segunda-feira, 18 de novembro de 2013
Abbadón, O Exterminador
Por Ernesto Sábato
Mais uma vez em sua longa vida sentia essa necessidade de
escrever, embora não lhe fosse possível entender por que, agora,
ela nascia desse encontro com Sabato na esquina de Junín com
Guido. Mas ao mesmo tempo sentia que sua crônica era impotente
diante da imensidão. O universo era tão vasto. Catástrofes e
tragédias, amores e desencontros, esperanças e morte lhe davam
a dimensão do incomensurável. Sobre o que deveria escrever?
Quais desses infinitos acontecimentos eram essenciais? Uma vez
dissera a Martín que em terras distantes podia haver cataclismos
que, no entanto, nada significassem para alguém: para esse rapaz,
para Alejandra, para ele mesmo. E, de repente, o simples canto
de um pássaro, o olhar de um homem que passa, a chegada de
uma carta são fatos que existem de verdade, que para esse ser têm
uma importância que não tem o cólera na Índia. Não, não era
indiferença diante do mundo, não era egoísmo, pelo menos de
sua parte: era algo mais sutil. Que estranha condição a do ser
humano para que um fato tão espantoso fosse verdade. Agora
mesmo, pensava, crianças inocentes morrem queimadas no Vietnã
por bombas de napalm: não era uma infame leviandade escrever
sobre uns poucos seres de um canto do mundo? Desanimado,
tornava a observar as gaivotas no céu. Não, ele mesmo se
corrigia. Qualquer história sobre as esperanças e tristezas de um
só homem, de um simples rapaz desconhecido, era capaz de
abarcar a humanidade inteira e podia servir para encontrar um
sentido para a existência, e até para consolar, de certo modo,
aquela mãe vietnamita que clama por seu filho queimado. Claro,
era bastante honesto para saber (e temer) que o que pudesse escrever
não conseguiria atingir tal valor. Mas esse milagre era
possível, e outros podiam obter o que ele não se sentia capaz de
conseguir. Ou sim, jamais se saberia.
(Abadón, El Exterminador
Ernesto Sábato)
Tradução
Rosa Freire d’Aguiar
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