Entre os
numerosos cultuadores da Religião da Arte e justamente a propósito de uma
paralela referência ao elo tradicional , entra em nossa órbita de atenção a
pintura visionária de Hieronymus Bosh, esse contemporâneo de Leonardo DaVinci
nascido em 1450, conhecido como ‘’o último dos góticos’’ e tbm como ‘’o pintor
dos assuntos estranhos’’. Testemunhar uma pintura de Bosch é entrar num vértice
fosfórico e sem limites de emprego da consciência em que toda realidade se
encontra mudada, metamorfoseada - ''em quê?! : antes de tudo, numa consciência'' que excede as
linhas demarcatórias das convenções cognitivas de todo tipo para dar conta de uma visão espiritual. E se todo chamado
espiritual nos induz a sentir um certo estranhamento metafísico em relação ao
mundo do dia a dia, como uma latência de cultivo embrionário chamado a
desvelar-se através da prática artística, pode-se dizer que a ‘’chamada’’ de
Bosch põe em flagrante evidência justamente esse explosivo momento de fusão do
humano com o metafísico.
Convenhamos
de uma vez em situar o religioso mais além das fronteiras da dogmática e das
ortodoxias e que não se reduza a noção de Religião da Arte á de uma simples
arte com temática sagrada socada dentro. Muito pelo contrário, aqui estamos
falando de um necessário emprego da
consciência idêntico ao que o artista vidente experimentou (dentro da
literatura apocalíptica e mística judaica, na relação hermenêutica que o
exegeta místico mantém com o texto, ele vê novamente a Deus como Deus foi visto
no acontecimento histórico da revelação. Em suma, desde a perspectiva do Zohar,
a experiência visionária é um veículo para a hermenêutica, assim como a
hermenêutica é um veículo para a experiência visionária.) para quebrar essa
fixação reducionista que nos prende ao padrão auto-reflexivo imperante de
percepção e consequetemente de apreciação das obras de arte. ‘’Tão certo como
um bife com batatas fritas’’(Artaud). ‘’ A Arte não é a imitação da Vida. Mas a
Vida é a imitação de um Princípio Supremo com o qual a Arte volta a nos por em
contato’’.(Artaud).
Claro
que é para orientar nossa atenção ao contato com o ‘’conhecimento-direto’’ que
outorga á operação poética mesma em qualquer dos ramos da arte este valor de
sacralidade epifanica, hierofanica, parturiente de intermediação de planos. O
próprio Eliade repetidamente identifica o sagrado como o real, ainda que ele
estabeleça claramente que "o sagrado é uma estrutura da consciência
humana" (1969 i; 1978, xiii). Este argumento deveria favorecer a última
interpretação: uma construção social tanto do sagrado como da realidade. Ainda
que o sagrado seja identificado com a fonte de significância, significado,
poder e ser, e suas manifestações como hierofanias, cratofanias ou ontofanias
respectivamente (aparências do sagrado, do poder ou do ser). Em correspondência
à sugerida ambiguidade do próprio sagrado está a ambiguidade de suas
manifestações.
Eliade afirma que os crentes para os quais a
hierofania é uma revelação do sagrado devem ser preparados pela experiência,
includindo sua tradição religiosa anterior, antes que possam apreendê-la. Para
os outros, a árvore sagrada, por exemplo, continua a ser uma simples árvore. É
indispensável, na análise de Eliade, que qualquer entidade fenomênica possa ser
apreendida como uma hierofania com uma preparação apropriada. Uma retomada da
Coincidentia Oppositorum de Nicolau de Cusa é evidente aqui.
Todo conhecimento vai desde o conhecido até
o desconhecido, mediante o estabelecimento de proporcionalidades.
Não existe proporção perfeita entre a coisa
conhecida e nosso conhecimento dela, nem, em geral, entre o medido e a medida.
Deus é ratio essendi e ratio cognoscendi de
toda a realidade; de modo que, qualquer investigação filosófica tem por
horizonte a Deus. Não há pergunta nem ente que não suponha necessariamente a
Deus como princípio.
Tal
premisa de esterelizar o campo da cognição de todo o anecdótico ou discursivo e
até mesmo de todo o alfabético para deixar limpo em cima da mesa apenas o
símbolo y fundir-se na consciência do mistério que o símbolo transmite,
irredutível a térmos de intelecção discursiva ou emocionalismos fátuos, não
está de acordo com as prácticas en que se
move a cultura de nosso tempo, onde toda a ênfase da crítica sublinha e até
exclusiviza a questão MERAMENTE ANEDÓCTICA (discursiva) de um quadro, um texto
ou uma partitura y não seu aspecto iniciático e sub-liminar que é o que de fato
faz dele universal e eterno, como no caso que se segue.
Para
ilustrar as diferenças entre uma e outra postura diante da Arte, valeria
recordar aquele encontro entre um grupo de antropólogos que fizeram um chefe
indígena desconhecedor de linguagens sonoras alheias a sua cultura, como a
linguagem da música clássica, escutar uma gravação do Réquiem de Mozart. Ao
concluir a audição, o índio refletiu desta maneira: ‘’Finalmente o homem branco
nos trouxe algo que o faz digno de que lhe confiemos nossos segredos’’.
Ver;
http://portalpineal.blogspot.com.br/2012/07/fred-murdock-el-personaje-del-cuento-de.html
eso que
lo visible cotidiano transmite de lo invisible insondable, explica que la
audición del indio traspasase todas las barreras culturales en las que hubiera
quedado capturado el oído anecdótico.
Penetrar
nesta problemática é para nós tanto mais importante quanto André Breton, “pai”
do movimento surrealista, referiu que o surrealismo “repousa na crença na
realidade superior de certas formas de associação negligenciadas até aí, no
forte poder da ruptura do nível de consciência habitual, no jogo desinteressado
da meditação ativa e criativa do pensamento”.
Somente
os artistas que tentaram dar à imaginação iniciática e aos estados superiores
de consciência um papel fundamental - e por isso libertador - nas suas
composições, apresentaram para os primeiros surrealistas um autentico interesse
(caso de Bosch). Por quanto o que lhes interessava e fundamentava era a
transfiguração e a interpenetração dos dois planos num só.
Inclusive
acredito que poderia afirmar-se que para compreender a imersão de um Juan
Eduardo Cirlot no mundo dos símbolos e sua especial maneira de viver e
compreender o símbolo, impõe-se estabelecer sua relação com o surrealismo. A
coexistência de surrealismo e simbologia não é de forma nenhuma contraditória,
como poderia parecer á princípio, devido a que o primeiro é um ismo
vanguardista e o segundo está arraigado nas culturas tradicionais. O
surrealismo pode ser um dos modos de oferecer atualidade histórica á simbologia
metafísica, de modo que a vivencia simbólica não tenha sempre que recair em
nostalgias regressivas e impossíveis de serem reproduzidas no presente, na sua
busca da Realidade imantada e autônoma que atravessa a que habitamos como um
rio ininterrupto.
Post Scriptum
Pode-se demonstrar que na tradição judaica,
particularmente na literatura mística e apocalíptica, há uma relação intrínsica
entre o estudo de um texto e a experiência visionária. Longe de excluir-se
mutuamente, a experiência visionária em si mesma pode ser de natureza
interpretativa, enquanto que a tarefa exegética pode originar-se e desembocar
em um estado revelador de consciência.
As teses deste ensaio, formulado de maneira
simples, é que no Zohar os dois modos, revelação e interpretação, se
identificam e se fundem. E que ocorra essa convergência se deve ao fato de que
a estrutura teosófica subjacente proporciona uma base fenomenológica comum a
ambos. Na relação hermenêutica que o exegeta místico mantém com o texto, ele vê
novamente a Deus como Deus foi visto no acontecimento histórico da revelação.
Em suma, desde a perspectiva do Zohar, a experiência visionária é um veículo
para a hermenêutica, assim como a hermenêutica é um veículo para a experiência
visionária. A combinação destas modalidades constituiu uma enorme força que
exerceu uma influencia profunda nas seguintes
gerações de exegetas judeus. Estabelecidos os nexos entre o estudo textual e a
experiência visionária, a interpretação da Escritura já não foi considerada uma
simples execução do mandato fundamental de Deus, no caso:estudar o Torá (talmud
Torá), e sim que dita interpretação era melhor entendida como um ato de
participáção mesmo no acontecimento-apropriador da revelação por parte do intérprete. A interpretatio mesma se
converteu num momento da revalatio, a qual na linguagem do Zohar comprende
además el proceso de devequt, es decir, la unión del individuo con Dios.
·
Elliot
R. Wolfson,
«A
hermenéutica da experiencia visionaria»
·
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