quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A atualidade do pensamento de Max Weber


Por Jessé de Souza
 
Weber não formula apenas a possibilidade de junção científica dos aspectos subjetivos e objetivos no contexto do “racionalismo da dominação do mundo”. Ele inspirou também, precisamente por ter captado a “ambigüidade constitutiva” do racionalismo singular ao ocidente, os dois diagnósticos mais importantes para a autocompreensão do ocidente até nossos dias: uma concepção liberal, afirmativa e triunfalista do racionalismo ocidental; e uma concepção crítica desse mesmo racionalismo, que procura mostrar sua unidimensionalidade e superficialidade. 
Para a versão liberal e afirmativa, Weber fornece, por um lado, sua análise da “revolução simbólica” do protestantismo ascético, para ele a efetiva revolução moderna, na medida em que transformou a “consciência” dos indivíduos, e a partir daí a realidade externa, e não o contrário, como na Revolução Francesa, que termina em restauração do poder monárquico. É a figura do protestante ascético, dotado de vontade férrea e com as armas da disciplina e do autocontrole, quem cria o fundamento histórico para a noção do “sujeito moderno” e até mesmo para a noção moderna de “personalidade” enquanto entidade percebida como um todo unitário com fins e motivos conscientes e refletidos. Todas as versões apologéticas do “sujeito liberal” (às vezes, com a contribuição de Tocqueville, sujeito também tornado unidimensional e acrítico) nutrem-se, quase sempre com fundamento empírico na história da pujança econômica e política americana, em maior ou menor grau, da figura do pioneiro protestante weberiano. Por outro lado, é Weber quem reconstrói sistematicamente a lógica de funcionamento, tanto do mercado competitivo capitalista, quanto do Estado racional centralizado, de modo a percebê-los como instituições cuja eficiência e “racionalidade” não teriam igual. Ainda que a perspectiva liberal apologética se restrinja ao elogio do mercado, confluem, aqui, os aspectos subjetivos e objetivos (institucionais) que fundamentam, de modo convincente, a afirmação do “dado”, ou seja, do mundo como ele é. 
Mas Weber (e nisso reside sua atualidade extraordinária) também percebia o lado sombrio do racionalismo ocidental.  Se o pioneiro protestante ainda possuía perspectivas éticas na sua conduta, seu “filho” e, muito especialmente, seu “neto”, habitante do mundo secularizado, é percebido por Weber de modo bastante diferente. Para descrevê-lo, Weber lança mão de dois “tipos ideais”, ou seja, de modelos abstratos, no caso, de modelos abstratos de condução de vida individual, os quais se encontram sempre misturados em proporções diversas na realidade empírica concreta. Esses “tipos ideais”, que explicam o indivíduo típico moderno para Weber, são, por um lado, o “especialista sem espírito”, que tudo sabe acerca do seu pequeno mundo de atividade e nada sabe (nem quer saber) acerca de contextos mais amplos que determinam seu pequeno mundo, e, por outro lado, o “homem do prazer sem coração”, que tende a amesquinhar seu mundo sentimental e emotivo à busca de prazeres momentâneos e imediatos.  
Se a primeira leitura fornece o estofo para a apologia liberal do mercado e do sujeito percebido como independente da sociedade e de valores supra-individuais, a segunda leitura marcou profundamente toda a reflexão crítica até nossos dias. A percepção do indivíduo moderno como suporte das ilusões da independência absoluta e da própria perfeição narcísica, quando, na verdade, realiza, sem saber, todas as virtualidades de uma razão instrumental que termina em consumismo e conformismo político, está na base de todas as variações influentes do assim chamado “marxismo ocidental”. Esse termo, denominação ampla que se refere às perspectivas intelectuais que procuraram unir o impulso crítico do marxismo com a análise weberiana do racionalismo ocidental enquanto razão instrumental, foi a base de praticamente todas as concepções críticas do século 20

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