Sobre a mudança climática, o governo
brasileiro e os povos indígenas’. Nota das organizações indígenas
“Ao governo, às organizações não governamentais
e outros interesses estranhos exigimos que parem de assediar e inculcar nos
nossos povos e comunidades ilusões e propósitos relacionados com o mercado de
carbono que podem comprometer a sua integridade sociocultural, respeitando o
nosso ritmo e a criação de condições para o entendimento desta e outras questões
emergentes, em prol da preservação dos nossos territórios e suas riquezas, mas
principalmente da nossa vida”. A afirmação integra a nota pública da Articulação
dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), reproduzida pelo sítio do Cimi,
09-11-2010.
Eis a nota.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
(APIB), considerando a contribuição milenar dos nossos povos proteção e
preservação da Mãe Terra, da biodiversidade, de milhares de espécies animais e
vegetais, das reservas de água doce, de plantas medicinais e no enfrentamento
das mudanças climáticas, entre outros feitos, rechaça a visão reducionista que
vê em nossos territórios apenas depósitos de carbono, potencialmente lucrativos,
nem sempre para as nossas comunidades. As nossas terras são o nosso lar, a base
de sustentação da nossa identidade e cultura e da nossa convivência com outros
seres vivos e demais elementos da Natureza.
Portanto recusamos o olhar mercantilista com
que mais uma vez agentes externos, nacionais ou internacionais, se aproximam de
nossos territórios e povos, incentivando-os a se envolver em potenciais negócios
milionários, sem antes entender a complexidade das mudanças climáticas , além de
seus efeitos ou impactos, considerando a história e o contexto da atual crise,
que não é só climática, mas também econômica, energética, ambiental, social e de
valores.
Daí que os governos dos países ricos, e agora
aderidos pelos países ditos emergentes, dentre eles o Brasil, estão mais
preocupados em recuperar o seu poderio, no controle ou repartição do mundo, ao
invés de consertar o estrago que vem causando ao meio ambiente como conseqüência
do modelo econômico que adotaram: poluidor, de extrativismo industrial e
depredador, responsável pela atual catástrofe de inundações, secas, processos de
desertificação, degelos, desaparecimento de espécies e ecossistemas, chuva
ácida, poluição urbana, águas contaminadas, doenças, conflitos sociais,
deslocamento populacional, empobrecimento, depredação de recursos naturais,
descaracterização sociocultural e riscos de dizimação de povos, enfim, de
atentados contra a vida do pla neta e da humanidade.
Por isso, antes de pensar na transferência de
recursos para os países pobres ou na discussão e implementação de mecanismos de
compra de crédito de carbono, a preocupação dos governos deve ser assumir metas
concretas necessárias para a efetiva e comprovada redução de gases de efeito
estufa nos seus respectivos países.
A contribuição dos povos indígenas no
enfrentamento da mudança climática e na preservação da biodiversidade e dos
recursos naturais nos diversos biomas não é de agora, e isso tem que ser
reconhecido e valorizado pelo Governo e o povo brasileiro. Por isso é
fundamental que se conclua a demarcação das terras indígenas e se garanta a sua
proteção perante as distintas formas de invasão: empreendimentos madeireiros,
latifundiários, agroexportadores, garimpo e pesca ilegal, empresas de mineração
e grandes empreendimentos de infra-estrutura.
O Governo brasileiro deve também res peitar
rigorosamente ás normas nacionais e internacionais que asseguram o direito dos
povos indígenas à consulta livre, prévia e informada, assegurada principalmente
nos artigos 6º e 7º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) e na Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas.
Nessas condições, não basta pretender mostrar
ao mundo, no marco das negociações sobre a Convenção do clima, que a sociedade
civil é consultada, porque até o momento essa participação se deu de maneira
informal, limitada e praticamente sem a participação dos povos e organizações
indígenas.
Para a APIB, está mais do que claro que não
cabe somente ao governo, e muito menos a setores empresariais, organizações não
governamentais e até indivíduos oportunistas, definir o destino e a participação
dos povos indígenas em quaisquer medidas ou ações que afete os seus
interesses.<>
Até o momento, o Governo brasileiro
possibilitou processos de consulta em questões como o Estatuto dos Povos
Indígenas e a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras
Indígenas (PNGATI). Por que então não envolver os povos indígenas na discussão
da questão climática, dos serviços ambientais e inclusive dos mecanismos de
Redução de emissões por desmatamento e degradação (REDD), mesmo para fins de
esclarecimento sobre o assunto e para saber se os povos e comunidades indígenas
estão ou não interessados em participar desta nova promessa de “bem-estar” e
“futuro promissor”?
A APIB alerta sobre os riscos de quaisquer
iniciativas que ao invés de levar melhorias podem prejudicar a integridade
sociocultural, territorial e ambiental das terras e povos indígenas.
Como em outras ocasiões, a APIB reitera o seu
entendimento a respeito das políticas públicas voltadas aos povos indígenas, no
sentido de que a participação dos povos indígenas deve ser garantida na sua
formulação, implementação e avaliação, através do diálogo institucionalizado e
formal. E as políticas, programas e projetos devem se pautar pela
transversalidade e a articulação interna para assegurar a sua gestão e
aplicabilidade eficiente, atingindo os seus objetivos mas sobretudo os
interesses e as aspirações dos seus destinatários. Essa unidade de ação
necessariamente requer de uma visão e comportamento articulado dos distintos
órgãos de governo envolvidos com a questão indígena.
Dessa forma a APIB espera que o Governo
brasileiro assegure processo qualificado de consulta aos povos indígenas, para
não omitir a sua participação e contribuição na elaboração do Plano Nacional de
Mudança Climática, sem esquecer que esta questão não pode ser tratada de forma
isolada, mas sim no contexto da PNGATI, cujos objetivos já tratam dos serviços
ambientais oferecidos pelos povos e terras indígenas, além de muitas outras
demandas e propósitos relacionados com a gestão territorial e ambiental dessas
terras.
Ao governo, às organizações não governamentais
e outros interesses estranhos exigimos que parem de assediar e inculcar nos
nossos povos e comunidades ilusões e propósitos relacionados com o mercado de
carbono que podem comprometer a sua integridade sociocultural, respeitando o
nosso ritmo e a criação de condições para o entendimento desta e outras questões
emergentes, em prol da preservação dos nossos territórios e suas riquezas, mas
principalmente da nossa vida.
Brasília, 09 de novembro de 2010.
APIB - ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO
BRASIL
APOINME – ARPIN SUDESTE – ARPIN SUL – ARPIPAN –
ATY GUASU – COIAB
Post Scriptum
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