Carl Gustav Jung escreveu:
‘’As obras do Dr. Daisetz Teitaro Suzuki sobre o zen-budismo estão entre as melhores contribuições para o conhecimento do budismo vivo… Não podemos ser suficientemente gratos ao autor, primeiro pelo fato de ter trazido o zen para mais perto da compreensão ocidental, e segundo pela maneira como realizou essa tarefa.’’
(...)
Post Scriptum
Revista Nures nº 10 –
Setembro/Dezembro 2008 – http
://www.pucsp.br/revistanures
http://www.pucsp.br/nures/revista10/Nures10_eduardo.pdf
Núcleo
de Estudos Religião e Sociedade – Pontifícia
Universidade
Católica – SP ISSN 1981-156X
Introdução
Este artigo trata de alguns aspectos
presentes nos
escritos do japonês Daisetz
Teitaro Suzuki (1870-1966) que
escreveu sobre o Zen
Budismo. Lynn White Jr., nos
inícios dos anos sessenta, comparou o
impacto no Oc
idente dos
Essays in Zen
Buddhism",
de D. T. Suzuki, publicados em 1927,
com as traduç
ões latinas de Aristóteles
feitas no século XIII ou as de Platão,
no século XV
(White Jr., 1963, p. 299). Exageros à
parte, o autor apontava a importância
de Suzuki, qu
e com seus escritos, retirou o
budismo,
pela primeira vez, do confinamento dos
estudos erud
itos e acadêmicos no século XIX, e o
levava para um público amplo, que
neles se inspirou
para transformar, protestar,
reformular seus padrões existenciais.
Entre os auto
res japoneses, ele se distingue por
escrever em inglês, para o público
ocidental. Na d
écada de noventa, voltou à cena por
sua identificação por com a Escola de
Quioto (Sharf
, 1995, p. 116-131).
Margareth Dornish divide a vida
intelectual de Suzu
ki em três fases: uma primeira,
a de preparação, ocorrida na última
década do sécul
o XIX e que vai até a Segunda Guerra
Mundial; a segunda, durante a Guerra e
a terceira,
a partir de 1949, marcada por intensa
divulgação de suas idéias (Dornish,
1970, p. 149).
Poucos trabalhos analisam a obra de
Suzuki, a maioria são artigos,
ressaltando algum tó
pico (Farkas, 1966; Merton, 1972, p.
58-64; Sakamoto, 1978, p. 33-42;
Smith, 1972, p. 13
9-141; Smith, 1977, p. 141-154;
Shôjun, 198, p. 132-16).
Daisetz Teitaro Suzuki nasceu em 1870.
Estudou na
Universidade Imperial de
Tóquio. Praticou o budismo sob a
direção do famoso
mestre Soyen Shaku, abade dos
mosteiros de Engaku-ji e Kencho-ji, de
Kamakura, e
que se destacou na modernização do
Zen budismo japonês. Em 1896, Suzuki
passou por uma
intensa experiência religiosa (o
satori
), e nesse mesmo ano, acompanhou seu
mestre a Chica
go, no Congresso Mundial
das Religiões, cidade que permaneceu,
trabalhando e
m traduções (Shaku, 1971; Emyo,
1973) para o inglês e para o japonês,
então escreve
ndo
Outlines of Mahayana Buddhism
.
Retornando ao Japão, em 1920, Suzuki,
foi contratad
o como professor na
Universidade Otani de Kyoto, onde
permaneceu até a
aposentadoria. Em 1921, iniciou a
edição de uma revista,
The Eastern Buddhist
, dedicada a estudos de erudição
budista,
reformulada em 1962 e que continua a
ser editada
Em 1933, Suzuki doutorou-se em
literatura pela Univ
ersidade de Otani. Os seus
livros mais conhecidos foram
publicados em inglês,
num período de aproximadamente
vinte anos:
Essays in Zen Buddhism, First Series
(1930);
Studies in the Lankavatara
Sutra
(1930);
Essays in Zen Budhism, Second Series
(1934);
Introduction to Zen
Buddhism
(1934);
Manual of Zen Buddhism
(1935);
Zen Buddhism and Its Influence on
Japanese Culture
(1938). Antes da guerra, falece sua
esposa Beatric
e Lane, autora de
Mahayana Buddhism
(Humphrey, 1961, 10)
.
Em 1949, Suzuki publicou
The Zen
Doctrine of No-Mind
. Em 1957, publicou
Misticism: Christian and Buddhist
. Com 86
anos, foi ao México num simpósio sobre
Zen e psican
álise, e algumas conferências foram
depois reunidas em livro por Erich
Fromm.
Sua obra era pouco conhecida antes da
Segunda Guerr
a Mundial, exceto por um
círculo restrito de eruditos, mas,
depois desta, se
transformou na via de acesso ao
budismo Zen mais conhecida no
Ocidente. Parte da po
pularidade de seus escritos advém
da sua descoberta pela
Beat Generation
, ocorrida na década de cinqüenta
(Peçanha,
1988,45). Na década seguinte, sua
leitura foi reto
mada pelos
hippies
e pelos teóricos da
contracultura. (Prebisch,1978,
162-164; Needleman,
1975,46). Outro grupo de leitores foi
constituído por intelectuais do porte
de Martin Hei
degger
1
e Carl Gustav Jung que
escreveu o prefácio de
Introdução ao
Zen Budismo
(Suzuki, 1961, 5-27; Jung, 1980,60-
81). Muitos se inspiraram em seus
escritos para re
fletir sobre o Zen budismo, como Alan
Watts (Watts, 1961, 12) e Christmas
Humphrey (1975,
30). Seus livros repercutem
também em leitores brasileiros, como
Ernani Barroso
(s.d.,9) e Nelson Coelho (1978,17).
A experiência
Neste artigo, privilegiamos os
trabalhos escritos d
iretamente para os ocidentais.
Identificamos, como principais
categorias explicati
vas que Suzuki se vale para expor suas
idéias aos ocidentais, as de
"
experiência religiosa
"
e
"
história
".
Tudo indica que o conceito de
experiência religios
a tenha sido absorvido por
Suzuki de
As Variedades da Experiência Religiosa
, publicado em 1902 por William
James, que entendia a religião como um
fato psicoló
gico e refutava que fosse uma doença.
James mostrava que a experiência
religiosa era extr
emamente comum em sua época, uma
saída dos estreitos limites que a
ciência pretendia
encerrar um mundo rico e complexo
(James, 1963, 493-4).
Suzuki leu William James e em muitas
ocasiões, cit
a-o (Suzuki, 1956, 536 e 581)
e emprega a noção de “experiência” em
vários moment
os. Inicialmente, considera que
tudo
é fruto da experiência (Suzuki, 1978,
133), pelo q
ue “Quando (o Zen) fala da
experiência pessoal, isso quer dizer
abordar o fato
de primeira mão e não por um
intermediário, qualquer que possa
ser.... Do mesmo
modo que a Natureza tem horror do
vazio, o Zen tem horror de tudo o que
pode se apre
sentar entre o fato e nós mesmos. De
acordo com o Zen, não há ponto de
apoio no fato el
e mesmo, combate entre o finito e o
infinito, a carne e o espírito”
(Suzuki, 1976, 47).
A experiência responde às indagações
sobre o sentid
o da vida, desafiada pela
insatisfação. Ela propicia a
descoberta da plenitud
e, através da aquisição de um novo
ponto de vista, o
satori,
a Iluminação (sânscrito:
anutara-samyak-sambodhi
). Sem
satori
,
para Suzuki, não haveria o Zen:
"Sustento... que a
vida do Zen começa com a abertura do
satori
(chinês:
kai ou
)" (Suzuki, 1965, 19 e 21). O
satori
fornece a união das oposições e
contradições num todo orgânico e
harmonioso, recria
ndo o indivíduo (Idem, 292-3).
Ora, ao se apoiar no conceito de
experiência religi
osa, Suzuki apropria-se de uma
construção mental elaborada por
autores ocidentais,
e dela se valendo em múltiplas
dimensões. Serve, ao mesmo tempo, para
apresentar o
budismo numa linguagem familiar
aos ocidentais, e também para indicar
aos japoneses
a possibilidade de modernizar os
discursos budistas com um instrumento
advindo dos p
róprios ocidentais, promotores da
modernização no mundo contemporâneo.
Era válido par
a confirmar a perenidade e a
defesa dos valores budistas, ante os
mesmos ocident
ais. E, afinal, também era um
instrumento intelectual de proteção
contra a desqua
lificação do budismo feita por alguns
pensadores ocidentais.
Desse modo, muito textos dos
Ensaios
contêm argumentos que fazem pensar
serem respostas do pensador budista
japonês ao filó
sofo francês Henri Bergson, autor de
Les deux sources de la morale et de la
religion
, (Bergson, 1950, 980-1250), já que
Suzuki não o desconhecia. (Dilworth,
1985,95). Nes
te livro, Bergson
divide as formas
religiosas em estáticas e dinâmicas, e
nestas últim
as enquadra o budismo, apontando, por
um lado, o papel relevante da
Iluminação, mas, por
outro lado, considerando-o uma
religiosidade inconclusa, porque não
teria ação, cr
iação, amor (Bergson, 1950, 1164).
Ora, Suzuki retoma e contesta Bergson
que afirmara
que a ioga induziria a estados
comparáveis à hipnose (Suzuki, 1956,
32). Como o Ze
n se vale de treinamentos
semelhantes aos da ioga, Suzuki
rejeita a afirmação
bergsoniana considerando-a nada
explicar: “Alguns seres acreditam que
é científico
dar a certos fenômenos um termo que
vem a ser posto em moda, e ficam
satisfeitos como s
e eles servissem de uma maneira que
ilumina seu entendimento"
(Suzuki, 1965, 38-9).
A história
A segunda categoria que identificamos
na argumenta
ção de Suzuki é a história.
Discordamos da conclusão de Margareth
Dornish que S
uzuki desprezava a história
(1970,54). Nas obras que Suzuki
escreveu para os o
cidentais, ele revela um
extraordinário interesse e preocupação
com a histór
ia, ora entendida como uma forma de
consciência, ora como prática
científica. De maneir
a original, Suzuki congrega história e
experiência religiosa, quando afirma:
"O que os mod
ernos estudiosos do Zen têm a fazer
é um exame completo da própria
experiência Zen e da
s formas pelas quais se manifestou
na História" (Suzuki, 1978, 130).
O conceito de experiência religiosa é
central no s
istema de Suzuki, permitindo-lhe
compreender a razão de ser da religião
em geral e,
particularmente, o budismo.
Continuando o debate com Bérgson,
observa que "Cada
religião tem por fundamento a
experiência mística. Sem ela, todas as
suas superes
truturas metafísicas ou teológicas
desmoronam-se..... A maneira de
integrar a experiên
cia torna-se, assim, freqüentemente,
a causa das perseguições as menos
religiosas ou, de
guerras as mais sangrentas. Qualquer
que seja a experiência religiosa
permanece sempre a
energia que sustenta e dirige o
sistema metafísico. Isso explica a
diversidade de i
nterpretações intelectuais mesmo no
interior somente do corpo do budismo,
o Zen aqui e
o Jodô acolá, enquanto que a
experiência, do ponto de vista
psicológico, permane
ce fundamentalmente a mesma"
(Suzuki, 1957, 724).
Deste modo, toda religião com uma longa
história,
é uma somatória de
experiências, e o que os discípulos do
fundador exp
licam é a
visão que dele possuem
.
Para Suzuki, este fenômeno seria
universal, ocorren
do inclusive no cristianismo (Suzuki,
1965,59). O budismo seria constituído
por todas as
experiências e especulações dos
discípulos do Buda e, em particular,
as sobre a per
sonalidade de seu mestre e suas
conexões com a própria doutrina. Desse
modo, o budi
smo seria uma construção histórica
porque não surgiu “acabado” do Buda. É
preciso lev
ar em conta o crescimento da
doutrina: “Na medida em que o budismo
é uma religiã
o viva, e não uma múmia histórica
recheada de materiais mortos e
destituídos de utili
dade deve ser capaz de absorver e de
assimilar tudo o que vem em ajuda de
seu cresciment
o. Isso é o que há de mais natural
para não importa que organismo dotado
de vida. E es
sa vida pode ser discernida sob
formas e interpretações
divergentes" (Idem, 60-61).
Estas afirmações de Suzuki podem ser
compreendidas
como contraponto aos
estudiosos ocidentais que afirmavam
ser a modalidad
e Mahayana, predominante na
China, Coréia e Japão, uma
degenerescência do budis
mo pregado pelo próprio Buda.
Essa avaliação ocidental era ditada
pela ótica posi
tivista da religião, predominante nos
finais do século XIX e reproduzida
muitas vezes em
nosso século.
2
Para tais pensadores,
só os discursos contidos no Cânon Pâli
representari
am o verdadeiro ensinamento de Buda
porque seus sermões exporiam um
ascetismo moralista
e filosófico, que ajudaria a
resolver as oposições entre suas
concepções cientif
icas e a religião. Os mitos, o
maravilhoso, o ritualismo, a devoção
etc., eram tid
os como degenerescência
supersticiosa.. A posição de Suzuki é
de defesa do
budismo Mahayana, especialmente do
budismo japonês. Aceitar a avaliação
ocidental seri
a concordar que o budismo de seu país
era decadente, algo despropósito no
contexto histór
ico japonês de crescimento econômico
e imperialismo.
Entretanto, se a reflexão de Suzuki é
defensiva, n
ão quer dizer adesão passiva à
tradição budista, e apóia o julgamento
crítico para
um budismo moderno (Suzuki, 1965,
68-9). A crítica se funda na
compreensão dos elemen
tos formadores de toda religião com
uma longa história. Neste exercício, é
primordial s
eparar a figura do fundador do seu
ensino, porque é a personalidade do
fundador que de
termina seu ensinamento. O
fundador não tinha consciência nem de
seu ensino e
nem que criava um sistema religioso
novo. Ademais, os discípulos do
fundador, enquanto
ele era vivo, não separavam sua
personalidade do seu ensinamento.
Somente após a mo
rte dele é que sua personalidade
passa a ser o núcleo central do
próprio ensino: "fi
zeram de tal modo que essa
personalidade servia para explicar o
sentido desse
ensinamento" (Idem, p.53).
Há indagações formuladas por Suzuki
indicando que p
ensava numa espécie de
programa para os budistas
contemporâneos e partidár
ios do progresso, como: o que
constitui a essência do budismo? Como
conceber o Bu
da? Qual é a natureza constituinte
do Buda? O ensinamento de Buda
explicaria a vida do
budismo e sua evolução na
história? Haveria no ensinamento oral
de Buda, algo
que lhe dava vida e persistia como
substrato, caracterizando a história
do budismo atr
avés da Ásia? (Idem, 60)
Tal programa lhe proporciona repensar
o budismo na
contemporaneidade e, ao
mesmo tempo, defender o budismo
japonês das crítica
s ocidentais do século dezenove.
Devido o processo de mudanças históricas
ocorridas
no Japão a partir de meados do
século XIX, idéias ocidentais ajudaram
na crítica v
iolenta ao budismo, por parte dos
adeptos da modernização do país. Isto
se manifesta
na reação xintoísta e nacionalista que
descartava toda doutrina religiosa
estrangeira, inc
lusive a do budismo, apesar de estar
no
Japão por quase mil e duzentos anos!
Deste modo, o
budismo japonês era atacado no
estrangeiro e dentro do país. Suzuki o
defende, por
tanto, num momento crucial (Kiyota,
1984, 251-59; Moore, 1975,271-365;
Siefert, 1968, 8
6-132; Vié, 1982). E vale-se de
elementos do pensamento ocidental,
para fundamentar
sua resistência.
Para isso, insere o budismo de seu
país na históri
a geral das transformações do
budismo e, nota, que apesar, das
circunstâncias his
tóricas, o Japão manteve fidelidade a
ele. A experiência do Zen budismo é a
do budismo Ma
hayana e o seu desenvolvimento
histórico se processou no povo chinês
cuja psicolog
ia ou mentalidade, observa, difere
enormemente do pensamento indiano, de
onde o budism
o provinha. Avalia que era uma
contribuição do gênio chinês para a
história da cul
tura de modo geral. Graças aos
japoneses, o espírito do Zen foi
conservado e sua t
écnica completou-se (Suzuki, 1978,
129). Essa é uma das teses mais
queridas de Suzuki:
o Zen é a maneira chinesa de aplicar
a Doutrina da Iluminação budista
indiana à vida prá
tica. Ela é repetida, inúmeras vezes,
no decorrer de sua obra. Ela se
alicerça na premiss
a de diferença cultural entre chineses
e
indianos, sendo os primeiros práticos,
moralistas e
com mentalidade histórica, enquanto
os segundos seriam metafísicos,
transcendentais e e
stariam acima das coisas mundanas
(Suzuki, 1961, 24).
O processo que resultou no Zen chinês
é um complex
o cultural (Idem, 27). O
budismo levou, além de suas práticas,
a sua literat
ura que necessitava ser traduzida e
que
era fruto das grandes tendências
Hinayana e Mahayan
a. Depois das traduções passou-se
na China para outra região de
conhecimentos (Suzuki
, 1965, 135-7), a etapa de
aprofundamento espiritual. Em síntese,
a história d
o budismo Zen na China seria
constituída pela história de seus
líderes budistas
e de seus dramas espirituais marcada
pela transposição cultural do budismo
da Índia. As
crenças foram mantidas em novas
práticas.
Suzuki alerta que não pretende
realizar um estudo
crítico e científico da história
do budismo Zen. Objetiva colocar o
leitor a par da
história tradicional do Zen tal como
contada por seus seguidores no Japão e
na China (Id
em, 209). Remetendo, para suprir
lacunas históricas, às grandes linhas
gerais da his
tória da própria religião. Deste modo,
procura o elo lógico entre a doutrina
Mahayana da I
luminação na Índia, e sua prática
buscada pelos chineses no cotidiano
(Suzuki, 1965,
238 e 240).
Realizando a leitura minuciosa de
fontes tradicion
ais, complementada pela crítica
erudita, inclusive percebendo as
mudanças das palav
ras e conceitos utilizados por seus
autores, Suzuki constrói uma história
"moderna" par
a o Zen e re-examina a história dos
patriarcas Zen na China, de
Bodhidharma a Hui-neng,
o sexto, ao qual dedica um estudo
particular (1989). Com isto percebe as
transformaçõ
es do Zen na China, e o predomínio
de determinadas orientações sobre
outras, dando a c
onfiguração atual ao Zen japonês.
Com sua maneira peculiar, Suzuki
escreve a históri
a do Zen budismo, não se
preocupando com precisões de ordem
cronológica ou s
istemática, mas traçando uma
história extremamente coerente, das
transformações
internas ocorridas no Zen e
descrevendo instituições (1961, 107)
.
Examina uma série de casos pessoais de
realização
espiritual, onde seus atores
empregavam conheciment
os intelectuais e vontade. E nota a
que a história do Zen seria marcada
pela tendência
de obscurecer a experiência do
cotidiano e transformá-la em
reflexiva. Com isto, d
e um lado, nasceria a obtenção
artificial daquilo que os mestres
primordiais produ
ziam de maneira espontânea, mas, por
outro lado, o Zen alcançaria uma
quantidade maior d
e pessoas.
As intencionalidades
Esta construção da história do budismo
Zen por D. T
. Suzuki, se insere em duas
intencionalidades: uma, a reforma do
budismo o japo
nês e, a outra, a comunicação do
budismo aos ocidentais em categorias e
num discurso
que lhe fossem familiares.
A premissa básica é considerar o budismo
como funda
mento da própria cultura
japonesa (Suzuki, 1958,viii). Num
texto de 1930, S
uzuki analisa as fases históricas do
budismo japonês, buscando seus
valores, desde os se
us primórdios (Suzuki, 1957, 1352).
Do século XII ao século XIX, foram séculos
de paz,
sem estímulos, as organizações
tornaram-se poderosas, a hierarquia
eclesiástica to
rnou-se mais refinada e mais
complicada, as autoridades
tradicionais eram mais a
ristocráticas, a fé e a devoção mais
formais e a especulação se petrificou,
perdendo o b
udismo sua vitalidade (Suzuki, 1957,
1362).
No período da segunda metade do século
XIX até 19
30, os budistas sairiam da
letargia, quando desmoronou o
feudalismo, o xintoís
mo recobrou forças pela intervenção
oficial, ocorreu uma perseguição atenuada
ao budism
o e as subvenções das autoridades
locais ou centrais foram suprimidas.
Em meio século
mudou a situação. Houve estímulo e
revitalização sustentada pela
qualidade permanente
do budismo, força poderosa que
alimentou os japoneses, enquanto nação
e como indiv
íduos. Sem ele, o Japão não poderia
ter o seu estado atual de cultura e de
iluminação,
pois deixou uma impressão permanente
sobre as artes, os costumes e a
cultura (Idem, 1362
-4).
Suzuki, ao identificar o budismo como
fonte viva de
orientação do povo japonês,
via nisto o argumento para pressionar
os líderes bu
distas japoneses a uma modernização
de sua religião. Para tanto, se apóia
em dois instr
umentos: o modelo do universo
religioso
chinês a ser refletido pelos seus
conterrâneos e le
var a mensagem budista aos
estrangeiros.
Se estes se interessavam é porque
havia no budismo
japonês algo de valor que devia ser
preservado.
Tanto quanto a utilização de
categorias de pensamen
to originadas no ocidente, o
pensador japonês tem para si uma espécie
de missão
de divulgar o budismo japonês no
Ocidente. Isso aparece em vários de
seus livros, es
critos em momentos diferentes. O seu
texto mais popular,
Introdução ao zen budismo
, são artigos publicados no Japão
durante a
guerra de 1914 e que em 1934 foram
transformados nu
m livro (1963, 3). Em 1950,
confessa, num texto, que seus
encontros, com jovens
americanos e ingleses, fizeram que
reestudasse sua compreensão do Zen e a
expusesse nu
m novo discurso (1977, 11).
Estas duas intenções se lastreiam numa
concepção am
pla do budismo. Suzuki
afirma que o budismo é originalmente
democrático e
prático (1958,1357). Isto pode ser
entendido também como uma crítica ao
budismo japonê
s de então ser extremamente
voltado para si mesmo. A
democratização não era só
para o budismo, mas acompanharia
a sociedade inteira (1971, 96).
Lembremos que, até
falecer Suzuki, predominava a
Guerra Fria. Neste contexto histórico,
propugna que
o Budismo permitiria o diálogo
Ocidente-Oriente, (Suzuki, 1957,
1363-4) criando um
espírito de tolerância (Suzuki,
1968,86).
Daisetz Teitaro Suzuki não expôs um
budismo estrita
mente acadêmico e erudito,
ou mesmo, um budismo de uma só escola,
mas pretendi
a mostrar um budismo abrangente.
Lembro que Suzuki poucas vezes em seus
escritos tra
ta da meditação Zen, nem a
descreve, nem aponta os textos
japoneses onde estej
a contida. Isto dava à sua visão do
budismo um caráter peculiar e distante
do que era e
nsinado pelos templos e mosteiros.
Sem dúvida, estava também relacionada
com as transf
ormações do budismo japonês
contemporâneo. Isso transparece na sua
compreensão
da história. O historiador chinês Hu
Shih (1961, 2-30), discordou de Suzuki
sobre o pape
l histórico do Zen na China.
Considerava que o Zen era uma revolta
contra o budi
smo indiano, estrangeiro e estranho
à China, enquanto que Suzuki via o Zen
como a forma
a mais eficiente, de assimilação do
budismo pelos chineses (Suzuki, 1956,
135).
A polêmica retratava a oposição de
duas maneiras d
e compreensão da experiência
religiosa. Suzuki propugna uma
experiência Zen, des
vestida de toda a nomenclatura
advinda das instituições budistas e
despojada da li
nguagem tradicional oriental,
compondo como que o centro de toda
experiência reli
giosa autêntica. Aqui estaria o
critério básico para compreender o
budismo, o crist
ianismo e as demais religiões. Daí seu
interesse em estudar Eckkart (1976),
ou o seu diálo
go com Thomas Merton (1972, 93-
127). A isto se opunha Hu Shih que
considerava o Ze
n como um produto puramente
histórico (Hu Shih, 1961, 136).
Finalmente, Suzuki considera a
compreensão históric
a - mesmo crítica -, como
provisória; só a experiência religiosa
seria defini
tiva. Isto o faz retornar ao budismo
como
religião, retornar à sua tradição
religiosa (Suzuki
, 1965, 61).
É provável que a pretensão de
universalidade expost
o nos escritos de Suzuki sobre
o Zen tenha sido um dos motivos de seu
sucesso jun
to aos seus leitores ocidentais. Sua
análise histórica deixa de lado
fatores econômicos
e, brevemente, toca em aspectos
políticos e sociais do Oriente.
Afinal, ele mesmo c
onfessara não querer ser um
historiador,
mas não deixa de lançar mão da
história, num verdad
eiro paradoxo porque pretendendo
seus escritos ser universais sua
leitura revela sua
particularidade.
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