...o mesmo direito á linguagem religiosa ou a formulação teológica: ''um
certo direito ao excessivo, inclusive ao absurdo, simbólico e descodificante'
(Schuon.OP.CIT.p.47) Sobram em Ionesco o uso de koans zen -análogos ás
perguntas ininteligíveis, umas mais herméticas outras mais paradoxais mas todas
finalmente ininteligíveis para efeitos quânticos do pensamento, outras da
Maçonaría até o século XVIII:"...fórmulas por sua vez insensatas e
explosivas , destinadas a implodir a correnteza de hábitos mentais ou diálogo
interno ininterrupto, que impede a Visão Real"(Schuon.OP.CIT.p.47)
(..)
O que Ionesco, portando ''a força que na religião desapareceu (Scholem)
quer obter, por assim dizer, A QUALQUER PREÇO, logo e evidentemente em
detrimento da lógica (TRAS LAS HUELLAS...Barcelona,Olañeta, 1983;pp.46-47)/ e
mais do que nunca em detrimento de uma lógica ''profana'': a cartesiana urbana:
acadêmica e estéril), ''é que o homem se submeta em qualquer circunstância
(Schuon.OP.CIT.pp.46-47) á coerência primordial, primitiva... á unidade absurda
e original... ressonante e luminosa"(Ionesco.DIARIO II...pp 23-27)
(...)
Nietzsche é aquele que não tenta fazer recodificação. Ele diz: isto
ainda não foi longe o bastante, vocês são apenas crianças. No nível daquilo que
escreve e do que pensa, Nietzsche persegue uma tentativa de descodificação, não
no sentido de uma descodificação relativa que consistiria em decifrar os
códigos antigos, presentes ou futuros, mas de uma descodificação absoluta –
fazer passar algo que não seja codificável, embaralhar todos os códigos.
Embaralhar todos os códigos não é fácil, mesmo no nível da mais simples escrita
e da linguagem. Só vejo semelhança com Kafka, com aquilo que Kafka faz com o
alemão, em função da situação lingüística dos judeus de Praga: ele monta, em
alemão, uma máquina de guerra contra o alemão; à força de indeterminação e de
sobriedade, ele faz passar sob o código do alemão algo que nunca tinha sido
ouvido. Quanto à Nietzsche, ele vive ou se considera polonês em relação ao
alemão. Apodera-se do alemão para montar uma máquina de guerra que vai passar
algo que não é codificável em alemão. É isso o estilo como política. De um modo
mais geral, em que consiste o esforço de um tal pensamento, que pretende fazer
passar seus fluxos por debaixo das leis, recusando-as, por debaixo das relações
contratuais, desmentindo-as, por debaixo das instituições, parodiando-as?
(...)
Ora, materialmente e formalmente, tais textos não são compreendidos nem
pelo estabelecimento ou aplicação de uma lei, nem pela oferta de uma relação
contratual, nem por uma instauração de instituição. O único equivalente
concebível seria talvez “estar no mesmo barco”. Algo de pascaliano voltado
contra Pascal. Embarcou-se: uma espécie de jangada da Medusa, há bombas que
caem à volta, a jangada deriva em direção a riachos subterrâneos gelados, ou
então em direção a rios tórridos, o Orenoco, o Amazonas, pessoas remam juntas
Remar juntos é partilhar, partilhar alguma coisa, fora de qualquer lei, de
qualquer contrato, de toda instituição. Uma deriva, um movimento de deriva, ou
de “desterritorialização”: eu o digo de uma maneira muito nebulosa, muito
confusa, já que se trata de uma hipótese ou de uma vaga impressão sobre a
originalidade dos textos nietzscheanos. Um novo tipo de livro.
(...)
Mais da metáfora do livro.
Como se sabe apartir do paradigma semítico, as letras compareceram ante
YAHVÉ, para que as usasse nesta criação.
Não há nada que não seja uma letra silenciosa da eterna escrita
indescifrável, cujo livro é o tempo.
Jorge Isidoro Francisco Luis Borges.
(...)
De acordo com Safatle, a exposição do modo de produção é o artifício do
qual a arte moderna lança mão para enfatizar seu distanciamento da compulsão
psico-social mimética (reprodução de comportamentos mecâncios) e reforçar a
idéia de que se define pela autonomia em relação às ''representações
naturalizadas na realidade social
(...)
O universo é um livro, diz a sabedoria: todo livro contém o universo. É
preciso recordar que o traço negro de cada palavra se torna inteligível no
livro graças ao branco da página. Esse branco de que a palavra brota e en que
acaba por desaparecer o Silencio Primordial. Princípio e fim de cada criatura,
de todo o criado, o branco escreve para nós o fundamental de toda escritura: o
círculo de mistério que envolve nossa existencia. A qualidade de qualquer
escritura depende da medida em que tramite o mistério, esse silencio que não é
ela. Seu esplendor é enriquecedora abdicação de si. E essa resulta evidente no
tipo de leitura que permite e exige. A palavra portadora de mistério demanda
uma leitura lenta, que se interrompe para meditar, tratar de absorver o
incomensurável: pede releitura, consideração do branco.
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