quarta-feira, 25 de setembro de 2013

HEYOKAH


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Vamos recapitular: se um ser humano começa a aplicar os princípios da arte da espreita tolteca, ele ou ela se torna uma caçadora ou um caçador, pois faz o rastreamento daquilo que caça. Nesse sentido, tudo é caça, e tudo pode ser espreitado. Mas aí ainda se aplicam os princípios a seres e coisas, por exemplo, um animal, uma pessoa que se quer cooptar, uma namorada, um cliente, um ganho etc.
Quando o ser humano aplica os princípios da espreita a si mesmo, e começa a se rastrear, as suas fraquezas, os seus hábitos, etc, ele não tem mais um objetivo concreto, então ele está pronto para caçar o ''poder pessoal''. O homem e a mulher que caçam o ''poder pessoal'' são um guerreiro e uma guerreira.
Uma forma exuberante e supereficaz de espreitar o próprio ego (que é a mais difícil e importante das tarefas do rastreamento de energia) está na figura do Heyokah, como é chamado nas tribos das planícies americanas, e que os Hopis e Pueblos chamam de Koshari.
O Heyokah é um palhaço que, diferentemente dos outros, possui grande sabedoria e leva seus ensinamentos ao Povo através do riso e dos paradoxos, colocando-se a si mesmo em situações embaraçosas e por vezes ridículas. Este Trickster Sagrado é antes de tudo um supremo ator que faz com que você pense por você mesmo e chegue às suas próprias conclusões, levando-o a questionar se aquilo que os outros dizem ou fazem é verdadeiramente correto. No momento em que as pessoas são levadas a pensar por conta própria, começam a colocar à prova as suas próprias convicções; aquelas crenças psico-sociais vacilantes, que pertencem ao passado e se apoiam em muletas, passam a ser testadas e questionadas.
A fama do Heyokah consiste justamente em transmitir suas lições fazendo com que os outros não se levem assim tão a sério. O riso passa a constituir a lição definitiva, pois consegue romper os bloqueios que estão minando o equilíbrio das pessoas. O Heyokah consegue ser bem-sucedido quando tudo é encarado com humor, e os laços com os velhos hábitos, que já não servem mais para nada, são rompidos. O Guia de Cura que acompanha o Heyokah é o Coiote. O Heyokah é um grande conhecedor da Magia do Coiote, e sabe utilizar o lado brincalhão da natureza deste animal para conduzir os outros a um estado mais iluminado de consciência. Ocasionalmente, o feitiço pode virar-se contra o feiticeiro, e a Energia do Coiote pode vir a atingir o Heyokah em algum ponto fraco. Quando isto acontece, um verdadeiro Heyokah aceita o revés com humor, e acha graça na virada da situação, terminando por aprender a sua própria lição, juntamente com a lição que foi dada aos outros.
O Povo Nativo reconhecia a importância de saber levar a vida de modo um pouco menos sério e aprender a rir de si mesmo. Em outros tempos não se considerava que o fato de ser alvo das brincadeiras do Heyokah deixava a pessoa "de cara no chão". Na verdade, era até considerado uma honra ser escolhido como alvo de uma brincadeira que transmitisse uma valiosa lição espiritual. Cada membro da Tribo era parte essencial do Todo; por isto muitas vezes a brincadeira passava ensinamentos para outros indivíduos daquele mesmo grupo. Todos aqueles que haviam participado da brincadeira, ou que falavam dela, poderiam, mais tarde, relacionar aquela lição às suas próprias situações pessoais e crescer através deste processo.
O heyokah zomba, debocha, ilude, confunde, faz tudo ao contrário, se comporta como um louco, um idiota ou um supremo debochado, desmanchando todas as ilusões de certeza do dia-a-dia e dos costumes. É mestre em fazer o ponto de encaixe da percepção se deslocar de uma maneira quase imperceptível, mas profunda, e modificar o sentido de todas as situações com seu humor. É mestre em mostrar que todas as certezas não passam de ilusão, e que o inesperado é o próprio recheio do bombom de todos os instantes.
Há duas faces para a eficácia da tática heyoka, e do humor em geral, principalmente no campo da sociedade contemporânea, que barateia o humor e infantiliza as pessoas. O comportamento inusual e humorístico move sim suavemente o ponto de encaixe da percepção, mas, por outro lado, a pessoa pensa que aquilo é só bobagem, e tributa o movimento a um certo desconforto com essa tolice. E estamos na época da vigência da tolice e da besteira, que caem como uma gota no oceano da mídia e dos comportamentos grosseiros usuais.
Caçar o poder pessoal, rastrear a própria energia, espreitar as relações de força e de poder, lutar para ver a energia diretamente, são o campo de caça do guerreiro, que o faz em qualquer situação contingente, em qualquer época, lugar, estado etc. Aí ele está aplicando os princípios da ''espreita'' e da ''loucura controlada'', pois não se identifica mais consigo mesmo (seu ego, alheio a sua força) ou com objetivos mundanos (determinados arbitrariamente pela socialização).
A consequência aí é que o homem e a mulher podem começar a intuir a realidade de uma forma direta, e "ver", quer dizer, perceber, a força por trás de tudo, a energia que emana de todas as coisas e que as liga numa rede cósmica.
Esse é o vidente.
Se o vidente utiliza sua capacidade de caçador, de guerreiro, de espreitador e de vidente para a busca do outro lado da moeda do ser, o desconhecido, o "espiritual", o espírito, o nagual, o intento, então ele e ela estão lutando para ser um homem e uma mulher de conhecimento.
Ao começar a manejar o intento, ao aprender a se ligar na rede que vê e se faz uma com ele e com ela, ele e ela então se tornam homem e mulher de conhecimento, que sabem usar o intento.
O primeiro passo de todas as técnicas é adotar a morte como conselheira. Tal feito é o não-fazer do homem social que nós somos, que pensa que está externamente nos seus dilemas menores, quando, na verdade, assiste e participa de um momento único de força e beleza do mundo.
- É burrice sua escarnecer dos mistérios do mundo, simplesmente porque conhece o ''fazer'' do escárnio - disse ele, com uma cara séria.
Falei que não estava escarnecendo de nada ou ninguém, mas que era mais nervoso e incompetente do que ele pensava.
- Sempre fui assim - disse eu. - E, no entanto, quero modificar-me e não sei como. Sou muito inadequado.
- Já sei que você acha que não presta - disse ele. - Isso é seu fazer. Agora, para afetar esse fazer vou recomendar que você aprenda outro fazer. De hoje em diante, e por um período de oito dias, quero que você minta para si mesmo. Em vez de se dizer a verdade, que você é podre, feio e inadequado, você se dirá que é o oposto, sabendo que está mentindo e que é completamente sem esperança.
- Mas qual a finalidade de mentir assim, Dom Juan?
- Pode prendê-lo a outro fazer e então você pode compreender que ambos os fazeres são mentiras, irreais, e que prender-se a qualquer deles é uma perda de tempo, pois a única coisa que é real é o ser em você, que vai morrer. Chegar a esse ser é o não fazer do eu.
Antes de falar sobre o não fazer, vamos comentar um pouco mais a respeito do ponto de encaixe da percepção.
O conhecido são as emanações dentro do campo de consciencia que o ponto de encaixe está focando, que ilumina e ressalta, fazendo com que nossa autoconsciência se faça dessas fibras.
O desconhecido são as emanações da Águia que estão no nosso campo de consciencia, ou não, e que não focalizamos com nosso ponto de encaixe. A posição pré-estabelecida pela sociedade é chamada tonal dos tempos, todos são "normais".
A posição do ponto de encaixe que nos foi ensinada e à qual estamos acostumados é o nosso tonal pessoal. A primeira atenção.
A segunda atenção é deslocar o ponto de encaixe para essas posições do desconhecido, por algum tempo. Fazemos isso toda noite, no sonho. Os homens de conhecimento desenvolvem a capacidade de provocar esses deslocamentos á vontade, de forma espontânea e genuína, aprendem a utilizá-los e sabem ir e voltar com toda segurança e sem nenhum prejuízo mental ou físico. Pelo contrário, geralmente voltam fortalecidos de suas aventuras. Sobretudo fisicamente.
Deslocar o ponto além das emanações da Águia é o incognoscível.
A terceira atenção é o deslocamento para dentro da Águia.
As atenções também não são algo dado, não são um lugar ou lugares.
As atenções são sintonizações do ser, no caso, o ser humano, qualquer ser humano, sabe que consegue sintonizar de duas formas, a normal e a alterada: duas atenções. A terceira, a quarta e a quinta atenções são também realizações sofisticadas do ser humano. Estas implicam na manutenção da consciência e sua expansão além dos limites espácio-temporais humanoides.
Numa comparação porca: é como um rádio que pega AM ou FM; mas um rádio que pudesse se reprogramar, se refabricar, para atingir outras faixas eletromagnéticas.
Inclusive, pode-se pensar numa sexta atenção e ainda mais.
O mestre do não-fazer e da espreita, o palhaço, o temível e ao mesmo tempo histriônico Don Genaro, pode ter feito a maior revelação de todas (ou a segunda maior, depois daquela em que Don Juan diz a Carlos que ele está cercado pela eternidade e que pode usar essa eternidade se quiser).
Foi quando Don Juan apresentou Carlos a Genaro (antes o tinha visto rapidamente na praça, mas não conversaram), na sua casa no México central. Genaro debocha de Carlos, de ele tomar notas, senta-se sobre a cabeça, infla as narinas, fazendo a caricatura de nosso herói. Depois ridiculariza Don Juan, imitando seus trejeitos de se alongar e estalar as costas (quando ele então estaria fazendo passes mágicos), e o nagual volta bem a tempo de ver sua paródia e ri.
No outro dia, ele "ensina" a Carlos, explicação que será desmoralizada por Don Juan no momento seguinte, o qual dirá "Falar não é a predileção de Genaro". Claro, tudo isso é espreita nagualista.
- É verdade, você sabe disso Juan.
Depois afirmou que um mestre autentico podia levar seu discípulo com ele e chegar a atravessar as dez camadas do outro mundo. O mestre, desde que fosse uma águia, podia começar da camada mais inferior e depois passar por cada mundo sucessivo até chegar ao topo.
O que Don Genero estava realmente revelando? Dez atenções, através das quais o mestre pode levar seu aprendiz!
O não fazer é a suave e imperceptível prática de realizar atos incomuns, agir conforme não se espera de si mesmo, surpreender e chocar a si mesmo como tática para despertar a atenção, cultivar e cativar outras formas de estar, posições e atitudes, como uma espreita de si mesmo.
A busca de recompensas é o que mais energia nos faz perder. Você só deve fazer aquilo que o intento indica. A importância pessoal é implacável, ela nos rastreia e caça ao longo da vida, pois ela se alimenta de nossa energia psíquica. O nosso ego não é nosso. Mais precisamente: ele é um bicho, um inorgânico. Voltaremos a este ponto mais adiante. Para encontrar a liberdade total, a pessoa deve renunciar inclusive ao desejo de ser livre, à escravidão de qualquer desejo. Não se trata de buscar a liberdade por medo de morrer. A importância pessoal adora as recompensas porque ela coroa nosso desperdício de energia com a autoreflexão, nossa amante e homicida. E assim trunca o livre fluxo da energia através da pessoa. O que sempre acaba produzindo alguma doença letal com o tempo. Como o câncer.
Não vás demasiado depressa. Há que aperfeiçoar o tonal, antes de se aventurar no nagual.
Essa prática produz um suave e duradouro movimento do ponto de encaixe, e serve como forma de torná-lo mais "flexível", mais "movível".
Voltando a algo que falamos a muitas páginas e há muitos momentos atrás, o feiticeiro abandona por completo a posição de refém entre a cruz e a espada da mentira e da verdade. Isso é o não-fazer do ser e estar.
- Tudo isso é verdade, Dom Juan?
- Dizer que sim ou que não seria fazer. Mas como você está aprendendo a não fazer, devo dizer-lhe que realmente não tem importância se tudo isso é verdade ou não. É aqui que o guerreiro leva vantagem sobre o homem comum. O homem comum se importa em saber se as coisas são verdadeiras ou falsas, mas um guerreiro não. Um homem comum procede de maneira específica com as coisas que ele sabe serem verdade e de maneira diversa com o que sabe não ser verdade. Se se supõe que as coisas são verdadeiras, ele age e acredita no que faz. Mas, se as coisas são supostamente falsas, ele não quer agir, ou não crê no que faz. Um guerreiro, ao contrário, age em ambos os casos. Se se supõe que as coisas são verdadeiras, ele age a fim de estar fazendo. Se se supõe que as coisas são falsas, ele ainda assim age, a fim de não fazer. Entende o que digo?
- Não. Não estou entendendo nada - respondi.
Todas as técnicas estão relacionadas, como uma figura geométrica, todos os pontos se ligam de todas as formas, como num círculo ou esfera.
Combinando as técnicas sugeridas por Carlos e por Taisha para obter o silêncio interno e mover o ponto de encaixe da percepção, temos:

Arte Marcial

Recapitulação
Não-fazeres
Pequenos tiranos
Contemplação
Silêncio interior
Impecabilidade
Ensonho
Espreita
Centro de decisões
O centro de decisões pode ser o que exige mais energia no final das contas, pois signfica se livrar do ritmo da energia inorgânica e estabelecer a nossa própria vontade, vontade de potência, como diria Nietzsche, que é o portal de acesso ao intento.
Cada uma se liga com todas as outras, se potencializam, são um circuito que é percorrido o tempo todo, sem parar, de forma cada vez mais potente, no aprendizado. Tudo leva ao silêncio interior, que leva ao movimento do ponto de encaixe da percepção.
"Tudo o que chega a nossos sentidos é um sinal. Só é necessário ter a velocidade para silenciar a mente e captar a mensagem. Por meio dessas indicações, o espírito fala conosco com uma voz muito clara".
"Os bruxos da velha guarda eram propensos ao misticismo; eles usavam a astrologia, oráculos e conjuros, varas e amuletos mágicos, qualquer coisa que enganasse a vigilância da razão virava um ''objeto de poder''.
"Mas, para os novos videntes, esses recursos são um desperdício e ocultam um perigo: podem desviar a atenção da pessoa que, em vez de se focalizar em seu vínculo imediato com o espírito, termina por se acostumar ao símbolo. Os guerreiros atuais preferem métodos menos ostentosos. Don Juan recomendava diretamente o silêncio interior. /.../
"O silêncio é a passagem entre os mundos. Ao calar nossa mente, emergem aspectos incríveis de nosso ser. A partir desse momento, a pessoa se torna um veículo do intento e todos os seus atos começam a exsudar poder.
"Durante minha aprendizagem, meu benfeitor me mostrou prodígios de percepção inexplicáveis que me espantavam, mas, ao mesmo tempo, despertavam minha ambição. Eu também queria ser poderoso como ele! Frequentemente lhe perguntava como eu poderia aprender seus truques, mas ele colocava um dedo sobre seus lábios e ficava me vendo. Foi apenas muitos anos mais tarde que eu pude apreciar completamente a magnífica lição de sua resposta. A chave dos bruxos é o silêncio".

Os não fazeres têm como escopo principal o intento, assim como todas as técnicas. O objetivo se escalona em várias metas, na ordem: silêncio interno total, mover o ponto de encaixe da percepção, perder a auto-importancia, apagar a história pessoal , encontrar o aliado, dominar o intento.

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