Poesia e hipertexto: construções de sentido
Vinícius José Alves
Mestrando em Estudos de Linguagens (CEFET-MG)
Em época de transformações radicais marcadas pela técnica e pela tecnologia e em que falta um ponto de vista mais conceitual, cabe avaliar novas linhas de pensamento para áreas como a poesia e o hipertexto. Em um mundo dominado pela mídia, torna-se necessário indagar: o que pode ser considerado poesia hoje? Para refletir sobre essa questão, mais do que respondê-la, faz-se necessário analisar o fenômeno do processo de criação e recepção da imagem poética, do estranhamento que fomenta o pensamento crítico e criativo para criar sentido. A poesia, tradicionalmente, não depende de meios eletrônicos para realizar a sua forma de virtualidade, já que advém de possibilidades múltiplas, criando imagens, sons, ritmos e sensações.
Poesia tem algo a ver com a narração de sonhos, a transformação de imagens em palavras. E é por meio da linguagem que isso pode ser feito. A linguagem é algo que põe em cena a ausência, mediando o mundo e o sujeito. O sujeito tem sua experiência poética é no exercício da linguagem. Na verdade, tanto a obra poética quanto o sujeito precisam da linguagem para existir. Em O livro por vir, Maurice Blanchot diz que a literatura vai para sua essência, que é o seu desaparecimento, já que no passado a arte estava mais próxima do absoluto, da glória. Então nos mostra um Mallarmé que se vira para uma busca obscura e contraria o pensamento dizendo "não sou eu que falo, é o deus que fala por mim", propondo assim o desaparecimento do sujeito, a neutralidade e, com isso, afirmando que arte, obra, verdade e linguagem são postas em causa e entram em um "espaço de risco".
Sobre o devir, Blanchot entende que tem de haver atração para a "obra" acontecer; para ele, "o que atrai o artista não é a obra, mas a busca da obra", pensamento compartilhado, segundo ele, por Valéry e Kafka quando dizem "toda minha obra não passa de exercício". Para Blanchot, a literatura tem de preencher os espaços não preenchidos. É preciso ler os processos formadores da escrita quanto às origens e destinação para que se atinja o "acontecimento", pois a literatura começa com a escrita; o que está escrito pertence à literatura, quem lê lê literatura, um espaço sagrado, fechado, espaço literário onde a escrita deve acontecer, acontecer na neutralidade ou na "experiência da neutralidade" de uma escrita branca, ausente e neutra. Blanchot lembra, ainda, que Mallarmé incita-nos a decifrar um enigma: "existe algo como as letras?", para em seguida responder "sim, a literatura existe, e se quiserem, sozinha, à exceção de tudo". Isso significa que a literatura só pode ser concebida a partir da experiência. Para ele "onde existe ritmo, há verso", só o verso tradicional pode vencer o acaso, fundar o espaço (abismo e fundamento da palavra), espaço este que é o que não permanece.
Michel Foucault disse um dia que a literatura é um "oco aberto no interior da linguagem"; seria um "espaço vazio", uma "brancura essencial" o espaço vazio da linguagem que não cessa de esvaziar a literatura. Propõe uma distinção entre literatura e linguagem: literatura seria nem obra nem linguagem, mas uma relação entre obra e linguagem. O autor de Pensamento do Exterior nega, recusa a literatura. Para ele, a obra é a distância que há entre a linguagem e a literatura, uma espécie de desdobramento, um simulacro. Tudo isso dentro de um espaço virtual, um espaço de troca onde não há nem literatura nem obra, mas uma troca incessante. A ausência e a iminência da literatura, que vai para sua distância. Para Foucault, o livro-obra é um assassino que assume o projeto frustrado de fazer literatura, em que a literatura encontra e funda o seu ser, "o livro de Mallarmé", com seus espaços vazios e suas brancuras essenciais como formas de devir. Senão, façamos a leitura de um dos poemas de Mallarmé, "Brisa Marinha", na tradução de Augusto de Campos:
Nada, nem os jardins dentro do olhar suspensos,
Impede o coração de submergir no mar.
Ò noites! Nem a luz deserta a iluminar
Este papel vazio com seu branco anseio.
Impede o coração de submergir no mar.
Ò noites! Nem a luz deserta a iluminar
Este papel vazio com seu branco anseio.
Vamos agora comparar com "A lição de poesia", de João Cabral de Melo Neto:
Toda a manhã consumida
Como um sol imóvel
Diante da folha em branco
Princípio do mundo, lua nova
Como um sol imóvel
Diante da folha em branco
Princípio do mundo, lua nova
Já não podias desenhar
Sequer uma linha;
Um nome, sequer uma flor
Desabrochava no verão da mesa.
Sequer uma linha;
Um nome, sequer uma flor
Desabrochava no verão da mesa.
Percebe-se claramente que há nos versos uma representação da materialidade de escrever, ameaçada no limite da esterilidade. Nota-se o trabalho dos poetas em conhecer as palavras para dar origem à criação do poema, para preencher o "branco do papel" com a escrita. Vê-se como o poeta se sente estéril, já que nenhuma palavra "desabrocha" no papel; como o poeta não precisa da inspiração, passa então a utilizar a emoção, os gestos e sonhos para poder criar a sua "obra", dar visibilidade ao invisível, encerrar a sua criação e, a partir desse suposto encerramento, iniciar outras criações. A "literatura imagina sempre outra coisa": a obra e o segredo do devir. Blanchot afirma que a presença da poesia é uma presença por vir: vem para além do futuro e não cessa de vir quando aí está. A obra é a espera da obra. Só nessa espera se reúne a atenção impessoal que tem por caminhos e por lugar o espaço próprio da linguagem. Nesse espaço – o próprio espaço do livro –, jamais o instante se sucede ao instante de um devir irregular; o acontecimento que serve de ponto de partida ao poema não é dado como fato, é como que outra linguagem instituindo o novo jogo do espaço e do tempo. A obra literária está aí, indecisa entre a sua presença visível e a sua presença legível.
O escritor de Pena de Morte leva a pensar uma nova compreensão do espaço literário:
Se (um pouco apressadamente) admitirmos que Mallarmé sempre reconheceu no verso tradicional o meio de vencer o acaso <<palavra a palavra>>, veremos que há em Un coup de dés uma estreita correspondência entre a autoridade da frase central que declara invencível o acaso e a renúncia à menos arrojada de todas as formas: o verso antigo. A frase Jamais um lance de dados abolirá o acaso mais não faz que produzir o sentido da nova forma cuja disposição traduz (Blanchot, 1984, p. 245).
Sem dúvida, ao realizar uma leitura acurada das proposições de Mallarmé, nota-se a sua busca por um livro sem autor e sem leitor, não necessariamente fechado, mas sempre em movimento, que necessita de um mediador. "Ele é a leitura: o movimento de comunicação pelo qual o livro se comunica a si próprio – a princípio, segundo as diversas trocas físicas que as mobilidades das folhas tornam possíveis" (Blanchot, 1984, p. 254).
A partir de 1866, Mallarmé pensou e disse sempre a mesma coisa sobre o livro: que significava esta palavra? Em nota de pé de página, Blanchot explica:
O livro constituído de folhas móveis. Poderíamos mudá-las de lugar e lê-las, certamente não por uma ordem qualquer, mas segundo várias ordens distintas, determinadas por leis de permuta. O livro é sempre outro, muda-se e troca-se ao confronto da diversidade das suas partes, e assim se evita o movimento linear – o sentido único – da leitura. Além do mais, o livro, desdobrando-se de novo, dispersando-se e reunindo-se, mostra que não tem qualquer realidade substancial: nunca esta aí, incessantemente a desfazer-se enquanto se faz (p. 254).
Atualizando as noções de Mallarmé sobre o livro, podemos pensar em uma antecipação daquilo que entendemos como hipertexto? Parece-nos haver, sim, a possibilidade de perceber a contribuição e a influência do hipertexto no ato da escritura; o poeta se depara com o hipertexto. Que impactos poderá ter a prática do hipertexto em um gênero tradicional como a poesia? O primeiro impacto parece ser o do fluxo, quando a poesia movimenta-se para outras mídias, a expansão do texto literário, no caso para a hipermídia, passando a incorporar outras linguagens. O segundo impacto evidentemente é o do retorno ou refluxo, que advém das intervenções radicais sobre a subversão da produção poética ganhando novas possibilidades estruturais. O hipertexto, por ser um ambiente novo e único, permite a presença do leitor na história e a possibilidade de o poema ser observado por esse leitor. A poesia fica suscetível a mudanças contínuas no texto, dando-lhe fluidez, pluralidade e descontinuidade.
Debater sobre o hipertexto é debater sobre os assuntos da natureza das linguagens, ou, como diz Lúcia Santaella:
Um dos aspectos evolutivos mais significativo dessa conjuntura revolucionária está no aparecimento e rápido desenvolvimento de uma nova linguagem: a hipermídia. (...) Para ela convergem o texto escrito, o audiovisual e a informática. (Santaella, 2001, p. 390).
Trata-se, de fato, de uma linguagem em um novo tipo de meio ou ambiente de informação no qual ler, perceber, escrever, pensar e sentir adquirem características inéditas (Landow, 1994, p. 11). Como afirma, então, Santaella, "a hipermídia é uma linguagem interativa".
Pensando nesse debate sobre a poesia no hipertexto, com a intenção única de refletir acerca do tema, não podíamos excluir um pensamento fundamental de Octávio Paz, em O arco e a lira:
A dispersão da poesia em mil formas heterogêneas poderá nos levar a construir um tipo ideal de poema. O resultado seria um monstro ou um fantasma. A poesia não é a soma de todos os poemas. Por si mesma, cada criação poética é uma unidade autossuficiente. A parte é o todo. Cada poema é único, irredutível e irrepetível (Paz, 1982, p. 12).
Percebe-se na citação que a concepção de Octávio Paz é aquela na qual a experiência do poema é algo único e intransferível. É essa íntima relação entre o poeta e a sua poesia que vai ao encontro da concepção bandeiriana de poesia como fenômeno vital, inexorável e irreprimível, noções traduzidas nos versos de "Desencanto":
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
(...)
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
(...)
- Eu faço versos como quem morre.
(...)
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
(...)
- Eu faço versos como quem morre.
"Lirismo informe", observou judiciosamente Mário de Andrade, "é o estado poético, mas não é poesia. Poesia é justamente o lirismo que se enformou". Nesse jogo envolvente podemos associar lirismo à poesia e linguagem ao hipertexto como formas de aproximação, legitimação e construção de sentidos? Indagações como essas devem ser formuladas nos dias de hoje?
As respostas não são fáceis e podem apenas ser pensadas como tentativas iniciais de compreensão precária.
Referências bibliográficas
BLANCHOT, Maurice. O livro por vir. Trad. Maria Regina Louro. Lisboa: Relógio d’água, 1984.
CAMPOS, Augusto. Mallarmé. In: Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1974.
FOUCAULT, Michel. Pensamento do exterior. Trad. Inês A.D. Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990
MELO NETO, João Cabral de. A biblioteca imaginária. São Paulo, Ateliê, 1996.
PAZ, Octavio. O Arco e a lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
SANTAELLA, Lúcia. Linguagens Híbridas. In: Matrizes da linguagem e pensamento – sonora, visual e verbal. São Paulo: Iluminuras, 2001.
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