Obra aberta é um
livro escrito por Umberto Eco, que reúne uma coletânea de ensaios a respeito
das formas de indeterminação das poéticas contemporâneas, tanto em literatura,
como em artes plásticas e música. Sua primeira edição data de 1962, momento em
que a arte europeia assistia à proliferação de obras de arte indeterminadas com
relação à forma, convidando o intérprete a participar ativamente na construção
final do objeto artístico.
O Conceito
Na sua introdução à
segunda edição, Umberto Eco é bastante sugestivo. Dela decorrem três conclusões
fundamentais:
toda obra de arte é aberta porque não
comporta apenas uma interpretação;
a "obra aberta" não é uma
categoria crítica, mas um modelo teórico para tentar explicar a arte
contemporânea;
qualquer referencial teórico usado para
analisar a arte contemporânea não revela suas características estéticas, mas
apenas um modo de ser dela segundo seus próprios pressupostos.
Em "A poética da
obra aberta", a intencionalidade é considerada um pressuposto da obra
aberta. Além de toda obra possibilitar várias interpretações, a obra aberta
apresenta-se de várias formas e cada uma delas se submete ao julgamento do
público. À medida que o autor cria várias obras, deixando ao executante
escolher uma das seqüências possíveis e definir, por exemplo, a duração dos
sons, a própria execução da obra torna-se um ato de criação. Nesse sentido,
autoria e co-autoria acabam se confundindo de tal maneira que já não se pode
falar de uma obra de arte, mas de várias "obras". Cumpre lembrar que,
apesar de seu caráter indeterminado, que pode culminar num sem-número de
configurações formais, ainda assim, segundo a visão de Eco, se pode falar de
"obra", única e individual, na medida em que as várias possibilidades
combinatórias estão de antemão previstas pela estrutura mesma da obra que se
propõe aberta. Em todo caso, a antinomia é bastante clara, servindo de ponto de
discórdia entre os leitores e comentadores do livro.
Na avaliação de
Umberto Eco, as motivações para a poética da obra aberta podem ser encontradas
nas teorias da relatividade, na física quântica, na fenomenologia, no
desconstrucionismo, entre outras. De acordo com o semioticista italiano, essas
teorias científicas e essas correntes filosóficas modernas promovem uma espécie
de "descentralização", de ampliação dos horizontes imagináveis para a
concepção da realidade. Nesse sentido, diante do reconhecimento de que as
poéticas clássicas (identificadas, aqui, com as poéticas anteriores à poética
da abertura) não são mais capazes de lidar com a pluralidade de sentidos do
mundo, nem tampouco com o seu caráter multifacetado, os artistas da obra aberta
se lançam na busca de uma linguagem artística capaz de promover no intérprete
justamente esse sentimento de descentralização e pluralidade.
Além desse primeiro
sentido do conceito de obra aberta, há, porém, segundo Eco, uma segunda
categoria de obras que podem ser denominadas "abertas": aquelas que
são determinadas quanto à forma, mas indeterminadas quanto ao conteúdo. Nesse
caso, poder-se-ia dizer que a abertura é efeito da combinatória de signos que
formam a estrutura da obra, que, evocando os mais diversos sentidos, permitem
ao intérprete fazer, durante a fruição, as mais diversas conjecturas
interpretativas. Dito de outro modo, a forma, acabada em si, é dotada de uma
estrutura que desafia constantemente o intérprete a construir sentido, mediante
inferências a respeito de como a obra foi criada e como ela pode ser
interpretada dentro de um determinado contexto. De certo modo, portanto, a
reflexão da relação entre a indeterminação de sentidos e a participação ativa
na construção dos mesmos por parte do intérprete, ponto crucial da teoria
semiótica de Eco nas suas obras sobre os limites da interpretação, estão, de
alguma forma, presentes em Obra aberta.
Cumpre lembrar que,
de algum modo, toda e qualquer obra de arte tem em si a abertura como
característica fundamental. Isso se deve ao fato de que Eco reconhece na
linguagem da arte a pluralidade de sentidos como traço definidor, em
contraposição à linguagem cotidiana. Sendo assim, devemos distinguir, portanto,
duas categorias de abertura: 1) a abertura como definição da arte; e 2) a
abertura como intenção da obra (decorrente da intenção do autor, mas não
necessariamente dependente dela), que caracteriza o surplus de abertura que
define o conceito de obra aberta.
A Estrutura
Umberto Eco descreve
o procedimento de abertura da obra aberta a partir de dois horizontes teóricos
distintos: a teoria da informação e a semiótica. Com relação à teoria da
informação, Eco sustenta que a obra aberta é aquela que aumenta a entropia da
mensagem, fazendo com que o receptor da mensagem disponha de inúmeras
possibilidades inferenciais a partir de um universo de escolhas. Com efeito, de
acordo com a teoria da informação, uma mensagem é mais redundante quanto
menores forem os percursos possíveis que levam desde a infinita possibilidade
de escolha para formar uma mensagem na fonte até a redução considerável dessas
possibilidades inferenciais quando da composição da mensagem. Em contraposição,
portanto, a obra aberta conserva, na sua forma final enquanto mensagem, uma
entropia básica que indetermina os caminhos possíveis.
No que tange à
semiótica, Eco observa a criação da abertura na escolha deliberada do autor por
aquilo que ele denomina mensagens estéticas (em oposição às mensagens
referenciais): partindo de um horizonte de expectativas mais ou menos claro, em
que se domina não só os aspectos semânticos de um signo, mas também a sua
inserção dentro dos contextos possíveis (o que se poderia entender por uma
pragmática codificada), a autor busca romper com os paradigmas, criando e
combinando mensagens que contradizem o hábito dos usuários de um código. Isso
cria, no entender de Eco, um efeito de constrangimento por parte do intérprete,
que se vê obrigado a decodificar a mensagem segundo princípios semióticos
inéditos. Nesse sentido, a obra aberta se configura, do ponto de vista da
semiótica, como aquela mensagem que contraria os hábitos interpretativos dos
usuários de um código, fazendo com que eles se lancem, para fruir a obra, numa
descoberta ativa de significados possíveis, respeitando sempre uma dialética
constante entre o código compartilhado, a estrutura da obra e a intenção do
intérprete...
Repercussões
Naturalmente, Obra
aberta gerou inúmeras interpretações e apreciações equivocadas ou levianas:
alguns viram nesse livro uma defesa do pragmatismo e do relativismo absolutos,
na medida em que, erroneamente, segundo Eco, identificaram no texto uma postura
de acordo com a qual não há limites para a interpretação de um texto ou obra,
ou que uma obra pode, em princípio, levar a quaisquer interpretações. Mais
tarde, Eco tratou de corrigir o equívoco, dedicando-se ao tema da cooperação
interpretativa e os limites da interpretação, durante as décadas de 1980 e
1990. Outros, ainda, destacaram o conceito de obra aberta de seu pano de fundo
filosófico-estético e o aplicaram a outras disciplinas alheias à reflexão de
Eco. De qualquer forma, o livro teve (e tem) uma grande aceitação no universo
acadêmico mundial e serviu a artistas de todo o mundo como uma espécie de
"manifesto teórico" de um tipo de arte que primava pelo
experimentalismo como valor. É o caso do Grupo 63, um grupo de artistas formado
na Itália na década de 1960, e dos poetas, ensaístas e críticos brasileiros
ligados ao Concretismo, a saber, Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Ferreira
Gullar (que mais tarde abandonou o grupo), de cujo interesse decorreu vários
livros e ensaios, entre os quais A Arte no horizonte do provável, de Haroldo de
Campos, e Informação, linguagem, comunicação, de Décio Pignatari.
(...)
No âmbito das
pesquisas levadas a efeito pelo Movimento Modernista de São Paulo, e a fim de
definir a problemática fundamental de um trabalho poético em curso ,Haroldo de
Campos publicava em 1955 o artigo intitulado ‘’A OBRA DE ARTE ABERTA’’: Neste texto, o poeta paulista procura
delinear ‘’o campo vetorial da arte de nosso tempo’’, com base na conjunção de
obras como ‘’um Coup de Dés de Mallarmé, o Finnegans Wake de Joyce, os Cantos
de Enzra Pound, os poemas espaciais de e.e. cummings, a m´usica de Webern entre
outras...
(...)
Trata-se portanto da
tentativa de estatuir uma nova ordem de valores que extraia seus próprios
elementos de juízo e os seus próprios parâmetros da análise do contexto no qual
a obra de arte se coloca, movendo-se em suas indagações para antes e depois
dela, a fim de individuar aquilo que na verdade interessa:não a obra-definição,
mas o mundo de relações de que essa se origina; não a obra-resultado, mas o
processo que preside a sua formação; não a obra-evento, mas as características
do campo de probabilidades que a compreende. Este, segundo ECO, é um dos
aspectos fundamentais do DISCURSO ABERTO,que é típico da arte, e da ARTE DE
VANGUARDA em particular.
(...)