http://www.igtf.rs.gov.br/wp-content/uploads/2012/03/conceito_TRADI%C3%87%C3%83O.pdf
A
tradição tem, na perspectiva sociológica, a funçã
o de
preservar para a
sociedade
costumes e práticas que já demonstraram s
er
eficazes no passado. Para
Weber, os
comportamentos tradicionais são formas pu
ras de
ação social, ou seja, são
atitudes
que os indivíduos tomam em sociedade e são
orientadas
pelo hábito, pela noção
de que
sempre foi assim. Nessa forma de ação, o ind
ivíduo
não pensa nas razões de seu
comportamento.
O comportamento tradicional seria, e
ntão, uma
forma de dominação
legítima,
uma maneira de se influenciar o comportam
ento de
outros homens sem o uso da
força.
Uma visão
clássica da tradição nas ciências sociais
acredita
que ela teria
dificuldades
em acompanhar as mudanças e, à medida
que o
liberalismo e o
individualismo
foram ganhando espaço no Ocidente, o
s
comportamentos tradicionais
teriam
perdido espaço. As tradições, nesse sentido,
teriam se
enfraquecido com a
industrialização
e o nascimento das sociedades indu
striais,
dando lugar a uma rotina cada
vez mais
preenchida pela ciência e pela técnica.
Mas as
tradições evoluem e se transformam com as no
vas
necessidades de cada
sociedade,
funcionando inclusive para impedir que e
la se
dissolva. Segundo Dominique
Wolton, a
tradição não é mais vista pelas ciências
sociais
como uma coisa arcaica, mas
como
aprendizagem, reapropriação. Para ele, na medi
da que as
sociedades se
modernizam,
a tradição aparece para suportar a muda
nça
social, pois nenhuma
sociedade
muda radicalmente, sendo que cada fase de
mudança
possui também
estabilidade.
Outra
perspectiva comum é a relação feita entre tra
dição e
modernidade. Para
Boudon e
Bourricard, é corriqueira a oposição entre
sociedades
tradicionais e sociedades
industriais.
O problema dessa oposição é que ela nã
o traz
uma definição clara de quais
são as
características de uma sociedade tradicional
. Na
verdade, ela engloba sociedades
tão
diferentes quanto o Sacro Império Romano Germân
ico e a
Babilônia, em contextos
históricos
totalmente diversos. E, assim, a definiç
ão de
sociedades tradicionais termina
por se
basear não nas características que elas comp
artilham,
mas nos elementos que
elas não
possuem, e existem nas sociedades modernas
, como a
escrita, a divisão de
trabalho
com ênfase na produção, as trocas interpes
soais.
Para esses autores, em vista
desses
problemas é muito mais interessante hoje o u
so do
conceito de tradição do que de
sociedades
tradicionais, pois tradição é algo que p
ode
existir em todas as sociedades,
inclusive
nas industriais.
A
tradição como tema de estudos tem também ganhado
espaço na
História.
Eric
Hobsbawm, por exemplo, estudando o mundo conte
mporâneo,
utiliza o
conceito
de
tradições
inventadas
para
denominar o conjunto de práticas, de natureza
ritual ou
simbólica, regulado por regras aceitas po
r todos,
que tem como objetivo
desenvolver
na mente e na cultura determinados valo
res e
normas de comportamento,
por meio
de uma relação com o passado feita pela re
petição
constante dessas práticas.
Para
Hobsbawn, uma das características das tradiçõe
s
inventadas é que elas
estabelecem
uma continuidade artificial com o passa
do, pela
repetição quase obrigatória
de um
rito. As tradições têm como função legitimar
determinados
valores pela repetição
de ritos
antigos (ou de ritos definidos como antigo
s, no
caso das tradições inventadas),
que
dariam uma origem histórica a determinados valo
res que
devem ser aceitos por todos
e se opõe
a costumes novos.
Hobsbawm
defende que um dos aspectos mais fortes da
tradição
é sua
característica
invariável, ou seja, seria um conjun
to de
práticas fixas que, por serem
sempre
repetidas de uma mesma forma, remeteriam ao
passado,
real ou imaginado.
Mas
muitas pesquisas antropológicas recentes, assim
como
trabalhos sobre o
folclore,
contestam o caráter fixo das tradições. P
ara
essas, a cultura popular nas
tradições
e manifestações folclóricas se renova con
stantemente
por meio da criação
anônima.
No caso de Hobsbawm, ele estuda tradições
inventadas
pelas sociedades
industriais,
que, após a Revolução Industrial, tive
ram de
criar novas rotinas e novas
convenções.
São rituais e eventos que, segundo ele,
são
muitas vezes criados por um só
personagem,
no caso das tradições inventadas. É o c
aso do
escotismo, o corpo dos
escoteiros,
instituição internacional criada por Ba
den
Powell, em 1909, com o objetivo de
aperfeiçoar
física e moralmente os jovens. O escoti
smo está
repleto de tradições
inventadas,
na forma de rituais e normas de comport
amento,
constantemente repetidos e
ensinados
aos novos membros. Também a realeza britâ
nica
possui
muitas tradições
mencionadas
por Hobsbawm, algumas inventadas e outr
as
autênticas, sempre repetidas,
como a
cerimônia de coroação ou de sepultamento da
realeza
na abadia de Westminster,
como para
reafirmar a Antiguidade e a legitimidade
da
monarquia. Nesse sentido, tradição
também
tem uma ligação muito forte com o conceito d
e
Antiguidade como um período de
grandes
homens, uma
Idade de
ouro.
Sociólogos
como Tom Bottomore e William Duthwaite,
por sua
vez, acreditam que
o termo
tradição deve ser empregado para as esferas
mais
importantes da vida humana,
como a
religião, o parentesco, a comunidade etc., d
eixando
as esferas menores de ritos e
costumes
cotidianos com o conceito de folclore. Def
endem,
além disso, que as tradições
não são
necessariamente estáticas ou imóveis. Para
eles,
migrações e mesmo
revoluções,
que são fenômenos geradores de mudança
por
excelência, algumas vezes
estão baseados
no desejo de disseminar tradições ou
de
protegê-las. Eles dão como
exemplo a
Reforma Protestante, fenômeno
que gerou
muitas mudanças sociais e
culturais,
mas que teve como base um desejo de reto
rnar às
tradições do Cristianismo
primitivo.
Por outro lado, poderíamos acrescentar q
ue a
colonização da América
espanhola
vivenciou também tentativas da Coroa, da
Igreja e
de determinados grupos
sociais
de transferir para as colônias tradições e
costumes
antigos na própria Espanha,
como o Catolicismo
e a cultura da fidalguia.
Outro
exemplo do trabalho histórico com a tradição
é o
estudo do pensamento
ibérico
barroco e moderno, por Rubem Barboza Filho,
que por
meio da tradição procura
entender
a constituição das identidades da América
Ibérica.
Barboza Filho observa a
influência
da tradição na formação do caráter moder
no da
Ibéria. Pensa tradição como um
elemento
vivo e atuante, que aparece na vida social
do
presente. Afirma que o conceito
de
tradição foi muito utilizado pelos pensadores ib
éricos,
como Unamuno, na passagem
do século
XIX para o XX, como uma forma de crítica
à
modernidade, de projeto alternativo
à
modernização da Europa que não incluía a Espanha.
Muitos
intelectuais espanhóis de
então
defendiam a revalorização das tradições ibéri
cas como
forma de, mediante
elementos
culturais puramente espanhóis, tornar pos
sível
superar a decadência na qual o
país se
encontrava. Os elementos que Unamuno caract
erizou
como tradicionais na
cultura
espanhola foram a fé, a paixão, a mística.
Elementos
opostos à modernidade, por
sua vez
definida pela ciência e técnica. Personagen
s como El
Cid e Dom Quixote, a
tradição
cultural do Século do Ouro (o século XVI n
a
Espanha, auge do império
espanhol),
da Arte barroca, da Inquisição e do pode
rio do
Catolicismo e da monarquia
foram
recuperados na passagem do século XIX para o
XX como
elementos de tradição
úteis
para a construção de uma identidade própria e
conservadora
da Espanha, diante da
expansão
da modernidade ocidental.
Vemos,
assim, que tradição possui muitos significad
os: pode
estar atrelada ao
conservadorismo
e ao resgate de períodos passados c
onsiderados
gloriosos; pode ser
inventada
para legitimar novas práticas apresentada
s como
antigas. Muitas vezes é
pensada
como imóvel, mas hoje cada vez mais estudio
sos
percebem suas ligações com
as
mudanças. Está ligada ao folclore, à cultura pop
ular e à
formação de identidades.
Assim, é
um tema muito prolífico, que dá margem a d
iscussões
variadas. No
Brasil,
onde a cultura popular está sendo recuperad
a cada
vez de forma mais intensa e
onde
também surge um forte movimento de revalorizaç
ão das
tradições e do folclore, é
importante
que os professores de História entendam
os
sentidos dessas noções, assim
como suas
diferenças: enquanto a tradição está atre
lada a
costumes, ritos e valores mais
abrangentes,
o folclore trabalha principalmente com
as
tradições da cultura popular.
In:
Dicionário
de Conceitos Históricos - Kalina Vander
lei Silva
e Maciel Henrique Silva – Ed.
Contexto
– São Paulo; 2006
TRADIÇÃO
Post Scriptum
http://www.reneguenon.net/IRGETGuenonOqueETradicao.html
René Guénon
"Introduction Générale à l'Étude
des Doctrines Hindoues"
Parte II, Capítulo III
O QUE É PRECISO
ENTENDER POR TRADIÇÃO?
Paris 1921.
Edição atual: Maisnie-Trédaniel, 1983
Na China, a separação muito nítida de
que falamos mostra de um lado uma tradição metafísica (Taoísmo, Lao Tsé), e,
por outro, uma tradição social (Confúcio, Confucionismo), que podem parecer
inicialmente não somente distintas, como o são, com efeito, mas mesmo
relativamente independentes uma da outra, mesmo porque a metafísica sempre
permaneceu o privilégio quase que exclusivo de uma elite intelectual, enquanto
que a tradição social, em razão de sua natureza própria, se impõe igualmente a
todos e exige ao mesmo grau sua participação efetiva. Todavia, é preciso tomar
cuidado com o fato de que a tradição metafísica, tal como é constituída sob a
forma de "Taoísmo" é o desenvolvimento dos princípios de uma tradição
ainda mais primordial, contida notadamente no Yi-King , e que é dessa mesma
tradição primordial que decorre inteiramente, se bem que de um modo menos
imediato e somente enquanto aplicação a uma ordem contingente, todo o conjunto
de instituições sociais habitualmente conhecido sob o nome de
"Confucionismo". Assim, encontra-se restabelecida, com a ordem de
suas relações reais, a continuidade essencial dos dois aspectos principais da
civilização extremo-oriental, continuidade que correria o risco de permanecer
desconhecida quase que inevitavelmente, se não se soubesse remontar até sua
fonte comum, isto é, até esta tradição primordial, cuja expressão ideográfica,
fixada desde a época de Fo-Hi, se manteve intacta por um período de quase
cinqüenta séculos.
Após esta tomada de conjunto, devemos agora
marcar de um modo mais preciso o que constitui propriamente esta forma
tradicional especial que chamamos de forma religiosa, depois marcar o que
distingue o pensamento metafísico puro do pensamento teológico, isto é, das
concepções em modo religioso, e também, por outro lado, o que o distingue do
pensamento filosófico no sentido ocidental desta palavra. É nessas distinções
profundas que encontraremos verdadeiramente, por oposição aos principais
gêneros de concepções intelectuais, ou antes semi-intelectuais, habituais ao
mundo ocidental, as características fundamentais dos modos gerais e essenciais
da intelectualidade oriental.
Post
Scriptum
TRADIÇÃO. (filosof.) Corpo de costumes e observâncias de
uma cultura. Difere do atavismo, no sentido de que este se reduz à observância
formal das coisas. Tradição implica em procurar uma dimensão mais profunda,
antes ligada ao ser. A Sociedade Tradicional é, neste sentido, aquela que busca
organizar a cultura da unificação das instituições. O resultado é a busca do
ideal da conquista do paraíso terreno, algo diametralmente oposto a toda a
utopia laica, que opta antes por reduzir os conflitos pela cirurgia castradora
das classes sociais. Religião e esoterismo devem buscar se integrar numa
hierarquia de valores, de modo a fornecer benefícios mútuos. O crente sem
conhecimento pode ser um fanático, e o esotérico sem fé pode ser um presunçoso.
A tradição surge, nisto, como um sinônimo de sagrado (ver), disposto porém a
realizar pontes e a manifestar a unidade, reflexo direto da mentalidade dos
Mestres da qual a Tradição é uma concepção direta. Como já insistia René
Guenón, “Tradição” é o conjunto da civilização una ou unificada, como o Cristã
medieval ou a Budista, fora disto há somente Escolas iniciáticas (por assim
dizer), mas que também podem evoluir para uma Tradição, se tiverem suficiente
abertura social e sabedoria espiritual, e como realmente é muitas vezes a sua função
histórica. As verdadeiras Tradições são bastante parecidas entre si -até por
isto se chamam “tradição”-, e nelas o instrutor é imprescindível, porque nada
tem com amadorismos e individualismos. Muitos confudem “tradição” com Escolas
místicas exclusivas e preparatórias (algumas talvez com certo respaldo no
passado), outra coisa é o Pramantha, a Grande Tradição que olha por todos e não
apenas para uma elite de buscadores, buscando antes colocar esta a serviço do
todo, até para que possam consumar o Caminho. Coisa que as escolas esotéricas
não alcançam fazer, antes vivem às turras entre si disputando as atenções da
população a qual não alcanla influenciar maiormente, como mostram até os mitos
a este respeito. Ver SUNA e SEPARATISMO.
LAWS
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