quinta-feira, 3 de outubro de 2013

NA RECEPÇÃO (1)



Mais uma vã com convidados dela tinha acabado de chegar e vomitar uns quatro ou cinco personagens exóticos no tapete vermelho em frente a recepção. Uma garota loira de uns dezoito anos me chamou a atenção ao deitar de comprido sobre a superfície de uma enorme bola vermelha de teflon. Acendi um cigarro e desejei ir até lá carregar suas malas. A sauna foi ligada exatamente á meia-noite conforme ela me pediu e eu orientei os empregados. Entrei na sala de jantar em estado de divagação total pensando pourquoi non entre as paredes de madeira e os linóleos do corredor. Ela ainda estava lá com roupa de treino do kung fu fazendo companhia a um casal de amigos estrangeiros que também tinha chegado á pouco. Levantou da mesa e se dirigiu ao quartinho de dispensa onde eu tinha acabado de entrar e ficado olhando tudo de longe invisivelmente.. parecia decidida e segura com todo aquele suor do treino escorrendo pelo pescoço, ainda que a opinião geral fosse a de que estivesse ficando louca montada em cima de toda aquela grana e com uma vida cheia de possibilidades aberta a sua frente. Para todas as pessoas que a conheciam era no mínimo extravagante continuar afundada naquela pousada a beira-mar deixada para ela pelo ex- treinando artes marciais e comprando livros de quarto caminho pela internet... a idéia de montar um ''grupo de trabalho'' foi do meu ex-marido ela disse o quê? perguntei e ela começou a tatear um colchão novo embalado num plástico no quartinho de dispensa atrás de mim... o que? perguntei de novo ... aquela moça com o gringo é minha ex-cunhada eles com certeza nos vigiarão ela disse... não entendi eu disse... Mas agora eles vão saber ela disse parecia estar falando soziha ainda que fosse tudo dirigido á mim... é pensei entendi mas e daí perguntei... mas voce vai ter que se mostrar escandalizado e que jamais sonharia com uma coisa dessas e que aqui é só um empregado como outro qualquer ela disse.......não se engane ela continuou ela terminou a faculdade de medicina agora e sabe mais da minha vida atual do que voce...hum de repente me chamou e pediu para eu acompanhar o casal até uma das suítes do quarto andar... sua ex-cunhada, uma garota de sedosos cabelos castanhos de trinta e poucos anos combinava firmes tornozelos de moça com um andar experimental e incerto enquanto subia a escada na minha frente de mãos dadas ao gringo dela... num ímpeto imperceptível o marido olhou para trás e buscou meus olhos fazendo uma retorcida cara de patrão contrariado como se o ar nas suas narinas estivesse frouxamente obstruído por panos (tinha um maxilar envelhecido e enrugado e mãos nodosas com as pontas dos dedos avermelhadas típica de alcólatras: era mais baixo do que ela, embora mais denso e barrigudo). Assim que entramos no quarto ela disse que se chamava Susana e enquanto o homem entrava no banheiro apressadamente explicou que Arthur era seu marido e escritor e que tinham vindo para c´ para aliviar o stress da metrópole já que ele havia se enfurecido com o proprio livro e abandonado o projeto de escreve-lo de uma vez por todas e pedido baixa na editora com a qual tinha assinado um contrato de entrega que faltava pouco para expirar o prazo e morreria num maldito prejuízo finaceiro dentro de um mês... e quanto tempo vão passar perguntei.. uma semana ela disse... deixou o livro pela metade e começou a tomar todas todos os dias ela disse ‘’c’est est um livre de bonne foy’’ ele repetiu lá de dentro do banheiro aparentemente soltando um rosnado estranho que era um tipo estranho de riso, parecia estar sentado na privada escutando nossa conversa, com sua cara avermelhada e aspecto ofegante, parafraseando Montagne naquela madrugada que mais parecia feita da substancia dos sonhos noturnos de algum fumador de ópio chines hollywoodiano... aquele frances me fez lembrar um agente belga de uma companhia beneficiadora de diamantes que tinha aterrisado de helicóptero numa boca de garimpo em que eu estava trabalhando há tres anos e o quarto me lembrou o moquifo especialmente arrumado que inventaram no meio da selva para receber o agente, em frente do qual nos reuníamos no acampamento barato da curutela para negociar as pedras preciosas ao longo de horas tensas e intermináveis. ''Como são parecidos uns com os outros esses europeus'' pensei... ''pouco importa se um é escritor e o outro um gangster milionário do mercado negro de pedras preciosas, já nos anos 1970 Castaneda dizia que a Itália era um lugar espiritualmente morto: 'na Itália ou se é católico ou se é comunista, não há mais nada'' pensei enquanto recordava visualmente a cena da selva e da mesa com a gema e como ninguém tinha coragem de sair daquela selva carregando uma gema daquele tamanho na mochila. Dei boa noite ao casal e desci as escadas correndo. Ela voltou do banheiro com a maquiagem retocada, biquíni e caminhando descalça na direção da porta ampla que dava para a praia. Acendeu mais um cigarro e verificou a garrafa de café no balcão. Serviu-se um cafezinho e puxou a canga para o lado, deixando uma das pernas inteiramente á mostra. Andou até a varanda segurando o cafezinho e o cigarro e só de ver sua anca rebolando dentro da saída de praia dava para qualquer um perceber que ela era boa de cama. Mas aquela mulher estava transplantada para outra dimensão durante aqueles dias por causa daquele encontro espiritual que estava organizando, parecia não admitir ter dimensões ou sexo, como numa afronta á Natureza. Achei engraçado o fato de ela se referir áquela balburdia que eu estava vendo se formar na recepção da pousada de ''Grupo de Trabalho''. Temos que admitir ela disse faça uma análise honesta de si mesmo uma única vez na vida ela prosseguiu após acender outro cigarro compulsivamente e lançar um olhar alucinado na direção da praia na escuridão lá fora, do lado de fora do restaurante ‘’Vá ao espelho'' continuou ''Olhe para seu rosto'' ela parecia subitamente engasgada com algum sentimento de revolta extra-terrestre. ’SE VOCE NÃO ACREDITA QUE A VIDA É UM PESADELO, ENTÃO COMECE A VIVER E VEJA VOCE MESMO!!’ concluiu ela imediatamente fui obrigado a sufocar uma vulcanica gargalhada que subiu do meu abdomen revirando minhas tripas e acabou explodindo na xícara de café rente á minha boca PORRA ela disse PERDÃO implorei VOCE ME SUJOU TODA DE CAFÉ e eu corri e peguei um pano para limpa-la. Ela agora já apalpava tudo a sua volta desesperadamente em busca dos cigarros novamente. Era uma patética cena de filme expressionista alemão, aquela jovem louca de olheiras fundas, recém separada e convertida por mim á um arremedo de kung fu life, com direito á tabagismo, drinks e vida sexual desregrada. Mais uma vez atônita atrás dos cigarros enquanto fazia o balanço espiritual negativo do Ocidente, enquanto um reggae de rádio ao fundo morria contra o vento noturno do mar no começo da praia á nossa frente, enquanto um estranho casal provavelmente roncava entendiado no quarto andar, enquanto na recepção se amontoavam granfinos espiritualistas de todo tipo e das mais inesperadas procedências. Pensando bem uma perfeita cena felliniana! Como ela tinha conseguido organizar um encontro daquela magnitude era para mim um desses mistérios que só os redutos mais esquizofrenicos da internet podiam explicar. Tempos atrás, eu tinha conhecido ela num sofá, no meio de uma festa. Ela me olhou nos olhos, por alguns segundos, e começou a falar compulsivamente: "Você gostaria de se casar comigo? Nós abriríamos uma cafeteria. Sim. Uma cafeteria. Numa cidade fria. Cafeteria só funciona em cidade fria. Sim. E depois, imagine! A gente contando os trocados ao fim do expediente. A maldita destilação de moedas. Logo perderíamos a paciência com a escassez da nossa renda, e eu afastaria os lucros da mesa com o cotovelo. Olhos nos olhos, eu te diria: ''FODA-SE ESSA CAFETERIA(!)". Ou sentaríamos na varanda de casa, à noite, olhando a monotonia da vida no subúrbio com o livro de Rimbaud aberto no colo. Ó a morna manhã de fevereiro. O vento sul importuno veio reavivar nossas lembranças de indigentes absurdos, nossa jovem miséria. Então você chegaria por trás de mim e diria, possuído por um inexorável sentido de auto-destruição: cafeteria, tabacaria, projetos literários abortados, tudo não passou de um maldito sonho sujo. E ela voltou a recitar o poema: Era bem mais triste do que um luto. Dávamos um giro nos subúrbios. O tempo estava nublado, e esse vento do Sul excitava todos os odores ruins de jardins arrasados e campos secos. Eu ‘’não estou disponível ’ para você, não sou um ‘’sócio-voluntario do excremento da sua vida e dos seus textos. É claro que você diria isso numa outra língua, cheia de gírias e neologismos incompreensíveis ela disse. Um dialeto cheio de salivação, eu disse. enquanto ela ainda recitava o poema mentalmente e logo voltou a recitalo em voz alta: A cidade, com suas fumaças e ruídos de ofícios, nos seguia tão longe nos caminhos. Ó outro mundo, morada abençoada por céu e sombras ! Então você e não eu chegaria por trás de mim e diria eu disse, possuída por um inexorável sentido de auto-destruição: cafeteria, tabacaria, projetos literários abortados, tudo não passou de pura gratuidade. Eu ‘’não estou disponível ’ para você, não sou uma ‘’sócia-voluntaria do excremento da sua vida e dos seus textos. É claro que você diria isso numa outra língua, cheia de gírias e neologismos incompreensíveis. Um dialeto cheio de salivação, eu disse. E, pela primeira vez, ela sorriu espontaneamente para mim, e continuou acrescentando uma lista infinita de detalhes àquela imagem inicial da cafeteria. Mas ela estava apenas poetando em versos livres, delirando liricamente às minhas custas, indiferente à minha presença, à minha pessoa e à minha existência de uma forma geral. ‘’Para que’’, ela perguntava insistentemente, como que para me fazer falar ainda mais confusamente pressionado pelo seu ‘’teatro da crueldade’’. Quando AGORA. Onde AGORA. Quem AGORA. Ir adiante. Chamar isso de ‘’ir’’. Chamar isso de ‘’adiante’’ De realidade ordinária e corrente também ela disse, como se recitasse pedaços desconexos de um livro sombrio. No quarto, ela se deixou despir bebadamente, depois de uns dois ou três goles daquela coisa rosa e doce que estávamos bebendo. Então, afastei para o lado o vestido sobre seus ombros e ela ficou nua diante de mim. Nem prestei atenção na sua calcinha. Já tinha perdido meia mão dentro dela, quando ela própria arrancou o pequeno adereço cor de rosa e deitou de costas na cama. "Vem cá", ela disse, sem sorrir. (Uma sucessão psicológica de cortes de frisas, faixas atmosféricas e acidências geológicas. ¾ Sonho intenso e prolongado de grupos sentimentais com criaturas de todos os caracteres entre todas as aparências).. Ela rolou exausta para o lado da cama, uma hora depois, e esticou o braço para vasculhar sua bolsa no chão em busca dos cigarros. Eu fiquei quieto, deitado de costas na cama, olhando os desenhos que as rachaduras no teto formavam aqui e ali. Senti o cheiro da fumaça do cigarro dela e pedi um trago, sem me virar para olha-la. Ela passou o cigarro por cima da minha barriga, quase me queimando. E disse: "Um fumante é sempre um fumante, quando a coisa aperta. Ninguém consegue parar...".Acordei de todas essas recordaçoes jogando um pouco de água da pia no rosto com pressa, á final já eram cinco da manhã e logo outra leva de ‘’convidados ‘’ dela chegariam para aquele que prometia ser o encontro espirtitual mais bizarro da história da humanidade e que começaria logo mais com um daqueles entardeceres paradisíacos no gramado atrás da pousada que dava para a vista do mar.
(continua)
KALKI-MAITREYA

Um comentário:

  1. Amigo..preciso da sua ajuda. Poderíamos trocar algumas palavras???
    wncroma@yahoo.com
    Grato pela atenção

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