terça-feira, 15 de outubro de 2013

DIÁLOGO MENTAL


 
Conceitos iniciais
 
Uma das características do nível de consciência equivalente ao estado de adormecimento consiste na atividade mental constante e mecânica. Por um lado, na maior parte do tempo, essa atividade mental sequer é percebida. Ela permanece como um pano de fundo quase inconsciente, sem relação direta com demandas reais do momento presente. Ou seja, apenas em alguns raros momentos o pensamento é gerado de forma consciente e voluntária, geralmente nos casos onde se faz necessária alguma reflexão ou análise. No restante do tempo, os pensamentos se resumem a meras divagações sem nenhum propósito ou necessidade - eles são encadeados de forma associativa sem que haja, praticamente, nenhuma participação consciente do indivíduo.
Por outro lado, é também muito comum a identificação, que surge principalmente, devido à associação dos pensamentos com elementos de caráter emocional. Por exemplo, julgamentos, críticas, situações em que a pessoa se sente injustiçada, incompreendida, ou outros eventos que deflagram emoções reativas, geram uma cascata de pensamentos associados que são, geralmente, incontroláveis. Essa atividade costuma ser estéril e desnecessária e consome o tempo e a energia que poderiam ser utilizadas de forma mais proveitosa. Outro detalhe é que geralmente, esses conteúdos estão bastante associados com os traços característicos de cada um e tendem a sempre se repetir. Manifestam-se como pensamentos associados a padrões emocionais, que caracterizam e reafirmam as facetas mais comuns da personalidade e mantêm as pessoas limitadas à repetição de seus hábitos mecânicos e quase inconscientes.
Como consequência, a identificação com os pensamentos provê sustentação para uma série de fantasias acerca de si mesmo, que acarreta uma sensação ilusória de identidade – a isso, o Quarto Caminho atribui o nome de "falso eu". Esse aspecto acaba por gerar também, uma perspectiva fantasiosa da própria realidade, onde a relação que se estabelece com ela, acaba sendo limitada por esses conteúdos ilusórios do "falso eu".
É muito comum as pessoas nem sequer estarem cientes desse fenômeno, por isso, no início, é necessário desenvolver a capacidade de prestar atenção a ele para então constatar que esse Diálogo Mental (ou Interno) ocorre de forma geralmente constante e descontrolada. A partir dessa constatação e da prática direcionada, torna-se possível, paulatinamente, se desidentificar desses processos mentais e atingir certo controle.
Ser capaz de atingir o controle e o silêncio mental é um dos objetivos comuns a várias escolas de diferentes tradições. Como a origem e manutenção desse Diálogo estão apoiadas, principalmente, na mecanicidade e no estado de adormecimento da consciência, o esforço em modificá-lo significa um esforço no sentido de lutar contra a mecanicidade em si. Além disso, a qualidade do intelecto e dos pensamentos depende do exercício das capacidades de concentração, atenção, memória, aprendizado, compreensão e reflexão e, por isso, trabalhar com essas dimensões é fundamental.

Causas e conseqüências do Diálogo Mental

As origens do Diálogo Mental que se estabelece ao longo do dia são várias, e geralmente estão baseadas em associações com as mais diversas fontes. Caso a pessoa se disponha a buscar a origem de uma determinada linha de pensamento que por algum



motivo ela foi capaz de flagrar, ela perceberá que essa nem sempre é uma tarefa fácil. E caso ela consiga chegar ao ponto inicial de onde aquela linha surgiu, verá que na maioria dos casos, ela surge como resposta associativa a processos internos desencadeados por algum evento externo ou por alguma sensação pessoal que aconteceu ao acaso.
Porém, é importante perceber que a maioria das linhas de pensamento que surge ao longo do dia, não é sequer conscientizada. Elas se substituem de forma incessante, e configuram um estado bastante permanente de devaneio que somente é interrompido ao acaso, quando, por exemplo, algo captura a atenção e o fluxo cessa por alguns instantes, para depois reiniciar e seguir em outra direção qualquer. Quase tudo na vida comum - caracterizada pela limitada capacidade da consciência - é baseado nessas associações mecânicas, assim, aprender a estar mais consciente e buscar controlar esses processos torna-se uma ferramenta importante.
Prestar atenção ao conteúdo do Diálogo Mental é uma atividade que traz constatações muito interessantes. Uma das características mais comuns é que, geralmente, os pensamentos que fazem parte desse Diálogo referem-se a projeções do passado ou do futuro. Por exemplo, uma conversa com alguém pode desencadear uma torrente de pensamentos depois do encontro já ter terminado. Surgem pensamentos sobre coisas que poderiam ou deveriam ter sido ditas diante de tal e tal colocação que o outro fez e também sobre aquilo que não deveria ter sido dito, etc.. Por outro lado, podem surgir projeções em termos do futuro, por exemplo, o que poderá acontecer diante de certo evento ou de certa pessoa, sendo que muitas vezes, nada daquilo que foi previsto sequer acontecerá de fato, ou nem mesmo corresponde à realidade que surge na hora em que o evento acontece concretamente. Em alguns casos mais extremos, nem mesmo o próprio evento projetado e que gerou tantos devaneios e fantasias, acaba acontecendo.
Assim, de forma geral, esse Diálogo mantém as pessoas fora do momento presente. Enquanto elas permanecem absorvidas dentro dele, o mundo ao redor passa desapercebido e desaparece em meio às sombras.
Outra característica crucial é que esse Diálogo muitas vezes surge como um reforço da própria visão pessoal que se tem de si mesmo e, por conseguinte, da realidade. Certas crenças e visões de mundo, certas necessidades que as pessoas pensam ser fundamentais, desejos, anseios, julgamentos, críticas, pontos de vista são reforçados e mantidos, em parte, devido ao Diálogo Mental. Prestar atenção no que se pensa ao longo do dia é uma atividade que fornece um material muito importante para quem realmente deseja conhecer melhor a si mesmo.
Nesse sentido, certas frases funcionam de forma quase mágica no sentido de produzir uma espécie de encantamento, que tinge a realidade com certas cores muito peculiares. Por exemplo, frases como "não tenho tempo", "estou cansado", "as pessoas são entediantes", "não me sinto bem", "isso não vai dar certo", "eu não vou conseguir", "isso está tão errado", ou outras infinitas formas mais ou menos sutis de pensamento, determinam o tipo de relacionamento que a pessoa estabelece com a realidade e consigo mesmo. Imagine a conseqüência de frases como estas sendo repetidas ao longo do dia por anos a fio, de forma mais ou menos inconsciente. Os exemplos citados são mais extremos, mas a maior parte do Diálogo Mental baseia-se em conjuntos de pressupostos desse tipo, que são produzidos de forma aleatória, em respostas aos estímulos internos ou externos, o tempo todo.
Além disso, em menor ou maior grau, esse Diálogo pode apoiar-se também na própria condição de metabolismo do corpo. Alimentação incorreta, ausência de atividade física

http://www.imagomundi.com.br - 2http://www.imagomundi.com.br - 3


adequada, ausência de sono e períodos de lazer e estresse podem ampliar certas tendências em termos dos pensamentos. Pouca energia disponível para desempenhar de forma adequada as atividades diárias pode dar origem a uma série de linhas de pensamento de cunho mais derrotista, por exemplo. Portanto, até mesmo os hábitos e tendências de natureza mais corporal – além dos emocionais ou mentais – podem gerar linhas de pensamento que se expressam no Diálogo Mental.
Ou seja, a relação que a pessoa estabelece consigo mesma e com a realidade é sustentada e reafirmada através da identificação com certos padrões do Diálogo Mental que são repetitivos e que se impõem com freqüência frente às atividades comuns do dia a dia. E essas tendências fazem parte de teias maiores que desencadeiam certos comportamentos mais ou menos crônicos e mantêm visões de mundo mais ou menos limitadas, teias essas que caracterizam cada pessoa e que determinam certos estilos pessoais e respostas frente à realidade.
Assim, esses Diálogos tanto podem ser a causa de certos padrões de mecanicidade, como também ser a consequência deles – da mesma forma que eles fornecem uma justificativa para que certos padrões habituais se instaurem e se repitam, eles também fornecem justificativas para que esses padrões sejam mantidos e defendidos. E é importante compreender que isso acontece por causa da identificação com esses pensamentos, fato esse acarretado pelo sono e pela mecanicidade e pela confusão da identidade com um "falso eu" que mantém esse processo. Assim, mais do que apenas parar de pensar ou controlar o pensamento, é fundamental aprender a se desidentificar dos pensamentos e aos poucos, plasmar outra sensação de identidade que não esteja mais baseada exclusivamente nessas ilusões sobre si, sobre os outros ou sobre a realidade em geral e que são constantemente defendidas, justificadas e mantidas pelos pensamentos.
Portanto, modificar os padrões mentais equivale a modificar essas teias sobre as quais os comportamentos mecânicos e a identificação com eles estão apoiados, e por isso é tão fundamental trabalhar com esses aspectos. Essa voz que se expressa ininterruptamente como pano de fundo mental, e que raramente é conscientizada, acaba participando na moldagem daquilo que cada um é, e não deveria ser ignorada.

Em um contexto mais amplo, esses Diálogos são também reflexos do meio cultural e da história dos indivíduos que compartilham os mesmos conjuntos de crença. Algumas tradições chegam mesmo a sugerir que os pensamentos não surgem dentro de cada um, mas utilizam as pessoas para se perpetuarem. Atualmente, discussões nesse sentido têm se concentrado ao redor da Memética, uma teoria que nasceu dentro das ciências naturais1. Basicamente, os memes consistem em idéias que se replicam e se instauram nas mentes humanas, e fazem com que as pessoas que participam da mesma sociedade, cultura e momento histórico partilhem da mesma visão de realidade. Isso reforça a idéia que a realidade percebida é uma realidade de consenso, ou seja, ela é compartilhada por todos que estão sob a influência do mesmo conjunto de memes2. Esses pensamentos que vitoriosamente se instauram na cultura, muitas vezes, deflagram tendências comportamentais muito específicas. Até mesmo o papel da mídia e da cultura de massas em moldar e manter esses padrões têm sido discutido por alguns teóricos, por exemplo, o filósofo Theodor Adorno e o psicólogo James Hillman3. Esse último autor, em um dos
1 Richard Dawkins. O Gene Egoísta. Itatiaia. 1976.


seus livros, afirma: "Minha luta é contra os modos de pensamento e os sentimentos condicionados que prevalecem na psicologia e também na forma como pensamos e sentimos nosso eu."
Por isso, a parada do pensamento equivale a atingir um estado peculiar de consciência que está baseado fundamentalmente, em uma quietude interna e numa liberdade em termos emocionais e mentais de associações mecânicas ou impostas pelo meio e que basicamente, são mantidos pelo estado comum de quase inconsciência. E para atingir tal meta é necessário adquirir controle e disciplina sobre esse processo, mas também aprender a se desidentificar dos conteúdos que os pensamentos projetam. É necessário ser capaz de perceber que eles são baseados e reforçam a visão do "falso eu", ou seja, uma identidade que é estruturada pela repetição de padrões quase inconscientes, de traços de personalidades, de estruturas corporais, emocionais e mentais que foram condicionadas e reforçadas pela biografia de cada um. Porém, isso é apenas uma parte do que cada um, de fato, é. Aprender a conferir um valor menor para isso e ao mesmo tempo, resgatar e desenvolver uma identidade mais livre e completa, consiste numa meta fundamental de ser perseguida.

A importância de se trabalhar com o Diálogo Mental

O excesso desse tipo de atividade intelectual costuma desencadear um consumo muito grande da energia. Pode acarretar, ainda, perda de objetividade dos mecanismos mentais, incapacidade de produzir um raciocínio concreto, diminuição da curiosidade e criatividade, excesso de fantasias e distanciamento com o mundo real, e queda da capacidade de memória, aprendizado e concentração. Além disso, como dito acima, é uma das pedras de apoio do estado de adormecimento.
O Diálogo Mental é um dos principais elementos que mantêm o estado de letargia e devaneio que caracteriza o estado de adormecimento. Em casos extremos, a realidade ao redor quase nem é percebida e nesse estado praticamente nada pode ser aprendido, desenvolvido ou adquirido. Aprender a lidar com o Diálogo Mental, desenvolvendo a capacidade de lembrar-se de prestar atenção nele e tentar controla-lo é uma ferramenta poderosa para mudar essa situação. Além disso, como dito acima, aprender a não super valoriza-lo e alimenta-lo, identificando-se com ele e conferindo-lhe um valor que ele não possui, é também fundamental. Aos poucos, é necessário que sejam desenvolvidos novos modelos de realidade, onde haja uma visão de mundo mais abrangente, que busque escapar das dualidades do tipo bom-mau, gosto-não gosto, certo-errado, buscando ativamente perceber novas implicações, perceber o momento presente, ter mais flexibilidade, e buscar por respostas que sejam novas e criativas e mais adequadas para as diversas situações do dia a dia.
É importante notar também que existe uma associação entre o Diálogo Mental e algumas outras esferas que envolvem as relações entre as pessoas e a comunicação em geral. Uma delas é a própria capacidade da fala. Em alguns casos, um excesso de atividade mental inconsciente e descontrolada, afeta a maneira como as pessoas se comunicam e pode conduzi-las a falar demais ou de forma pouco clara, ou de serem incapazes de se expressar.
É importante, por exemplo, aprender a mudar ou modular a velocidade da fala, o timbre da voz, ser capaz de interpor momentos de pausa ou silêncio, aprimorar-se na busca por palavras mais adequadas, perceber e limitar o uso de palavras de apoio que são usadas de forma repetitiva ao longo da fala e que são dispensáveis. E também buscar por



nuances em termos de expressão facial e gestual, ou seja, tentar adicionar qualidade, em diversos níveis, na forma de falar e expressar-se com a intenção de corrigir assim os excessos que são decorrentes da mecanicidade e dos hábitos de ordem mais mental.
Outra esfera que pode ser refinada e que tem relação com a esfera mental é a audição em si, especialmente no que se refere à capacidade de ouvir o que está sendo dito, por exemplo, durante um diálogo ou mesmo, uma palestra ou qualquer outra forma de relação que envolva a palavra. Saber ouvir é uma capacidade que muitas vezes, precisa ser desenvolvida, porque nem sempre há espaço para se ouvir de fato aquilo que está sendo dito. Quando a esfera mental é muito preponderante e atua de forma descontrolada, não há como se concentrar no que está sendo dito por outra pessoa. Acaba-se ouvindo mais o que a própria mente diz do que o que está sendo dito pelo outro. O resultado muitas vezes é um diálogo desconexo onde os envolvidos acabam apresentando uma baixa capacidade de realmente trocar informações de qualidade. Enquanto se conversa com alguém é importante realmente concentrar-se no que está sendo dito e procurar, na medida do possível, aprofundar o conteúdo com colocações que sejam apropriadas, ou ser capaz de conduzir o assunto para outros níveis, de tal forma a aproveitar melhor a oportunidade.
A concentração da atenção na busca por essas modificações, seja da fala ou da capacidade de ouvir, se refletirá na busca por uma conscientização e controle da esfera mental como um todo.
O objetivo final das técnicas que envolvem o Diálogo Mental consiste em tornar o indivíduo capaz de modular e manter o pensamento direcionado para propósitos definidos. Elevar o pensamento associativo e quase inconsciente para outros patamares consiste em uma das atividades que fazem parte das técnicas de ativação do Centro Intelectual Superior, técnicas essas que envolvem outros níveis mais avançados de consciência. Nesse nível de trabalho, contrário ao que se imagina, fica mais fácil perceber que a mente comum não é a origem dos pensamentos – eles são coletados ao acaso e se sucedem quase por conta própria. No entanto, com o desenvolvimento das habilidades superiores da consciência, os pensamentos podem ser escolhidos e focalizados volitivamente, mantidos sob o foco constante da atenção, ou simplesmente suprimidos quando não forem necessários. E isto será uma das bases para a manutenção de um estado de ser mais permanente e desperto.
É fundamental notar que, frente à baixa capacidade de consciência da vida comum, as perspectivas intelectuais que se tem de si mesmo e da realidade acabam sendo atreladas às perspectivas limitadas e aprisionadoras que surgem em conseqüência desses processos mecânicos e habituais que estão sendo apresentados aqui. Por trás dessas perspectivas, permanece à espera, quase que inacessível, um universo de possibilidades em termos do intelecto que apenas muito raramente pode ser atingido, sem que algum treinamento seja feito nesse sentido.

Técnicas gerais para se trabalhar com o pensamento

Existem pelo menos três níveis de dificuldade em se trabalhar com o diálogo: o primeiro é lembrar-se de prestar atenção nele; o segundo consiste em estender a atenção sobre ele por um período de tempo prolongado; e o terceiro consiste em efetivamente para-lo ou pelo menos, colocá-lo sob controle. Todos esses passos devem estar associados com técnicas mais abrangentes de desidentificação e de mudanças mais profundas dos estados da consciência. O passo subseqüente consiste em aprofundar o pensamento,



desenvolvendo a capacidade da reflexão e da apreensão de níveis crescentes de significados.
Prestar atenção nos pensamentos é algo que inicialmente, é possível apenas por pouco tempo, pois geralmente as pessoas se identificam com eles e perdem a chance de observá-los de fora. Por isso, os exercícios dessa fase incluem alguns despertadores, ou seja, elementos que são associados à rotina com a intenção de fazer o praticante recordar-se do exercício e estender sua atenção voltada ao Diálogo Mental ao longo do tempo. Essa fase inclui práticas mais genéricas, que basicamente, buscam expandir a capacidade da atenção.
A atenção colocada por longos períodos sobre o pensamento pode prover material importante para que a pessoa perceba quais são seus hábitos mais arraigados, onde se reage de forma mais mecânica e inconsciente e o quanto as estruturas do ego e da personalidade costumam ser defendidas e justificadas através da atividade mental e emocional em padrões incessantes de identificação. Conhecer essas características pode auxiliar na busca por alterações desse quadro, mas é importante ficar claro que essas alterações deverão ser buscadas dentro de uma perspectiva maior, onde se trabalha com a mecanicidade como um todo e onde se busca gerar novas estruturas de identidade, livres da identificação com o sono e o devaneio.
Existem certas técnicas fundamentais que auxiliam no controle e na parada do Diálogo Mental. Uma das técnicas mais básicas consiste em procurar sentir o próprio corpo, resgatando a consciência corporal – prestar atenção no movimento, deslocamento, calor, densidade, formato do corpo – pois, isso acarreta em um deslocamento da atenção para a esfera física e assim atenua-se a identificação com o Diálogo. Além disso, perceber realmente, de forma plena e consciente, as informações que são captadas pelos cinco sentidos (visão, audição, olfato, tato e paladar) e manter a atenção voltada para isso, é também uma ferramenta básica para parar o pensamento e assim, restituir uma sensação de ser básica e nuclear que não está mais exclusivamente apoiada e identificada com os conteúdos mecânicos habituais.
Outra dessas técnicas é a própria meditação que apesar de ser apresentada em vários formatos por diferentes culturas e tradições, consiste geralmente em esvaziar a mente e manter esse estado pelo maior período possível de tempo. Ela costuma ser feita em um ambiente controlado, livre de distúrbios e interrupções e requer que o praticante seja capaz de relaxar o corpo adequadamente, para que ele não atrapalhe a prática. Algumas linhas sugerem também que se medite sobre um tema em específico, buscando aprofundar o conteúdo e significado desse tema.
Outro conjunto de técnicas que pode ser utilizada consiste nos exercícios respiratórios. Essas técnicas geralmente usam contagens de tempos para a inspiração e expiração ou mesmo, para os momentos de parada. A atenção concentrada na respiração é uma excelente saída para se prolongar a parada do pensamento. Habituar-se a prestar atenção na respiração é um exercício importante para que muitos dos processos mecânicos comecem a perder a preponderância.
Outra técnica excelente para a esfera mental é a da visualização. Essa técnica apresenta várias aplicações e pode tornar-se muito sofisticada à medida que o praticante desenvolve uma real habilidade. A prática inicial da visualização consiste em manter a concentração focalizada em objetos ou cenários mais ou menos complexos que são projetados numa tela mental. Esses objetos ou cenários podem ter uma forma fixa ou mutável (passar por uma série de mudanças voluntariamente induzidas), visando trabalhar e ampliar a capacidade de controle. Ela auxilia a pessoa a aprender a



interromper o fluxo desordenado e descontrolado de pensamentos ao colocar um objetivo focal para a atenção e concentração.
Já as técnicas mais sofisticadas, como a Auto-Observação, Recordação de Si e Presença, visam gerar uma nova forma de identidade mais central e permanente, livre das identificações com os aspectos mecânicos e inconscientes. Elas são também fundamentais para se atingir o controle e parada do pensamento e para permitir o acesso a outros níveis de atividade intelectual, tais como a reflexão e a busca por significados mais abrangentes sobre si mesmo, a vida e a realidade. Essas técnicas já foram apresentadas e podem ser consultadas na lista de referências no final desse texto.
Finalmente, é necessário enfatizar que o pensamento é também uma das capacidades mais nobres do ser humano. Longe de limitar-se aos aspectos mecânicos e vazios de significado e importância que foram discutidos até aqui, ele apresenta qualidades fundamentais. Nesse sentido, surge o conceito grego de intelecto (entelechia), que foi definido por Aristóteles como "a condição de algo, cuja essência foi plenamente realizada" ou na filosofia moderna como "a força vital que motiva e guia um organismo em direção à auto-realização". Infelizmente, tem sido comum observar-se em algumas linhas de trabalho de aperfeiçoamento pessoal, uma postura de crítica e desvalorização do intelecto e do estudo em prol do sentimento ou da experiência. Sem dúvida que este é um dos aspectos mais fundamentais, mas focar-se apenas nisso pode conduzir a uma visão parcial dos processos. A reflexão e a busca por compreender as experiências e sentimentos dentro de um contexto maior, bem como, o estudo de textos importantes originários de diferentes visões e épocas é fundamental para consolidar e aprofundar aquilo que é vivenciado. A partir dessa reflexão, as experiências ganham novos significados, o que permite que os próximos passos fiquem mais claros e também que haja um aumento da intensidade, tenacidade e permanência na busca por trabalhar sobre si e desenvolver e consolidar novos estados. A cada experiência surge a oportunidade de compreender-se o que de fato está acontecendo consigo mesmo e qual é a importância real daquilo que está sendo objetivado. E, infelizmente, isso será perdido se não houver uma real reflexão sobre o que está sendo vivido e sentido, e sem que haja um estudo e confrontação da experiência pessoal com a experiência obtida previamente por outros autores e tradições.

Sugestões de práticas específicas

Abaixo, segue uma lista de sugestões de exercícios específicos que trazem modificações importantes quando praticados de forma sistemática por longos períodos de tempo.

1) Procure observar seus pensamentos sempre que lembrar, ao longo do dia. Mesmo que você se distraia em pouco tempo e esqueça do exercício, retome-o sempre que possível. Aos poucos, conforme você for sendo capaz de seguir sua linha de pensamento, assuma as rédeas e procure "pensar o seu pensamento", ou seja, voluntária e conscientemente, explore e conduza a linha de pensamento que você flagrou para novas dimensões que não lhe sejam habituais. Evite julgar-se ou recriminar-se ou impor qualquer tipo de valoração na linha de pensamento que foi flagrada. Apenas, procure aprofundá-la e encaminhá-la voluntariamente. É provável que depois de algum tempo você volte a se distrair e esquecer. Mas, quando se lembrar novamente do exercício, apenas pegue a linha de pensamento que estiver ocorrendo no momento e aprofunde-a, refletindo sobre os conteúdos e significados dela.
2) Procure escolher um cenário comum, por exemplo, uma praça em um lugar qualquer que lhe seja conveniente. Procure observar esse cenário detalhadamente, buscando

incorporar em sua memória o máximo possível dos elementos. Procure representar dentro de si mesmo cada detalhe quase como se você estivesse fazendo um desenho daquilo que você está vendo: contornos, cores, luz e sombra, perspectivas. Englobe, caso exista, plantas, árvores, bancos, placas, e também o céu, as nuvens, posição do sol. Faça isso detalhadamente e você logo perceberá, que é necessário algum tempo para que isso seja feito com qualidade. Evite qualquer tipo de pensamento ou emoção acerca desse cenário, ou seja, evite dizer para si mesmo, por exemplo, "ali está o lixo e isto é desagradável", ou "ali estão as rosas e elas precisam ser podadas". Ou seja, evite qualquer tipo de pensamento-emoção associativo acerca daquilo que está sendo contemplado. Apenas observe detidamente e detalhadamente o que está no cenário que você delimitou. Feito isso, volte às suas atividades rotineiras e quando você puder, por exemplo, em casa, antes de dormir, procure recuperar o cenário internamente. Resgate em sua tela mental os elementos que você contemplou de tal forma a aproximar-se o máximo possível da imagem original. Nas primeiras vezes em que você fizer isso, surgirão principalmente duas dificuldades. Uma delas é manter a concentração na proposta, pois o pensamento ainda é muito indisciplinado e tenta fugir de todas as formas, do controle consciente que você está querendo exercer. A outra dificuldade consiste em recuperar as imagens com exatidão, pois a memória ainda não está treinada o suficiente para realmente captar e armazenar os detalhes daquilo que foi observado. No entanto, esse é um exercício poderoso de disciplina e controle dos pensamentos e se repetido várias vezes, trará modificações importante tanto na capacidade de observação e de memória, quanto na qualidade do pensamento.
3) Geralmente, os pensamentos acontecem por conta própria, sem que haja uma intenção consciente no sentido de gera-lo e dar prosseguimento a ele. Por isso é importante que, você procure escolher um determinado momento do dia onde você possa concentrar-se e escolher voluntariamente uma certa linha de raciocínio. Você pode, por exemplo, escolher um trecho determinado de um livro que apresenta uma determinada ideia sobre a qual você irá refletir pelo tempo que julgar necessário. Ao longo desse tempo, você deve evitar se distrair com outros pensamentos e divagações, mas procurar analisar a ideia central de diferentes ângulos e aspectos. Para ajudar, você pode, por exemplo, tentar refletir em como pessoas diferentes entenderiam aquela ideia, ou seja, qual seria o ponto de vista de uma senhora idosa, ou de um economista, um adolescente, um artista, e assim por diante. Procure dar vida à ideia, considerando-a dentro desses aspectos diferentes. Seja criativo e disciplinado de tal forma a evitar divagações involuntárias sobre outros assuntos e ao mesmo tempo, aprender a aprofundar e aumentar a qualidade do próprio pensamento. Perceba que não se trata de escolher temas complicados ou excessivamente eruditos, mas sim de romper com a mecanicidade habitual do pensamento, que geralmente acaba se limitando a apenas algumas poucas facetas associadas à visão habitual que se tem das coisas. Outra opção é fazer o mesmo tipo de exercício com algum evento que por um fator qualquer tenha acontecido ao longo do seu dia, ou mesmo algum episódio do passado.
4) Como continuidade da proposta acima, busque escolher um tema que você deseje aprofundar e aprimore seu conhecimento acerca dele. Pesquise os autores chaves, estude, resuma, faça anotações, compare com suas próprias ideias e experiências, reflita, busque por aspectos que estão ocultos nos textos, compreenda a partir de outras perspectivas, etc. Materiais de escolas filosóficas, por exemplo, provêm excelente material desse tipo porque oferecem uma linguagem diferente que geralmente, requer que o estudante adquira novas habilidades de compreensão. Outros temas podem ser

escolhidos, de acordo com sua tendência: ciência, religião ou misticismo, ou arte, música, poesia, etc. desde que você realmente se aprofunde e expanda sua visão e conhecimento.
5) Um excelente exercício de concentração que utiliza a capacidade da visualização é o seguinte. Tente visualizar um triângulo eqüilátero em sua tela mental e aos poucos, corte seus ângulos regularmente por intermédio de 3 retas até atingir um hexágono, como mostra a seqüência das imagens abaixo. Se esse hexágono continuar a ser cortado com as mesmas 3 retas, novamente se obterá um triângulo eqüilátero, só que agora invertido. Pode-se continuar o processo de corte nesse triângulo, repetindo as mesmas etapas, até que ele fique bem pequeno. Ou então, se a diminuição do tamanho dificultar a concentração, você pode voltar ao triângulo maior novamente e refazer o exercício. Repetia-o algumas vezes pelo prazo de tempo que você escolher. Você pode escolher outras formas geométricas mais complexas quando tiver obtido alguma prática. O mais importante é não racionalizar o processo (nem mesmo geometricamente), mas sim se absorver na vivência visualizativa das imagens.
6) Pegue um objeto comum, por exemplo, uma caixa de fósforos e observe-o, ao mesmo tempo em que você o descreve mentalmente. Empregue algum tempo procurando descrever os detalhes da cor, das proporções, materiais do qual é feito, etc. Em seguida, também mentalmente, relacione suas formas e qualidades com as suas funções: por exemplo, a pólvora serve para produzir a chama mediante o atrito com as bordas da caixa, a madeira do palito serve para manter a chama, etc. Depois, procure visualizar a origem do objeto e os passos que ele teve que percorrer até chegar às suas mãos. Por exemplo, procure visualizar a árvore ainda no campo, sob a influência do clima, que depois é cortada e que passa por etapas específicas até gerar os palitos, que são então recobertos em uma de suas extremidades pela pólvora e assim por diante, até o momento em que você comprou a caixa e então, a colocou sob sua vista para fazer o exercício. "Pense" a caixa de fósforos por alguns dias, ou substitua-a por outros objetos. Se lhe faltar informações importantes sobre a manufatura do objeto, pesquise-as. Evite qualquer divagação, julgamento ou valoração do objeto, desenvolvendo e aprofundando apenas os pensamentos que são originários do objeto em si.
7) Ao deitar, procure rememorar o seu dia e faça-o de forma invertida, ou seja, rememore o que você estava fazendo imediatamente antes de deitar-se e continue passo a passo, recordando tudo o que aconteceu até o momento em que se levantou de manhã. Procure lembrar-se dos detalhes sempre, e principalmente, busque não só descrever o que aconteceu mentalmente, através de palavras, mas resgate as impressões que surgiram dos cinco sentidos, as emoções, os estados, etc. Nem sempre isso será possível nas primeiras vezes em que você fizer o exercício; pode até acontecer de você simplesmente se distrair e esquecer da proposta no meio do processo, ou mesmo perceber que você não é capaz de lembrar de, por exemplo, o que você comeu na hora do almoço. Mas esse é um dos exercícios mais eficazes, principalmente porque com o

tempo, ele modifica a atenção que é exercida ao longo do dia, porque gera um tipo de compromisso interno em prestar mais atenção aos detalhes do dia a dia de tal forma a recorda-los melhor à noite. Além disso, o fato da recordação acontecer de forma invertida (desde os acontecimentos mais próximos da noite até os da manhã do mesmo dia) inverte a seqüência mecânica habitual dos eventos, o que aos poucos, desperta uma sensação de novidade associada tanto à recordação quanto à passagem do tempo no dia a dia, que é muito rica e interessante.
Leituras Suplementares


Nenhum comentário:

Postar um comentário