Ana
Maria Ramo y Affonso
Don
Juan é um mestre com uma tarefa: .acomodar. o antropólogo .dentro da cognição
dos xamãs do México antigo. (Castaneda EDJ: 33), dentro de um .sistema de
taxinomia., de interpretação de dados sensoriais e catalogação de
respostas (EDJ: 35): sistema de invenção de realidades, de constituição de
compromissos e membrecias, de modos de percepção ou agenciamentos. Modos
que podem variar; .fluir interminável de interpretações perceptuais. (Castaneda
VI: 09) que pode ser interrompido e que aceita outros compromissos (Castaneda
EDJ: 35). O ponto de vista é uma passagem, e don Juan ajuda Castaneda a escolher
percorrer o caminho com coração, a preparar o Tonal da
variação.
O
Tonal da passagem é um guardião magnânimo. Varrendo a ilha, o guerreiro convence
o seu Tonal a baixar a guarda, pois uma ilha organizada é resguardo seguro para
a vida, a individuação. O guerreiro percorre um caminho com coração, onde
a .vontade., a ação do desejo, e a impecável atualização do mito, formam o modo
da passagem individuada.
Agenciamentos
variáveis, em lugar de atos duráveis. Desvelamento do segredo, desmascaramento
do ator: .o segredo de tudo está na atenção. (Castaneda RP:202). Aprender um
novo .sistema de interpretação sensível. como um .processo de resocialização. é
o primeiro passo para mostrar ao Tonal a possibilidade de variação (Castaneda
RA: 17). Don Juan descreve a Castaneda alguns .fatos energéticos. da cognição
dos xamãs do México antigo: um Cosmos com multiplicidade de matizes, de versos
que são .expressões da energia., composto por .forças gêmeas. de .energia
animada. pela vibração, que é a condição da consciência, da transformação da
energia do universo em dados sensoriais; e .energia inanimada. (Castaneda EDJ:
34). A consciência organiza estabelecendo a .coesão e os limites. da energia
animada e fabrica organismos:
os
seres orgânicos que habitam a Terra (EDJ: 34). Porém, a vibração da
energia conhece outras velocidades ou modos de consciência, outras .forças
aglutinantes. diferentes do organismo (EDJ: 34) (outros corpos sem órgãos, diria
Deleuze). São os seres inorgânicos que povoam o mundo, livres das
.ataduras de um organismo. (EDJ: 34), e com os quais o guerreiro joga o jogo da
variação. E para sobreviver a este jogo, o Tonal do guerreiro deve aprender a
flexibilizar o poder de aglutinar, de individuar, modulando a
perspectiva.
.Somos
perceptores., diz o mestre, seres luminosos perceptores; .não temos solidez.
(Castaneda RP: 132), nem limites (muito menos limites duráveis, estáticos). .El
mundo de los objetos y la solidez es una manera de hacer nuestro paso por la
tierra más conveniente. (RP: 132), uma descrição que apazigua os ânimos. A razão
se contenta e compromete a totalidade variável com um corpo organizado incapaz
de ir além das máscaras que delimitam seus gestos. Atuar, fazer mundo, ter uma
visão de mundo, uma ilha, uma individuação, um Tonal feito com uma percepção
treinada para enfocar certos elementos e constituir com eles a visão do mundo é
o único modo que o homem comum conhece. A tarefa do mestre não é arrasar com
essa visão, mas nomeá-la, .limpar e reordenar a ilha. e .reagrupar todos os
elementos do lado da razão. (RP: 331).
.El
orden en nuestra percepción es el dominio exclusivo del tonal;
sólo
allí
pueden nuestras acciones tener continuidad; sólo allí son
como
escaleras
en las que uno puede contar los peldaños. No hay nada por
el
estilo
en el nagual. Por ello, la visión del tonal es una herramienta,
y
como
tal no es sólo la mejor herramienta, sino la única que
tenemos.
(Castaneda
RP: 354).
A
ferramenta pode ser usada de outros modos. Em lugar de atuar, agir, não-fazer.
Não fazendo, o homem de conhecimento pode inventar outro mundo, que habitará com
outro corpo, que passará com outra agência. (Castaneda RP:
133).
Desmascarar
o ator, devolver-lhe sua visão, liberá-lo do compromisso com um modo de
percepção que torna os seus olhos .intransigentes. (RP: 230): .abrir as asas da
percepção. . intrincada tarefa que só com a paciência de um guerreiro é possível
atingir. É preciso convencer o Tonal de que .há outros mundos que podem passar
frente às mesmas janelas. (RP: 230). Percebendo outros mundos, percebendo a
percepção, o modo de passar, os xamãs do México antigo aprendem a abrir a bolha,
descobrem o segredo do jogo de espelhos:
.Esa
burbuja es nuestra percepción. Vivimos dentro de esa burbuja
toda
la
vida. Y lo que presenciamos en sus paredes redondas es nuestro
propio
reflejo.
La cosa reflejada es nuestra visión del mundo. -dijo-. .Esa
visión
es
primero una descripción, que se nos da desde el instante en
que
nacemos
hasta que toda nuestra atención queda atrapada en ella y
la
descripción
se convierte en visión. La tarea del maestro consiste en
reacomodar
la visión, a fin de preparar al ser luminoso para el
momento
en
que el benefactor abre la burbuja desde afuera.. (Castaneda RP:
329-
330).
Abrir
a bolha, abrir as .assas da percepção. permite ao .ser luminoso. perceber a
.totalidade de si mesmo. (Castaneda RP: 331), ir até .os mais recônditos confins
do Nagual ou aos mundos inconcebíveis do Tonal. (RP: 362). O Tonal é só uma
metade da bolha da percepção; é o centro máximo da razão. O Nagual é a outra
metade, o centro máximo da .vontade.. Tal é a ordem que deve prevalecer para os
bruxos, que sabem que .a razão é só um centro. (RP: 333) e não lhe concedem a
importância que tem para os homens sábios. Para os segundos, somos sujeitos
ancorados em um sistema de significação. Para os primeiros, somos seres
luminosos, herdeiros da magia, guerreiros que não sabem de si. E para Deleuze e
Guattari, caçadores de devires-feiticeiro, ovos energéticos plenos, Corpos sem
órgãos passando em um plano de imanência. Voltemos, brevemente, à
filosofia.
intervalos;
pelo menos as máquinas de produzir tempos duráveis.
Mas
há devires povoando os mitos, povoando a música, o mundo e o pensamento.
.Máquinas de suprimir o tempo. (Lévi-Strauss 2004: 35), .música dos
micro-intervalos. (Deleuze & Guattari 1997: 61). O micro aproxima, facilita
a passagem, e ainda mais o infinitesimal, como diria Tarde (2007b); ou pelo
menos torna mais fácil ao pensamento percebê-la. Há um outro tempo, uma .linha
flutuante que só conhece velocidades.: Aion, o tempo do devir: a cada modo de
temporalidade correspondendo um modo de individuação (Deleuze & Guattari
1997: 49).
A fluidez conceitual nos
aproxima do devir-imperceptível. Dentre outros, Deleuze também leu
Castaneda, ou seja, escutou don Juan. Segundo o primeiro, Castaneda descreve uma
longa experimentação dos afetos, dos desejos, dos agenciamentos: .devir do
devir. (Deleuze & Guattari 1996: 23-24). Deleuze experimenta a
flexibilização conceitual. Imaginar uma experiência: experimentar uma
imaginação, outra cognição.
Promovamos
o encontro no texto de possíveis conceituais, modos de passagem. Modos e
operadores: um significante flutuante, uma casa-vazia, um
ser-menos. Pluriversos relacionais das mônadas... Devires na zona de
vizinhança: .uma noção ao mesmo tempo topológica e quântica, que marca a
pertença a uma mesma molécula, independentemente dos sujeitos considerados e das
formas determinadas. (Deleuze & Guattari 1997: 64). A .zona de vizinhança. é
um movimento particular, um movimento de partícula (Deleuze & Guattari 1997:
64). Uma vibração, uma passagem, um modo de agenciamento, um devir molecular. Um
devir é uma multiplicidade de dimensões (Deleuze & Guattari1997: 33), um
pluriverso: encontro. E o Eu? O Eu é um .limiar., uma porta, .devir entre
duas multiplicidades. (Deleuze & Guattari 1997: 33), variação. Só um Tonal
suficientemente fluido é capaz de liberar o devir da sociedade que o caçou e o
reduziu (Deleuze & Guattari 1997: 31). Saímos do jogo dos espelhos e
entramos no .jogo de hecceidades., o .entre-dois., a passagem (Deleuze &
Guattari 1997: 38). .Tudo aí é relação de movimento e de repouso entre moléculas
ou partículas, poder de afetar e ser afetado. (Deleuze & Guattari 1997: 47).
O afeto de Deleuze, a potência que subleva o Eu (Deleuze & Guattari 1997:
21), nos lembra o poder pessoal de que fala don Juan: o poder que faz variar, o
poder de devir (Deleuze & Guattari 1997: 64).
É
todo o agenciamento em seu conjunto individuado que é uma
hecceidade;
é ele que se define por uma longitude e uma latitude (um
ponto,
um corpo), por velocidades e afetos, independentemente das
formas
e dos sujeitos que pertencem tão somente a outro plano
(Deleuze
&
Guattari 1997: 49-50).
Os
Planos são modos de agenciamento do Tonal, modos de ser limite, de fazer corpo .
velocidade da passagem. Um Tonal rígido perpassa o Plano dos estratos, das
formas, dos sujeitos e dos organismos. Um Tonal fluido faz o Plano de
Consistência; plano que é um .meio de transporte. (Deleuze & Guattari 1997:
58), um modo de passagem, de movimento veloz ou lento, por entre as dimensões
temporais e espaciais das multiplicidades (Deleuze & Guattari 1997: 35 e 50)
. .Máquina abstrata da qual cada agenciamento concreto é uma multiplicidade, um
devir, um fragmento, uma vibração. (Deleuze & Guattari 1997: 36). Plano da
variação: .infinidade das modificações que são partes umas das outras. (Deleuze
& Guattari 1997: 39). Os agenciamentos se fazem e desfazem continuamente, os
compromissos não são mais incontornáveis no plano de composição de hecceidades
(Deleuze & Guattari 1997: 44 e 48): .a linguagem não é mais a das palavras,
a matéria não é mais a das formas, a afetibilidade não é mais a dos
sujeitos.(Deleuze & Guattari 1997: 44).
Agenciamentos
como percepção das vibrações. Com um Tonal fluido Castaneda percebe o
imperceptível, o .fim imanente do devir. (Deleuze & Guattari 1997: 72). A
desterritorialização da percepção, a fluidez do Tonal perceptor é o encontro de
uma linha de fuga, um devir no Plano de consistência. O devir torna o organismo,
a significação e o sujeito imperceptíveis, fazendo o plano de estratificação
entrar num .movimento de desterritorialização generalizada. (Deleuze &
Guattari 1996: 19). Devir do devir de Castaneda, fluidez do Tonal, fabricação de
um plano de imanência povoado de afetos e velocidades. O Tonal do guerreiro é o
Tonal da variação, a grande máquina abstrata de agenciamentos, de fabricação de
um corpo sem órgãos.
(quarto
corpo ou corpo de energia)
Um
Tonal rígido só permite testemunhar o mundo com a razão e a fala, eis o seu modo
de agenciamento que determina hecceidades como estratos, como corpos
organizados, sólidos e rígidos. O guerreiro precisa fabricar outro plano,
inventar outro corpo, convencer o seu Tonal. O corpo sem órgãos que Castaneda
experimenta é outro modo de corpo, de agenciamento, de individuação, de ponto; é
o modo da passagem: .conexão de desejos, conjunção de fluxos, continuum
de intensidades. (Deleuze & Guattari 1996: 24).
O
CsO [Corpo sem Órgãos] faz passar intensidades, ele as produz e
as
distribui
num spatium ele mesmo intensivo, não extenso. Ele não
é
espaço
e nem está no espaço, é matéria que ocupará o espaço em tal
ou
qual
grau . grau que corresponde às intensidades produzidas. Ele é
a
matéria
intensa e não formatada, não estratificada, a matriz intensiva,
a
intensidade
= 0, mas nada há de negativo neste zero, nem existem
intensidades
negativas nem contrárias. Matéria igual a energia.
Produção
do
real como grandeza intensiva a partir do zero. Por isso tratamos o
CsO
como
o ovo pleno anterior à extensão do organismo e à organização
dos
órgãos,
antes da formação dos estratos, o ovo intenso que se define
por
eixos
e vetores, gradientes e limiares, tendências dinâmicas com
mutação
de
energia, movimentos cinemáticos com deslocamento de
grupos,
migrações, tudo isto
independentemente das formas
acessórias
(Deleuze
& Guattari 1996: 13-14).
Interior
e exterior não são mais perceptíveis: a bolha da percepção foi aberta, e o
reflexo da descrição desaparece junto com o espelho. Mudança de jogo: o desejo
do guerreiro é variar. O seu corpo já não é só a organização da vibração em
órgãos. O guerreiro deseja chegar a ser vibração consciente sem organismo,
chegar à totalidade de si mesmo. O CsO, o ovo pleno, é o seu modo, a sua
individuação: fabricando um CsO o guerreiro se prepara para a experimentação da
totalidade de si mesmo. O CsO é um modo de experimentação das margens, a entrada
na zona de vizinhança . ele próprio .um limite. . um .conjunto de
práticas. (Deleuze & Guattari 1996: 09). O CsO é desejo (Deleuze
& Guattari 1996: 28), assim como o desejo do guerreiro, que o guia no
.caminho com coração.; caminho impecavelmente agenciado. Desejo afinado na
vibração, na velocidade do movimento que se escolheu percorrer. O guerreiro
possui desejo . eis seu modo do haver. E o desejo é
o
poder
impecavelmente caçado e guardado: um sentir.
Há
uma afinação do ânimo do guerreiro com o poder, pois um guerreiro possui um
Tonal fluido que permite à percepção variar o modo, a velocidade, perceber o
imperceptível. Pois, para um Tonal fluido, guardião em lugar de guarda, o limite
e suas fronteiras são margens, brechas fissuras, povoadas de multiplicidades e
atualizadas por modos de agenciamento, de individuação, de pontos de vista, de
corpos. O modo da sensação, o limite-tensão, a passagem do
afeto.
A
cada relação de movimento e repouso, de velocidade e lentidão,
que
agrupa
uma infinidade de pares, corresponde um grau de potência.
Às
relações
que compõem um indivíduo, que o decompõem ou modificam,
correspondem
intensidades que o afetam, aumentando ou diminuindo sua
potência
de agir, vindo das partes exteriores ou de suas próprias
partes.
Afetos
são devires (Deleuze & Guattari 1997: 42).
Afetos
se encontram no corpo, ou melhor, afetos fazem corpo, individuando,
pontuando a perspectiva (Viveiros de Castro 1996). O guerreiro possui uma
perspectiva impecável, afinada. Um guerreiro é um caçador de poder, e o poder é
a possibilidade de variar a perspectiva (a moduladora de velocidades), um puxão,
um nocaute no Tonal do sentido que repousa, imóvel, no lugar que inventamos para
ele. O poder des-loca o Tonal(Castaneda RP: 214); o poder pessoal que o
guerreiro se esforça por guardar provém de uma multiplicidade de
.intencionalidades extra-humanas. de perspectivas variáveis, com as quais o
guerreiro escolhe entrar em relação (Viveiros de Castro 1996: 119). Relação que
o altera, entendendo por alteração a .diferenciação intensiva. (Viveiros de
Castro 1996: 10); alteração que é preciso não atualizar demais, de modo a
conhecer o caminho de volta, a permanecer individuado até o momento
necessário.
Desfazer
o organismo (temporariamente) nunca foi matar-se, mas abrir o corpo a conexões
que supõem todo um agenciamento, circuitos, conjunções, superposições e
limiares, passagens e distribuições de intensidade, territórios e
desterritorializações medidas à maneira de um agrimensor (Deleuze & Guattari
1996: 22).
Só
como guerreiro sobrevive-se ao caminho do conhecimento, pois o encontro com as
forças abre o corpo do guerreiro à variação e, portanto, à morte (Castaneda RA:
247). O guerreiro sabe como preencher a sua abertura, e com a potência do seu
desejo e a impecabilidade de sua crença, de seu agenciamento, ele caça o poder
da relação ao sobreviver à perspectiva alheia . até que chegue a sua hora. O
guerreiro convence o seu Tonal a percorrer as margens, fortalecendo-o para não
sucumbir.
vibração
(Deleuze & Guattari 1997: 36). O CsO é uma borda, ou uma multiplicidade de
bordas, um limite. E as bordas são lugares que operam passagens . limites
imanentes ou limites-tensão. Os limites-tensão, ou os sentidos, traduzindo as
diferentes velocidades das perspectivas em ação, para .coordenadas perceptivas
do espaço-tempo. (Deleuze & Guattari 1997: 32). Os sentidos são bordas,
margens, zonas de vizinhança, de afeto. Lugares de tradução, de passagem entre
multiplicidades. Também interplanos. Dimensão extrema (intensa) que define a
natureza da multiplicidade. As próprias multiplicidades e seus devires são
definidos e transformados por bordas que funcionam como Anômalo (Deleuze
& Guattari 1997: 35). Para Deleuze, a borda é o anômalo com o qual se faz
aliança para devir (Deleuze & Guattari 1997: 28), pois o anômalo conduz à
transformação, à passagem na linha de fuga (Deleuze & Guattari 1997: 33),
operando uma transformação dimensional. Mudar de dimensões é mudar de
multiplicidade (Deleuze & Guattari 1997: 27). O anômalo desdobra as bordas
(multiplicação extensiva e intensiva das margens) e .conduz as transformações de
devir ou as passagens de multiplicidades cada vez mais longe na linha de fuga.
(Deleuze & Guattari 1997: 33). Ele é ao mesmo tempo ameaça e treinador
(Deleuze & Guattari 1997: 28), o que o coloca conceitualmente muito próximo
ao Aliado de Castaneda.
.Um
aliado é um veículo. (Castaneda EDJ: 259), como o plano. Na redefinição das
margens e dos limites, o aliado veicula a passagem, o movimento, a permutação de
perspectiva. O aliado, para don Juan, é uma ajuda indispensável ao saber, .um
poder capaz de levar um homem além de seus próprios limites. (EDJ: 90), meio de
transporte a .mundos inconcebíveis. (EDJ: 109) que só pode ser testemunhado pela
.vontade.. A .característica distintiva. do bruxo é a possessão de um aliado
(EDJ: 273). Dentre as possíveis atualizações, individuações, perspectivas ou
posições, o bruxo é aquele que fez aliança com o aliado, ocupando a partir daí
uma posição anômala. Ele se situa na borda, na margem, na zona de vizinhança, no
modo da variação (Deleuze & Guattari 1997: 28).
Os
bruxos, aqueles que fizeram aliança, são as testemunhas do Nagual. O modo de
testemunhar o Nagual não é o mesmo modo de testemunhar o Tonal. O centro de
percepção do Nagual é a .vontade., um modo de ação, de relação, de variação, de
afeto . uma sensação, um poder. A .vontade. não é uma idéia; a vontade é um modo
de percepção, um modo de .agarrar as coisas. (Castaneda RA: 170-171), um modo de
matéria. A vontade é o modo de relação do guerreiro cujo corpo é uma
abertura por onde a própria vontade agarra o mundo (Castaneda RA: 171).
Trata-se de um .poder dentro de nós mesmos. (nem pensamento, nem objeto, nem
desejo), de uma força que é nossa .liga. com o mundo, da própria relação entre
nós e o mundo (RA: 170). Mundo que pode ser percebido com os sentidos, mas
também com a vontade, pois a vontade é uma .força que provêm de dentro e se
prende ao mundo de fora. (RA: 171).
.Digamos
que un guerrero aprende a entonar su voluntad, a dirigirla a un punto directo, a
enfocarla donde quiere. Es como si su voluntad, que sale de la parte media de su
cuerpo, fuera una sola fibra luminosa, una fibra que él puede dirigir a
cualquier sitio concebible. Esa fibra es el camino al nagual. O también yo
podría decir que el guerrero se hunde en el nagual a través de esa sola fibra.
(Castaneda RP: 237).
As
.fibras largas e poderosas. do guerreiro .guiam. a sua percepção do Nagual
(Castaneda RP: 337). Um homem de conhecimento produz linhas que o unem às
coisas, e pode fazê-las com as mãos, com os olhos, ou com a parte média de seu
corpo, que são as mais duradouras (Castaneda VI: 268). Fibras .como tentáculos.
que lhe dão estabilidade e equilíbrio (Castaneda RA: 124). Estas linhas são
modos de percepção do mundo, que é um sentir, e para produzi-las, para
senti-las, é necessário parar de fazer, ou seja, não fazer. Quando o
guerreiro não faz, está .sentindo o mundo e se sente através de suas
linhas. (Castaneda VI: 268). Um guerreiro é um homem que desenvolve a sua
.vontade., que controla o poder da .vontade. (Castaneda RA: 169). Eis o seu modo
de agenciamento, o seu devir: o .movimento pelo qual a linha libera-se do ponto,
e torna os pontos indiscerníveis. (Deleuze & Guattari 1997:
92).
O
movimento do CsO guerreiro é um devir, uma aceleração (Deleuze & Guattari
1997: 91); um modo de percepção, de velocidade e lentidão, de movimento e
repouso (Deleuze & Guattari 1997: 39); um movimento particular de aceleração
que transforma a própria relação entre as partículas, entre as últimas partes
infinitamente pequenas de um infinito atual (Deleuze & Guattari 1997: 91) .
o movimento relacional e vibracional das mônadas, a operação de uma
passagem.
O
movimento está numa relação essencial com o imperceptível, ele é
por
natureza
imperceptível. É que a percepção só pode captar o
movimento
como
uma translação de um móvel ou o desenvolvimento de uma
forma.
Os
movimentos e os devires, isto é, as puras relações de velocidade
e
lentidão,
os puros afetos, estão abaixo ou acima do limiar de
percepção
(Deleuze
& Guattari 1997: 74).
O
aliado é o que permite a .desterritorialização da percepção., o que dá à
percepção .potência molecular., possibilidade de variar a velocidade,
instaurando um momento no qual .desejo e percepção se confundem. (Deleuze &
Guattari 1997: 77). Neste momento o guerreiro desfaz o seu compromisso com um
modo de estar no espaço e ser no tempo. Varrendo a ilha, ou, como diria Deleuze,
.suprimindo de si o que o impedia de deslizar entre as coisas., o guerreiro se
transforma em hecceidade, entrando numa linha de fuga que é a ligação entre o
.indiscernível., o .imperceptível. e o .impessoal. (Deleuze & Guattari 1997:
74). Como o cavaleiro da fé, o guerreiro confronta a percepção com seu próprio
limite (Deleuze & Guattari 1997: 76).
Os
efeitos do aliado sobre a percepção consistem em que "el aliado se llevaba el
cuerpo de uno" (Castaneda RA: 13). Ele retira a solidez organizacional do corpo,
a subjetivação pesada que prende o desejo no interior de um corpo perfeitamente
limitado e imobiliza o movimento, detendo a passagem, instaurando a duração,
pois o mundo de múltiplas forças e modos de agenciamento que o guerreiro procura
perceber está longe de ser durável: trata-se de um .mundo fugaz. que requer
certa velocidade de percepção para poder testemunhá-lo.
.El
mundo, cuando ves, no es como ahora piensas que es. Es más bien
un
mundo
fugaz que se mueve y cambia.(Castaneda RA: 129).
Ao
retirar o corpo sólido, a diferença extensiva e duradoura, o aliado permite ao
guerreiro a metamorfose, e também o possibilita atravessar as coisas (Castaneda
EDJ: 270). Desta forma, o guerreiro pode acessar outro modo de agenciamento, o
Ver, um modo de atravessar as coisas (Castaneda RA: 171), de passar por
entre os limites, de povoar as bordas, de variar. Modo de agenciamento do
homem de conhecimento, junto com a sua vontade e o seu sentir (RA: 172).
.Ver. é "responder a los estímulos perceptuales de un mundo fuera de la
descripción que hemos aprendido a llamar realidad" (Castaneda VI:
16).
Ver é a grande façanha
de um homem de conhecimento, de alguém que foi além da bruxaria, pois a
bruxaria consiste unicamente, segundo don Juan, em .aplicar uma conjuntura
clave., em interferir (Castaneda RA: 229), enquanto que para ver é necessário
parar de fazer, parar o mundo e se descomprometer com qualquer tipo de
descrição, seja a dos homens comuns ou a dos bruxos (Castaneda VI: 15). Para
Ver é necessário passar por entre as descrições, permitir ao corpo
perceber a .insignificância. das descrições (Castaneda RA: 194). Mas primeiro o
aprendiz deve aprender uma nova descrição, diferente daquela com a qual está
comprometido, de modo a compreender a existência de várias descrições. Uma vez
que o guerreiro percebe a relatividade do objetivo, e não só do subjetivo, ele é
capaz de passar pela fissura, de se enfiar por entre as descrições. Percorrer a
linha de fuga, o entre-dois, passar pelo meio, na .velocidade absoluta do
movimento. (Deleuze & Guattari 1997: 91). .Ver é o ato de perceber a energia
diretamente como flui no universo. (Castaneda EDJ:
33).
Nenhum comentário:
Postar um comentário