quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Temendo desesperar o leitor

 
Ênfase especial nas estratégias formais que favorecem a ABERTURA INFINITA DA OBRA, cuja origem pode ser retraçada ao Primeiro Romantismo alemão. A cada palavra escrita e lida se fornecem os componentes eletrizantes e tensionais que afligem igualmente personagens e leitores, criando entre eles uma espécie de comunidade de ambiência já na abertura desses pequenos fragmentos de conto, para em seguida endereçar as questões concernentes à construção de todas as suas peças– o conto como fragmento, desde que ele se acha franca e abertamente imerso numa poética do fragmento, desdobramento e extensão, portanto, de uma poética originária do primeiro romantismo (Iena) que se estende ao modernismo – e à utilização de estratégias de suspensão e oscilação, que tanto provêem a abertura infinita da história quanto, e por isso mesmo, a desejada estrutura reflexiva, que permite que o conto pense a si mesmo enquanto gênero. Essa questão em si mesma envolve a relação entre fragmento e sistema, tão cara aos Primeiros Românticos e objeto de muita reflexão por parte dos teóricos e filósofos que integravam o movimento. As falas se mantém basicamente justapostas, sem conexão aparente, como se duas ou mais histórias corressem paralelas e a tensão se constituísse justamente por essa desconexão, em que desconhecemos aquilo que efetivamente ansiamos por saber alguma coisa em algum lugar e não compreendemos por que todas as suas frenéticas tentativas de reverter a situação em seu favor resultam infrutíferas. A técnica com que é produzido o efeito de estagnação e de suspensão é bastante semelhante à encontrada na Canção de Rolando, ou seja, a da ordenação paratática, em que as falas são justapostas sem aparente ligação, e em que as repetições e o retorno ao ponto de partida são freqüentes, tornando a máquina narrativa pesada e estanque, do que resulta para o leitor uma extensão do tempo em que permanece sem que nenhum sinal de resolução lhe venha em socorro, um tempo por assim dizer opressivo, caótico, fazendo crescerem tanto apreensão quanto suspense. Muitas das falas são repetidas ao longo do texto, funcionando como bordões que, ao invés de fornecer explicações sobre as possíveis causas da presente situação ou um espectro de expectativas para o desfecho impossível através do uso de coloquialismos próprios da linguagem infantil, que entrecortando e atravessando a agonia, saltam-lhe a impaciência que se mantém mesmo em situações limite. O melhor exemplo que podemos capturar das estratégias de constituição do efeito de oscilação se encontra na descrição que faz o narrador do caso tantas vezes repetida, mas a cada repetição assumindo alguma diferença com relação à anterior, como se o narrador mesmo tentasse muitas vezes captar em palavras um sentido que lhe foge. A oscilação aqui se dá entre os termos de uma equação pendular, reminiscente da equação kantiana no juízo de gosto, na modalidade do " belo", em que nenhum conceito do objeto se forma, não obstante o bom acordo entre a imaginação e o entendimento. Vejamos alguns exemplos dessa zona de indiscernimento em apenas uma das suas modalidades, embora o conto as apresente em profusão, em que a oscilação se materializa e se objetifica, emparelhando contrários, justapondo antípodas, criando um pêndulo no qual o ser se reflexiona ad infinitum, a mesma zona de indiscernimento que o título do conto prenuncia,, a de um estado crepuscular que presidirá a concepção de arte, desde a primeira romântica até a da contemporaneidade: nesta instância a formulação ganha foros de paradoxo, revelando que o autor força os limites do que é articulável, acompanhando os passos das poéticas simbolista e modernista, mas cuja origem está nos primeiro românticos como Schlegel: a poesia romântica é a que mais pode oscilar, livre de todo interesse real e ideal, no meio entre o exposto e aquele que expõe, nas asas da reflexão poética, sempre de novo potenciando e multiplicando essa reflexão, como numa série infinita de espelhos. Poe e Mallarmé darão continuidade a essa poética, porém Faulkner vai urdi-la trazendo-a para muito perto dos fragmentos míticos de luz e de sombra, de lusco-fusco, de som e silêncio, de sem som e de não som. É precisamente porque são inapreensíveis e indizíveis e com isso a vontade de compreender, de dizer o indizível, de articular o inominável, para isso sendo necessário, porém, a criação de um leitor novo que transite na velocidade da luz entre tantos pontos de vista, de um olhar móvel que, ao oscilar, constitua o ser do leitor, o leitor como Ser. Daí porque a cuidadosa elaboração formada por pontos de vista múltiplos que algumas vezes se intersectam, que obrigam o leitor a realizar a oscilação entre ele mesmo e os personagens, entre alguns personagens e outros, entre um enredo e outro, construindo uma reflexividade múltipla e prismática nesse meio especular. De modo algum, no sistema operativo da fatura faulkneriana, assim como na dos românticos, descarta-se um dos lados de uma construção contraditória em favor de uma unidade de sentido. Prevalece a soma de todos os sentidos, a convivência dos contrários, como a narrativa aqui desenvolvida, em tantas de suas instâncias, encena, tendo por horizonte a reflexividade infinita que é também propriedade do fragmento, "que não é apenas uma entre outras formas de expressão possíveis, mas a forma de expressão por excelência, necessária, já que é a forma consciente dos limites da apresentação do todo". Vejamos como Marcio Seligman-Silva descreve este processo: A filosofia é definida como um eterno ir e vir entre os pensamentos, como um oscilar (Schweben) infinito [...] Desse modo voltamos, portanto, à concepção romântica do saber, como construção, como oscilação, Schweben. À diferença da noção tradicional do panteísmo, nos românticos o todo não é um constructo transcendente, que iria além da somatória das partes, mas resultado do movimento das mesmas.

3 comentários:

  1. Amigo..preciso da sua ajuda. Poderíamos trocar algumas palavras???
    wncroma@yahoo.com
    Grato pela atenção

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  2. Amigo..preciso da sua ajuda. Poderíamos trocar algumas palavras???
    wncroma@yahoo.com
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