domingo, 15 de setembro de 2013

RESPEITA O MOÇO

 
 
  1.  
    A raiva ou fúria de Nietzsche contra Sócrates vem daquilo que o Socratismo veio introduzir, isto é, uma ruptura com a tragédia grega, pré-socrática, muito ligada à arte (principalmente a música, aos ditirambos dionisíacos por exemplo como Nietzsche diz na Origem da Tragédia e outras obras), vendo esta como uma forma de vida, não como simples representação. Lendo A República, de Platão, vemos que este expulsa os poetas da cidade, afirmando que o tipo de pensamento destes é indigno para uma república utópica como a que ele descreve, reafirmando assim que a arte não tem lugar num mundo racional. A crítica de Nietzsche evolui ao longo da sua obra, sendo efetivamente muito mais voraz quando alcançamos as obras da sua maturidade como o Crepúsculo dos Ídolos, pois nas obras da sua juventude, Nietzsche utiliza ainda o racionalismo como forma de expôr as idéias


  2.  
    Nos achamos diante de uma sabedoria trágico-ironica mais propriamente dita, de um daqueles sarcasmos que parece enviado á terra por alguma divindade com pressa de reparar algo gigantesco que saiu dos trilhos e está atrapalhando a evolução de toda a espécie. E com base em um instinto artístico, pelo bem de uma cultura, de um nobre conceito de cultura tão elevado que parece nunca ter tido lugar em toda história humana, pelas suas exigencias sobre humanas e limites impostos á importancia da ciencia e á primazia do método sobre esta... contra ela e em nome da vida como valor supremo e ilimitado é que este pensamento se levanta. Nietzsche foi o arquimago de um mistiscismo mais corajoso do que aquele que estamo acostumados a ver merecendo este nome, que recusa a fuga do mundo em nome de uma permanencia e irupção anti-racionalista no seio da vida, aceitando desta toda sua falsidade, dureza e crueldade de peito aberto e sob os auspícios de uma divindade (alter-ego heróico, nagual ou animal de poder) interlocutora privilegiada, a quem deu o nome de Dioniso.


  3.  
    O nome do deus ébrio aparece pela primeira vez em sua obra ''A ORIGEM DA TRAGÉDIA'', escrito místico-estético de juventude. O dionísiaco é entendido por este sábio precoce como um estado psicológico e artístico. Neste escrito encontramos pela primeira vez a noção de 'homem teorico'' e é assumida uma posição de batalha contra Sócrates, protótipo do homem teorico. Contra Sócrates o depreciador da energia vital, o glorificador do racionalismo, inimigo de Dioníso e assassino do espírito heróico da Tragédia Grega. Segundo Nietzsche, dele deriva essa pálida cultura científica e alexandrina de nosso tempo: pálida, anemica, acadêmica, ; alheia ao MITO e á VIDA; uma cultura na qual venceu o otimismo fácil que nasce da fé na razão, no utilitarismo teórico dos''frutos colhidos'' em laboratórios e salas mofadas; na democracia fajuta e ilegítima na qual vivemos que nada mais é do que um sintoma de decadencia dos tempos e cansaço fisiológico de nossa espécie.
    O homem desta cultura socrática e anti-trágica, o homem teoríco, debilitado pelo conforto de um otimismo fácil, pueril e injustificado, não pode mais ir adiante... O jovem Nietzsche está convencido de que o tempo socrático acabou. Uma nova raça, heróica, intrépida, carregada de desprezo por todas as doutrinas que predicam esse tipo de debilidade infra-consciente, está entrando em cena. E um despertar paulatino e de ''facto'' do espírito dionisíaco se pode comprovar em nosso mundo, dos tempos de Nietzsche até o presente mais imediato.


  4.  
    Na segunda das''Considerações Intempestivas'', que leva por título: 'Da utilidade e das desvantagens da história para a vida'', se encerra em toda sua plenitude, ainda que sob uma roupagem crítica, esse pensamento fundamental de sua vida, do qual já falamos acima. Esse admirável ensaio é no fundo uma grandiosa variação do tema de HAMLET de que ''AS VÍVIDAS CORES DA DECISÃO SÃO ESGOTADAS PELA PALIDEZ DO PENSAMENTO''
    O título não é apropriado, já que pouco se fala da utilidade da história e muito sobre suas desvantagens para a vida, esteticamente justificada, amada e sagrada. Ao século XIX se chamou o século da história e na verdade é o primeiro a produzir e desenvolver o sentido histórico, do qual as antigas culturas, enquanto sistemas de vida artisticamente coerentes e fechados, pouco ou quase nada sabiam. Nietzsche fala mais precisamente da''enfermidade histórica'', que mata a espontaneidade da vida. A cultura é hoje uma cultura histórica, nos diz o sábio alemão. Mas os gregos não tiveram nada disso e, no entanto, quem se atrevaria a chama´los de incultos ou ignorantes? A história praticada apenas com interesse no conhecimento, sem nenhum fim para a vida, e sem nenhum ''talento plástico' para remedia-la da decadencia que essa ausencia produz como sintoma, é algo criminoso, mortífero. Um fenômeno histórico, uma vez que já foi conhecido por completo, está morto. Para que a história seja criadora de uma autêntica cultura, deveria ser tratada como uma obra de arte e não como um fóssil ou uma rã a ser dissecada numa autópisia. O que não acontece em função da natureza decadente, analítica e anti-artística de nosso tempo. A história expulsa os instintos. Um homem por ela formado, ou por ela deformado, já não logra mais obrar criativamente dando redeas soltas ao seu alter-ego heróico (nagual ou animal divino), pois a história tem em baixíssima conta o FUTURO, os FEITOS e FATOS novos que entram na inter-zona do SER, a história paraliza toda a AÇÃO, ação que é sempre irreverente diante da antiga ordem. NIETZSCHE PROCLAMA O A-HISTÓRICO: a ARTE e o poder de reverenciar um PROGRAMA DE VIDA fechado em si mesmo, á prova de balas contra as rajadas de metralhadora do racionalismo analítico e decadente de nosso tempo. É de um modo muito belo e muito nobre que Nietzsche assume seu desejo pelo SUPRA-HISTÓRICO, que aparta a vista do contexto histórico para pousa-la com um metálico olhar de bronze naquilo que dá á existência humana seu caráter de ETERNIDADE e de PERMANÊNCIA: a ARTE e a RELIGIÃO.
    Nietzsche quer e anuncia um tempo (uma IDADE DE OURO) que de modo a-histórico e supra-histórico se absterá de todas as construções do processo mundial e da história da humanidade, na qual não se levará em conta nenhuma cultura de massas, mas apenas os diálogos arquetípicos das grandes vozes que continuam sendo gravadas em caracteres de ouro num infinito rolo de papel cósmico que segue sendo desenrolado por cima de todo rebuliço decadente da história. Há aqui um desesperado culto estético da genialidade e do heroísmo que ele se viu obrigado a tomar emprestado á Schopenhauer. A transformação nietzscheana deste conceito ao uni-lo com sua adoração pela vida, forte e bela, produz como resultado um esteticismo heróico, do qual faz patrono-protetor o deus do êxtase Dioniso... deus do êxtase e da Tragédia!! É precisamente este esteticismo dionisíaco que fará do último Nietzsche o maior crítico e psicólogo da moral que a história do espírito humano conheceu até hoje.

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