quinta-feira, 5 de setembro de 2013

TEMPO EM ACELERAÇÃO


Terence McKenna
Se deixarmos de lado os últimos trezentos anos de experiência histórica na Europa e na América, e examinarmos o fenômeno da morte e a doutrina da alma em todas as suas ramificações – neoplatônica, cristã, dinástica-egípcia etc. -, encontraremos repetidamente a noção de que existe um corpo leve, uma enteléquia associada de alguma forma com o corpo humano durante a vida, e que a morte acarreta uma crise na qual os dois se separam. Uma das partes perde a sua raison d´être e entra em dissolução; o metabolismo pára. A outra vai não sabemos para onde. Talvez não vá para lugar algum, se não se acredita que ela exista; mas, então, tem-se o problema de achar uma explicação para a vida. E embora a ciência alegue saber muitas coisas e tenha conseguido explicar sistemas atômicos simples, a idéia de que os cientistas possam dizer alguma coisa acerca do que é a vida e de onde ela vem é, atualmente, absurda.
A ciência nada tem a dizer acerca de como uma pessoa decide fechar a mão para agarrar um peixe, e, no entanto, isso acontece. Trata-se de algo inteiramente fora do alcance da explicação científica, porque o que vemos nesse fenômeno é o espírito como causa primária. É um exemplo de telecinésia: a mente faz a matéria mover-se. Portanto, não devemos temer o escárnio da ciência na questão do destino ou da origem da alma. Minha forma de sondar o assunto sempre foi a experiência psicodélica, mas recentemente passei a investigar sonhos, porque os sonhos são uma forma muito mais generalizada de experimentar a hiperdimensão na qual a vida e a alma parecem estar imersas.
Observando o que as pessoas com tradições xamanistas dizem a respeito dos sonhos, chega-se à conclusão de que, para elas, a realidade do sonho é, experiencialmente, um contínuo paralelo. O xamã ingressa nesse contínuo através de alucinógenos e de certas outras técnicas. No caso de todos os outros, esse ingresso é feito através do uso especializado dos sonho. Para Freud, os sonhos eram os "resíduos do dia", e a pessoa poderia encontrar a origem do conteúdo do sonho na distorção de algo que houvesse acontecido durante o estado de vigília.
Meu argumento é que é muito mais útil tentar construir uma espécie de modelo geométrico da consciência, encarar seriamente a idéia de um contínuo paralelo, e dizer que a mente e o corpo estão imersos no sonho e que este é uma ordem superior de dimensão espacial. Durante o sono, a pessoa se transfere para o mundo real, do qual o mundo da vigília é apenas a superfície no sentido geométrico literal. Existe um plenum – e certas experiências recentes de física quântica tendem a confirmá-lo -, um plenum holográfico de informação. Toda informação está em toda parte. A informação que não estiver ali não estará em parte alguma. A informação situa-se fora do tempo histórico, em uma espécie de eternidade – uma eternidade que não tem existência temporal, nem mesmo o tipo de existência temporal da qual se poderia dizer "Sempre existiu". Não possui qualquer tipo de duração temporal. É eternidade. Nós não somos fundamentalmente biológicos, dotados de uma alma que surge como uma espécie de iridescência, uma espécie de epifenômeno nos níveis mais elevados de organização da biologia. Somos objetos hiperespaciais de algum tipo, que projetam sua sombra sobre a matéria. A sombra na matéria é o nosso organismo físico.
Na morte, o objeto que projeta a sombra se retira; o metabolismo cessa. A forma material entra em colapso; deixa de ser uma estrutura dissipativa em uma área muito localizada, sustentada contra a entropia pelo processamento de matéria que entra, extraindo energia e eliminando rejeitos. Mas a forma que ordenou tudo isso não é afetada. Essas afirmações são feitas do ponto de vista da tradição xamanista, que tem a ver com todas as religiões superiores. Tanto o estado do sonho psicodélico como o estado do despertar psicodélico adquirem grande importância, pois revelam uma tarefa para a vida: familiarizar-nos com essa dimensão que causa a existência, para que estejamos familiarizados com ela no momento em que morremos.
Várias tradições valem-se da metáfora do veículo – um veículo para após a morte, um corpo astral. O xamanismo e certas iogas, inclusive a ioga taoísta, afirmam claramente que a finalidade da vida é familiarizar-nos com esse corpo que iremos ter depois da morte, para que o ato de morrer não traga confusão à nossa psique. A pessoa reconhecerá o que está acontecendo. Saberá o que fazer e poderá separar-se ordeiramente. Contudo, parece haver a possibilidade de um problema no ato de morrer. Não é o caso de ser condenado à vida eterna. A pessoa pode confundir-se por ignorância.
Aparentemente há, no momento da morte, uma espécie de separação, como no nascimento – a metáfora é trivial, mas perfeita. Há a possibilidade de dano ou de atividade incorreta. William Blake, poeta e místico inglês, dizia que, à medida que se começa a subir a espiral, há a possibilidade de se cair da trilha dourada para a morte eterna. Contudo, é apenas a crise de um momento – uma crise de transição -, e toda a finalidade do xamanismo e da vida corretamente vivida é fortalecer a alma e reforçar a relação entre o ego e a alma, para que essa transição possa ser feita ordenadamente. Essa é a posição tradicional.
Desejo incluir um abismo nesse modelo – um abismo menos conhecido dos racionalistas, porém familiar a todos nós, a um nível psíquico mais profundo, como herdeiros da cultura judeu-cristã. Trata-se da idéia de que o mundo vai acabar, que haverá um tempo final, que existe não só a crise da morte do indivíduo, mas também a crise da morte na história da espécie.
Aparentemente, trata-se de que, desde o tempo da conscientização da existência da alma até a resolução do potencial apocalíptico, decorrem aproximadamente cem mil anos. Do ponto de vista biológico, isso representa apenas um momento, mas é dez vezes mais do que toda a duração da História. Durante esse período, tudo é incerto, pois há uma corrida louca desde o hominídeo até o vôo espacial. No pulo por sobre esses cem mil anos, há dispersão de energia, religiões se ascendem como centelhas, filosofias nascem e morrem, surgem a ciência e a magia, como também surgem todos os interesses que controlam o poder com maior ou menor grau de respeito à ética. E há a onipresente possibilidade de que a transformação da espécie em uma enteléquia hiperespacial venha a abortar.
Estamos hoje, sem sombra de dúvida, nos segundos histórics finais dessa crise – crise que envolve o fim da História, nossa partida do planeta, o triunfo sobre a morte, e a libertação dos indivíduos em relação ao corpo. Estamos, de fato, nos aproximando do mais profundo evento com o qual uma ecologia planetária pode se deparar – o momento em que a vida se liberta da sombria crisálida da matéria. A velha metáfora da psique como lagarta que se transforma por metamorfose é uma analogia que se aplica a toda a nossa espécie. Temos de passar por uma metamorfose a fim de sobreviver ao ímpeto de forças históricas que já foram deflagradas.
Os biólogos evolucionistas consideram que os humanos são uma espécie que cessou de evoluir. Em algum momento, nos últimos cinqüenta mil anos, com a invenção da cultura, a evolução biológica dos seres humanos cessou e a evolução tornou-se um fenômeno epigenético e cultural. Os instrumentos, as línguas e as filosofias passaram a evoluir, mas o tipo somático humano permaneceu o mesmo. Somos, fisicamente, muito semelhantes a indivíduos que viveram em um passado distante. A tecnologia, porém, é a verdadeira pele da nossa espécie. A humanidade, encarada corretamente no contexto dos últimos quinhentos anos, é um agente extrusivo de material tecnológico. Tomamos matéria com baixo grau de organização, fazemo-la passar por nossos filtros mentais e expelimos em formas de jóias, escrituras sagradas e ônibus espaciais. É isso o que fazemos. Somos como corais incrustados em um recife tecnológico de objetos psíquicos extrudados. Toda a nossa fabricação de instrumentos implica a nossa fé em um instrumento supremo. Esse instrumento é a alma exteriorizada no espaço tridimensional. O corpo pode tornar-se um objeto holográfico interiorizado, inserido em uma matriz tridimensional, em estado sólido, que é eterna, de modo que todos passamos a viver em um verdadeiro Elísio.
Espécie de paraíso muçulmano, esse Elísio permite-nos gozar de todos os prazeres da carne, contanto que saibamos que somos uma projeção holográfica de uma matriz em estado sólido, microminiaturizada e supercondutora, a qual não se encontra em lugar algum: é parte do plenum. A finalidade de toda a história tecnológica é produzir protótipos dessa situação, cada vez mais próximos do ideal, de modo que os aviões, os automóveis,os ônibus espaciais e naves espaciais de ficção científica feitas de parafusos e porcas e capazes de viajar à velocidade da luz, são, como disse Mircea Eliade, "imagens de vôo que se autotransformam e que nos dizem muito a respeito das aspirações humanas de autotranscendência".
Os dados que julgamos indelevelmente a para sempre escritos são, na verdade, apenas estados de ânimo da Deusa, da qual somos o reflexo. Todo o significado da história humana reside em recuperar essas informações perdidas, para que o homem possa ser dirigível.
Se percebemos esses dois universos como dualismos irredutíveis, isso se deve a má qualidade do código que costumamos usar. A linguagem que empregamos para discutir esse problema tem dualismos inerentes. Trata-se de um problema de linguagem. Todos os códigos tem as suas qualidades relativas, exceto o Logos. O Logos é perfeito e, portanto, não compartilha das qualidades de nenhum outro. Uso aqui o termo Logos no sentido em que esse termo é utilizado por Fílon, o Judeu – o de Razão Divina que abrange o complexo arquetípico de ideais platônicos que servem de modelo à criação. Quando não usamos o Logos para traçar os nossos mapas, temos problemas de qualidade de código. O dualismo inerente a nossa linguagem faz com que a morte da espécie e a morte do indivíduo pareçam dois conceitos opostos.
Devemos procurar assimilar e integrar a experiência psicodélica, uma vez que se trata de um plano experiencial ao qual todos podemos ter acesso direto. O papel que iremos desempenhar em nossa relação com ele determina como iremos nos apresentar naquela anunciada transformação final. Em outras palavras, há nessa noção uma espécie de preconceito teológico; há a crença que existe um hiperobjeto chamado Supermente, ou Deus, que projeta uma sombra no tempo. A História é a nossa experiência grupal dessa sombra. À medida que nos aproximamos cada vez mais da fonte da sombra, os paradoxos aumentam, aumenta o coeficiente de mudança. O que acontece é que o hiperobjeto começa a ingressar no espaço tridimensional.
Uma forma de conceber isso é supor que o mundo da vigília e o mundo do sonho passam a fundir-se, de modo que, no sentido de que as leis que regem o sonho, as leis que regem o hiperespaço, podem as vezes funcionar no espaço tridimensional, quando a barreira entre as duas realidades se dissipa. Nesse caso, a pessoa tem experiências curiosas, as vezes chamadas de ''traumas perceptivos'', as quais sempre exercem tremendo impacto sobre o paciente, uma vez que parece haver um componente externo que absolutamente não pode ser subjetivo. Nessas ocasiões, as coincidências começam a se acumular, até que a pessoa finalmente admite não saber o que está acontecendo. Contudo, é absurdo afirmar que se trata de um fenômenos psicológico, pois o fenômenos é acompanhado de mudanças no mundo exterior. Jung deu a isso o nome de "sincronicidade" e construiu o seu modelo psicológico, mas o que realmente sucede é que uma física alternativa começa a intervir com a realidade local.

 
 


Essa física alternativa é uma física da luz. A luz é feita de fótons, e os fótons não possuem antipartículas. Isso significa que não existem dualismos no mundo da luz. As convenções da relatividade dizem que o tempo se atrasa à medida que nos aproximamos da velocidade da luz; mas, se tentarmos imaginar o ponto de vista de uma coisa feita de luz, temos de reconhecer que o que nunca se diz é que, se viajarmos à velocidade da luz, o tempo deixa de existir. Experimentamos o tempo zero. Portanto, se imaginarmos por um instante que somos feitos de luz, ou que estamos de posse de um veículo capaz de mover-se à velocidade da luz, podemos ir de um a qualquer ponto do universo com uma experiência subjetiva de tempo zero. Ou seja, iremos à Alfa Centauro no tempo zero, enquanto o tempo ocorrido no universo relativista é de quatro anos e meio. Mesmo que atravessemos distâncias muito grandes, se viajarmos ao longo de 250 mil anos-luz até Andrômeda, continuaremos a ter a experiência subjetiva de tempo zero.
 

 
A única experiência do tempo que podemos ter é a de um tempo subjetivo, criado por nossos próprios processos mentais; em relação ao universo newtoniano, o tempo não existe. Passamos a existir na eternidade, tornamo-nos eternos; em tal situação, o universo envelhece a uma velocidade espantosa à nossa volta, mas isso é percebido como um fato do universo – da mesma forma que percebemos a física newtoniana como um fato deste universo. A pessoa passa para a modalidade eterna; separa-se da imagem transitória; existe na perfeição da eternidade.

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