segunda-feira, 9 de setembro de 2013

COMO UMA PRAGA

 
Essa busca em que a tensão entre razão e transcendencia religiosa se traduz em um modo não muito tranquilizador de proceder com a linguagem e o pensamento, se apresenta como deliberada em nossa obra.
Métodos de intensificação por desmantelamento: Burroughs leu Joyce com olhos de quem nunca interrompe a busca por outra maneira de pensar e extraía assim geometrias intertextuais que estavam muito além da expressão verbal literária ou de qualquer interesse restrito á esse âmbito. Se o método surrealista buscava criar um vínculo novo para as associações com a escrita automática ou mediúnica, os métodos de Burroughs quebram todo vínculo, toda associação, toda linha de associação pré-estabelecida para resgatar intacta a IMAGINAÇÃO PRIMORDIAL soterrada sob múltiplas camadas geológicas de falsas cadeias de associações, academica e socialmente impostas.
A isto se junta ainda outro método que o cabalista Abraham Abulafia denominava ''dillug'' ou 'kéfitsá'', e que podemos traduzir como o salto + de um conceito a outro. Trata-se de servir-se de associações e passar de uma á outra segundo certas regras estabelecidas intra-psiquicamente através da auto-hipnose ou linguagem ritmada (ullimna mantiqat-tayri (no Islã) - linguagem dos pássaros): cada salto abre uma nova esfera, no interior da qual o espírito pode estabelecer novos e insuspeitados mundos de associações. Nas palavras de Abulafia, este salto+ nos libera da prisão da esfera da
NATUREZA e nos eleva aos limites da esfera CELESTIAL
(produz em bloco ou uma onda ininterrupta daquilo Marcel Proust chamava de um ''minuto liberado do tempo'' ou hendidura, fenda, punto de velamen, poros de origem, por assim dizer, órfica
nas paredes da realidade convencionada)
Além de intercambiar experiências e especulações é preciso operar com a própria decodificação e este deve estar por cima do tropológico, seja, deve ser quase totalmente hieroglífico e tão barrocamente contorsionado que produza ou devele ''rachaduras'', indicações, sinais, cifras etc... e, ao mesmo tempo, esgotando todas as anfractuosidades da hieroglífica se logre um EFEITO ANAGÓGICO com nosso estilo que, dito de outra maneira, deve ser PRÉ-ALFABÉTICO e PÓS-ALFABÉTICO (o alfabeto deve ser retorcido, fustigado, encurralado, anonadado para que nos devolva intacta a SIMBOLOGIA, a IDEOGRAMÁTICA arcaica),
senão, que exatamente estamos fazendo aqui?
O controle dos meios de comunicação depende do circuito das linhas de associação pré-estabelecidas.
Se o controle está esparramado por todo o campo social é necessário quebrar sua sintaxe e criar interferências em suas estruturas de linguagem. Quando as linhas são cortadas as conexões engessadas se rompem, pois as linhas de associação do pensamento-escritura são também mecanismos de controle. Um vírus criado para evitar a expansão da consciência.
Posto que o controle é um biopoder de todo o campo, os métodos de escritura devem ser fluidos e luminosos mecanismos de desmantelamento multidimensionais: Burroughs acreditava que ao mesclar a ordem das gravações e a ordem das imagens era possível gerar uma fissura na maquinaria de controle parai introduzir por aí uma pauta de ordem alterada ou estado alterado de consciência para explorar o signo e o símbolo fora do contexto em que o aprisiona e impede a ruptura de nível.
Para articular tanta informação erudita, a máquina do Parampara ou princípio multiplicador de sabedoria move-se por seus dados não de uma forma racional, mas como Salvador Dali teria formulado de maneira precisa : por um método crítico-paranóico, juntando dados aparentemente isolados, impensados, numa livre associação que ele chamará de palimpsesto, junção de camadas interrelacionadas.
Ao ler uma obra de ALQUIMIA LITERÁRIA, não só lemos ela com o dicionário do lado e com uma rede estruturalista de outros textos referenciais, lemos desde o entendimento do Espírito, desde a memória da Imaginação.......................................................................................................................

Post Scriptum
Os textos desta coleção se proliferam sem princípio nem fim como uma praga, se reproduzem e alargam em sentidos imprevisíveis, são o produto de uma hibridação de muitos diversos registros que não têm nada haver com uma evolução literária tradicional, seus diferentes elementos ignoram a progressão da narração e aparecem á deriva desestruturando os discursos convencionais e jogos-script de seus marcos temporais, de sua coexistência espacial, do seu significado e previsibilidade pasteurizados, possibilitando sempre que seja o leitor quem acabe por estruturar o grande hiper-texto subjacente segundo sua propria vontade.


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