entre Fellini e Guido -identificação "autorizada pelos
colunistas de mexerico, pelo próprio diretor, talvez, mas não pelo filme".
"Se
Fellini é Guido", escreve Schwarz, "os conflitos deste campeiam idênticos no
peito daquele, que seria o bobo de suas próprias limitações, um pequeno-burguês
nostálgico e fantasioso, incapaz de fazer qualquer coisa que preste".
A
potência subjetiva de "Oito e Meio" é reveladora de um gesto maior, que vai além
da psicologia do diretor e que avança pelo campo do imaginário na criação
artística, como um tratado poético em forma de imagens, cujo pensamento, vivo e
pulsante, alcança densidade poética inigualável.
É
como se o filme e o gesto de pensá-lo criassem, em película, a experiência de
uma aventura em que o mundo da memória e dos sonhos se manifesta por meio de
imagens "significantes".
No
ensaio "O Salto Mortal de Fellini", publicado no livro "Exercícios de Leitura",
a crítica Gilda de Mello e Souza avalia que o filme se inscreve na linha de
vanguarda da narrativa contemporânea.
Segundo
a ensaísta, apesar de dúvidas e indecisões, avanços e recuos, "foi para a
aventura de saltar da torre no espaço vertiginoso da arte que Guido se preparou
longamente. O filme de Fellini é a fenomenologia deste gesto frágil e
arriscado".
De
onde vêm, contudo, essa fragilidade e esse risco? Talvez da própria tentativa de
construção imagético-discursiva do "cinema de poesia" em Fellini.
"Cinema
de poesia", tal como pensado e analisado pelo cineasta e crítico italiano Pier
Paolo Pasolini no ensaio de mesmo nome, é um termo que se relaciona ao uso da
"subjetiva indireta livre", meio narrativo, derivado do discurso indireto livre
da literatura, em que o autor manifesta suas ideias, seus sentimentos e suas
perspectivas de mundo por meio da psicologia dos personagens e da poética
inerente ao discurso cinematográfico.
A
existência contraditória de Guido evidencia a experiência do impasse no filme
como gesto criativo complexo.
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